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Ameaças à liberdade de imprensa: Repórteres Sem Fronteiras alerta para falhas de governos e aumento da pressão de atores políticos

Ameaças à liberdade de imprensa: Repórteres Sem Fronteiras alerta para falhas de governos e aumento da pressão de atores políticos
PATRICIA DE MELO MOREIRA

Organização não-governamental publica anualmente uma análise sobre o estado da liberdade de imprensa em 180 países e territórios. Índice divulgado nesta sexta-feira, data em que se assinala o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, mostra “declínio preocupante do apoio e do respeito pela autonomia dos meios de comunicação e um aumento da pressão do Estado ou de outros atores políticos”. Portugal surge em sétimo lugar na lista

A liberdade de imprensa em todo o mundo está a ser ameaçada por quem a deveria proteger – as autoridades políticas. Esta é uma das principais conclusões do mais recente Índice Mundial da Liberdade de Imprensa, elaborado anualmente pela organização não-governamental Repórteres sem Fronteiras (RSF).

Dos cinco indicadores utilizados para a classificação – contexto político, quadro jurídico, contexto económico, contexto sociocultural e segurança – foi o político aquele que mais desceu, registando uma queda média global de 7,6 pontos, destaca o documento divulgado nesta sexta-feira, data em que se assinala o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Um “número crescente” de governos e autoridades políticas “não está a cumprir o seu papel de garante do melhor ambiente possível para o jornalismo e do direito do público a notícias e informações fiáveis, independentes e diversificadas”, alerta a organização, que observa um “declínio preocupante do apoio e do respeito pela autonomia dos meios de comunicação e um aumento da pressão do Estado ou de outros atores políticos”.


Índice Mundial da Liberdade de Imprensa



A lista de 180 países e territórios é liderada pela Noruega, seguindo-se Dinamarca, Suécia, Países Baixos e Finlândia. Nos três lugares finais do ranking estão Afeganistão, Síria e Eritreia: os dois últimos são “zonas sem lei para os meios de comunicação social, com um número recorde de jornalistas detidos, desaparecidos ou feitos reféns”. A classificação é obtida com base num registo quantitativo dos abusos cometidos contra jornalistas no exercício da profissão e contra meios de comunicação social e através de uma análise qualitativa da situação em cada país ou território, baseada nas respostas de especialistas – como investigadores, jornalistas ou académicos – a um questionário.

Portugal surge em sétimo lugar, atrás da Estónia, dois lugares acima relativamente a 2023 – quando ocupava o nono posto – e regressa assim à posição em que se encontrava em 2022. A subida de Portugal “pode ser atribuída, em grande medida, à deterioração da liberdade de imprensa noutros países, como a Irlanda”, que passou do segundo lugar para o oitavo, diz ao Expresso o coordenador da RSF para a União Europeia e Balcãs. “A pontuação global de Portugal regista apenas um ligeiro aumento. Este facto deve-se sobretudo à melhoria do indicador político”, aponta Pavol Szalai.

No contexto da compra do grupo Global Media por um “misterioso fundo das Bahamas”, os principais partidos políticos manifestaram apoio à liberdade de imprensa e, antes das legislativas, discutiram o seu reforço, algo que “raramente acontece em eleições na Europa”, refere o responsável. “A RSF continua, no entanto, preocupada com a forma como o Chega visa os jornalistas, bem como com o potencial impacto da propriedade do grupo Global Media nas condições profissionais e económicas do trabalho dos seus jornalistas”, acrescenta Szalai.


Ranking de todos os países



Eleições e desinformação

Num ano em que “mais de metade da população mundial vai às urnas”, a constatação de que “os Estados e outras forças políticas estão a desempenhar um papel cada vez menor na proteção da liberdade de imprensa” afigura-se uma “tendência preocupante”, afirma Anne Bocandé, diretora editorial da RSF, em comunicado. “Este desempoderamento é por vezes acompanhado de ações mais hostis que comprometem o papel dos jornalistas, ou mesmo instrumentalizam os meios de comunicação social através de campanhas de assédio ou de desinformação”, salienta.

