Europa tem de se preparar para futuros desafios sanitários, diz Rui Santos Ivo
Rui Santos Ivo acredita que será possível concluir o processo das ATS em breve, reforçando o conceito de UE da saúde
ANTÓNIO PEDRO SANTOS/POOL
Projetos Expresso. O presidente do Infarmed acredita que a proposta da Comissão Europeia sobre Avaliação das Tecnologias de Saúde, cuja negociação será liderada por Portugal, é importante para “robustecer” a UE e reforçar a “equidade” entre os cidadãos. O projeto Mais Saúde, Mais Europa reúne, através de uma iniciativa do Expresso com a Apifarma, os momentos que marcam a agenda da semana
Francisco de Almeida Fernandes
O aumento progressivo da esperança média de vida que os povos europeus registaram ao longo das últimas décadas deve-se, sobretudo, aos avanços científicos e tecnológicos da indústria farmacêutica. Em Portugal, por exemplo, os medicamentos inovadores para oito das doenças mais prevalentes adicionaram cerca de dois milhões de anos de vida desde 1990, evitando mais de 110 mil mortes. Estas conquistas civilizacionais são possíveis com a aposta na inovação e investigação científica, mas são também impulsionadas por uma crescente cooperação entre estados-membros da União Europeia. É essa entreajuda que a proposta de lei para Avaliação de Tecnologias da Saúde (ATS), da Comissão Europeia, pretende alargar. “A legislação permitirá acelerar e robustecer a avaliação de novos medicamentos em benefício dos sistemas de saúde e dos cidadãos”, diz ao Expresso Rui Santos Ivo.
O presidente do Infarmed tem estado, desde dezembro e ainda durante a Presidência Alemã do Conselho da UE, a liderar o grupo de trabalho que conseguiu, já durante o mandato português, desbloquear um processo que se arrastava desde janeiro de 2018. “A demora deveu-se sobretudo a conseguirmos encontrar um equilíbrio entre as responsabilidades e competências nacionais e aquilo que pode ser partilhado a nível europeu”, explica.
O que está em causa? A proposta sobre ATS visa criar um mecanismo europeu centralizado que permita aos peritos dos países do espaço comunitário avaliar o valor terapêutico acrescentado de cada nova tecnologia, medicamento ou dispositivo médico face aos já existentes. Atualmente, este procedimento é da responsabilidade de cada nação, aumentando o tempo entre a sua disponibilização ao mercado pela indústria e o momento de introdução nos sistemas de saúde. “Há mais de uma década que existe uma cooperação entre os estados-membros numa base puramente voluntária”, revela.
“Legislação sobre ATS é um elemento importante para reforçar a equidade no acesso dos cidadãos às novas tecnologias de saúde”, diz Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed
Agora, a Presidência Portuguesa da UE tem, por fim, autorização da Comissão Europeia para dar início às negociações com o Parlamento Europeu sobre a aprovação da proposta. Para Rui Santos Ivo, que lembra as “muitas reuniões conjuntas e trabalho bilateral” até chegar a este ponto, existem três desafios que marcam a próxima fase do processo – a forma de articulação entre a avaliação europeia e a implementação nacional; o mecanismo de decisão; e o âmbito desta cooperação. “Vamos começar com os medicamentos na área da oncologia e depois vamos gradualmente alargando às doenças órfãs, às terapêuticas avançadas e, ao fim de oito anos, chegaremos a todos os medicamentos que passam pela Agência Europeia do Medicamento”.
Construir uma união da saúde
“A pandemia veio proporcionar mais entendimentos a nível de uma Europa unida, política e a uma voz também na área da saúde”, aponta a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, que congratula a Presidência Portuguesa pela conquista histórica. O presidente do Infarmed acredita que a proposta das ATS “é um elemento importante para reforçar o conceito de União Europeia da saúde” e que este é o momento para “criarmos um quadro mais robusto e prepararmo-nos para situações sanitárias que possam surgir no futuro e que seguramente surgirão”.
A avaliação participada dos estados-membros sobre novas tecnologias, medicamentos e dispositivos médicos é um passo nesse sentido, mas dá também “robustez e credibilidade” ao processo, além de contribuir para a inclusão e equidade entre os povos europeus no acesso à saúde, diz Rui Santos Ivo. Por outro lado, refere que este mecanismo contribui para o aumento da competitividade europeia neste campo, embora alerte que continua a ser importante “apostar na capacitação da Europa e em maior transparência nas cadeias de distribuição” de medicamentos essenciais. Apesar de não saber se será possível concluir este processo até ao final do mandato português, que termina em junho, Rui Santos Ivo mostra-se confiante numa conclusão rápida das negociações com o Parlamento Europeu. “Mantenho o meu otimismo moderado de podermos avançar muito com o dossier”, afiança.
110.000
é o número de mortes evitadas em Portugal, desde 1990, com a introdução no mercado de medicamentos inovadores. De acordo com o estudo “O Valor do Medicamento em Portugal”, a excelência científica permitiu aumentar a esperança média de vida até dez anos nos últimos 30 anos
O projeto Mais Saúde, Mais Europa continuará a acompanhar em permanência a atividade da Presidência Portuguesa do Conselho da UE até ao início de julho com a publicação de dois artigos semanais – à segunda-feira, um apanhado dos principais eventos que marcam a semana e, à sexta-feira, um resumo dos momentos-chave. A iniciativa do Expresso com o apoio da Apifarma vai ainda potenciar o debate em torno das questões europeias fundamentais com dois eventos – “Liderança Europeia na Saúde”, a 7 de abril, e “Cancro: Cada Dia Conta”, a 26 de maio.
Os destaques da semana:
Terça-feira, dia 30
A cadeia alimentar é um dos pontos essenciais para manter a saúde e o bem-estar dos povos, em particular numa altura em que a Europa procura ser mais resiliente e sustentável. Para assinalar a entrada em vigor do Regulamento da Transparência neste sector, a Comissão Europeia e a Presidência Portuguesa organizam um debate em conjunto com a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA).
Cada vez mais, os líderes comunitários olham para os métodos de produção de animais e alimentos como um ponto de partida para prevenir doenças, mas também para reduzir a poluição e as emissões de CO2 para a atmosfera.
Neste evento à porta fechada, participam, entre outros, a ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes e Stella Kyriakides, Comissária Europeia para a Saúde e Segurança Alimentar.
Quarta-feira, 31
Além da resiliência, justiça social e sustentabilidade, a digitalização é um dos principais pilares da estratégia da UE para o futuro comunitário. A importância da partilha de dados entre estados-membros ficou à vista com a crise pandémica, reacendendo a discussão em torno de uma maior cooperação entre os países.
No último dia do mês, os institutos de estatística do Trio de Presidências e o Eurostat organizam um workshop com os líderes do Sistema Estatístico Europeu (SEE) dedicado ao tema. Este evento servirá também de preparação do Seminário de Alto Nível do SEE, “Dados de e para a sociedade”, que acontece a 3 e 4 de junho com organização do INE e da Presidência Portuguesa.