Mas 2023 também foi um ano de “eleições decisivas”, realça a análise, e especialmente na América Latina, onde vencedores como Javier Milei se orgulham de ser “predadores da liberdade de imprensa e da diversidade dos meios de comunicação social”: o novo Presidente da Argentina encerrou a maior agência noticiosa do país, que desceu 26 lugares, para 66.º.

Os atos eleitorais são “frequentemente acompanhados” de atos de violência contra os jornalistas, como na Nigéria (112.º) e na República Democrática do Congo (123.º). As juntas militares que tomaram o poder através de golpes na região do Sahel, como no Níger (descida de 19 lugares, para 80.º), no Burkina Faso (queda de 28 lugares, em 86.º) e no Mali (menos um lugar, para 114.º), têm vindo a “reforçar constantemente” o controlo sobre os meios de comunicação social e a impedir o trabalho dos jornalistas, enumera a RSF.

O uso de inteligência artificial generativa na desinformação para fins políticos é outro dos aspetos que preocupa a organização, nomeadamente por deepfakes ocuparem “posição de liderança” na influência do desenrolar de eleições. Há também uma intensificação por parte de “muitos governos” do controlo sobre a Internet e as redes sociais, através da restrição de acesso, bloqueio de contas ou eliminação de mensagens com notícias, como é o caso da China (172.º).

Em mais de três quartos dos países e territórios avaliados, ou seja, em 138, a maioria dos inquiridos no questionário relatou que os intervenientes políticos estavam “frequentemente envolvidos” em campanhas de propaganda ou desinformação. Em 31 países, este envolvimento é descrito como “sistemático”. Na Europa de Leste e na Ásia Central, a censura dos meios de comunicação social “intensificou-se” e é classificada como uma “espantosa imitação dos métodos repressivos russos”.

Rússia prossegue “cruzada”

Em termos regionais, a região do Magrebe - Médio Oriente é a que apresenta a pior situação. Um “número recorde” de violações contra jornalistas e meios de comunicação social marca a guerra em Gaza: mais de 100 repórteres palestinianos foram mortos pelas Forças de Defesa de Israel, dos quais pelo menos 22 durante o exercício de funções. Segue-se a região da Ásia-Pacífico, onde os governos autoritários estão a “estrangular o jornalismo”, e depois África, com a situação a ser classificada como “muito grave” em menos de 10% da região, mas “difícil” em quase metade dos países, nota a RSF.

O Índice mostra que os países onde a liberdade de imprensa está em “boa forma” encontram-se todos na Europa, especificamente na União Europeia (UE), onde há nova legislação na área. Ainda assim, a liberdade de imprensa está a ser “posta à prova” na Hungria (67.º), em Malta (73.º) e na Grécia (88.º) – os três países da UE com a classificação mais baixa.

As condições estão a piorar mais a leste na Europa devido, de acordo com a análise, à escala da desinformação e censura dos meios de comunicação social, com recurso a “acusações espúrias de terrorismo ou de violação da segurança nacional”. São disso exemplo Rússia (162.º), Bielorrússia (167.º), Turquemenistão (175.º) e Geórgia (103.º). Já para a melhoria de posição da Ucrânia – que subiu 18 lugares, para 61.º – contribuiu a contabilização de um menor número de jornalistas mortos.

Mais de 1500 jornalistas fugiram da Rússia para o estrangeiro desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. O país “prosseguiu a cruzada” contra o jornalismo independente, apesar de ter subido dois lugares no Índice, devido à descida de outros países: a lista de jornalistas e meios de comunicação social classificados como “agentes estrangeiros” ou “indesejáveis” aumentou e os jornalistas continuam a ser presos arbitrariamente, assinala a RSF.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

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