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Parlamento Europeu diz sim ao 'Media Freedom Act'. Os jornalistas serão mais livres? E vão trabalhar com mais segurança?

Parlamento Europeu diz sim ao 'Media Freedom Act'. Os jornalistas serão mais livres? E vão trabalhar com mais segurança?
Stevecoleimages - Getty Images

O “Media Freedom Act”, que vai regular a área da Comunicação Social na União Europeia foi aprovado pelo Parlamento Europeu. O Expresso acompanhou a sessão e conta-lhe o que muda. O que traz a lei de novo? Quem vai fiscalizar a aplicação das novas regras? Como vão reagir as grandes plataformas das redes sociais?

Parlamento Europeu diz sim ao 'Media Freedom Act'. Os jornalistas serão mais livres? E vão trabalhar com mais segurança?

Teresa Amaro Ribeiro

em Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu

O jornalismo livre é o pilar da democracia e a democracia só é possível com jornalismo livre. Foi este o mote da proposta do Regulamento da Liberdade dos Meios de Comunicação Social aprovada na semana passada, em sessão plenária no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.

O regulamento, que resulta de um acordo que já tinha sido firmado pelos governos da União Europeia (UE) em dezembro de 2023, tem como objetivo constituir uma lei de proteção à independência dos meios de comunicação social, com transparência na propriedade dos media e que tem como prioridade a segurança dos jornalistas.

A relatora foi a eurodeputada alemã Sabine Verheyen, do Partido Popular Europeu (grupo parlamentar do PSD e CDS). Ao abrir o debate sobre a temática no Parlamento Europeu, relembrou a importância do jornalismo para a democracia e acrescentou que os jornalistas “são os guardiões da nossa liberdade e contribuem significativamente para o esclarecimento e a troca de opiniões na nossa sociedade”.

Ao usar o exemplo da Hungria, onde o primeiro-ministro Viktor Orbán controla e restringe a comunicação social há já uma década, afirmou que esta é “a lei que dá resposta a esta ameaça”, que não acontece apenas em solo húngaro.

No entanto é na Hungria que alguns dos casos mais emblemáticos de atropelos à liberdade de imprensa têm acontecido. No Parlamento Europeu estiveram vários jornalistas locais que utilizaram as conferências de imprensa e seminários desta temática para questionar os eurodeputados. Mostraram estar descontentes e com pouca confiança nas mudanças que esta lei trará ao seu dia a dia como jornalistas, num país onde a comunicação social está sujeita a um controlo praticamente total por parte do governo.

Segundo o eurodeputado português, João Albuquerque (PS), “infelizmente os índices de liberdade de imprensa na Europa têm-se deteriorado e, portanto, há obviamente uma necessidade de dar uma resposta europeia a um problema que afeta vários países a nível europeu.”

Esta resposta, do Media Freedom Act, pretende desenvolver-se em várias frentes:

  1. Obriga os Estados-Membros a proteger a independência dos meios de comunicação social contra interferências governamentais, políticas, económicas ou privadas;
  2. Proíbe todas as formas de intervenção nas decisões editoriais;
  3. Impede a pressão para forçar os jornalistas a divulgar fontes;
  4. Proíbe que os jornalistas sejam vigiados através de software espião;
  5. Determina que todos os meios de comunicação social publiquem com transparência informações sobre os seus proprietários;
  6. Exige que todos os órgãos informem se usufruem de financiamento estatal;
  7. Impede a restrição ou eliminação de conteúdos independentes de órgãos de comunicação social.

Depois da intervenção da relatora Sabine Verheyen, seguiram-se as palavras de cerca de duas dezenas de deputados, que intervieram maioritariamente a favor da lei. Quem não o fez, indicou que a lei era “insuficiente” ou “ineficaz”.

Elżbieta Kruk, do grupo dos Conservadores e Reformistas (ECR), foi um dos casos. A polaca representa, no Parlamento Europeu, o PiS, partido que estava no Governo quando o país polaco tomou várias medidas que prejudicaram a liberdade de imprensa.

Na sua intervenção na sessão plenária disse que: “a base jurídica não é a correta, não nos devíamos basear no artigo 114 do Tratado de Funcionamento da União Europeia. O regulamento que se debruça sobre esta área, dos meios de comunicação, é contrário àquilo que está consagrado nos contratos, sendo esta área, uma área da competência dos estados-membros, o que nos faz atuar de forma contraria àquilo que é a liberdade de imprensa", apontou. No fim da sua intervenção disse ainda ter dúvidas sobre o regulador criado, pondo em causa a habilidade do Parlamento para regular esta área.

Já a Vice-Presidente da Comissão Europeia para os Valores e Transparência, Věra Jourová, apontou que o caminho desta lei “não foi fácil, tínhamos muitas pessoas que se opunham ou até que eram inimigos destas ideias”, acrescentando, em tom de vitória, que tinha conseguido avançar “com a primeira lei para proteger a liberdade da comunicação social, deixando uma mensagem clara aos jornalistas: o seu papel é essencial à democracia e é papel da democracia protegê-los”.

A liberdade com limites

Esta nova lei procura responder às ameaças e obstáculos à realização do trabalho dos jornalistas e aos vários tipos de agressão sofridos pelos mesmos no âmbito da sua atividade profissional.

Exemplo disso é a operação Pégaso, levada a cabo pela Amnistia Internacional e vários jornalistas de investigação, que comprovaram que vários governos de todo o mundo instalaram spyware para espiar jornalistas, advogados, políticos e deputados do Parlamento Europeu, conforme adianta um relatório da Comissão Europeia publicado em julho de 2022 e que sustenta a necessidade da alteração da lei.

O ranking do Índice Mundial de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, mostra que embora os países onde a liberdade de imprensa é menor não façam parte da União Europeia, ao longo dos anos esta liberdade tem vindo a deteriorar-se em grande parte do território mundial.

Neste ranking, Portugal ocupa dos primeiros lugares da lista de 180 países, ainda assim, neste top da liberdade de imprensa desceu do sétimo lugar em 2022, para o nono em 2023.

Num registo mais preocupante e, bastante abaixo no ranking, mas também com agravamento, os números pioraram na Hungria (de 72.º para 85.º), Polónia (57.º para 66.º) e Grécia (107.º para 108.º).

Nos dois primeiros foi consequência da pressão e controlo do Governo.

No caso da Grécia destaca-se o escândalo das escutas telefónicas, que revelou que o Serviço Nacional de Inteligência espiava vários jornalistas e, ainda, o assassinato do jornalista Giorgos Karaïvaz, em 2021, que continua sem ser explicado.

Como é que a lei vai ser fiscalizada?

Segundo o regulamento, vai ser criada uma nova entidade de regulação da comunicação social a nível europeu e, segundo o eurodeputado socialista João Albuquerque “foi uma grande exigência da nossa parte, enquanto grupo, de que ela fosse verdadeiramente independente, que não estivesse sujeita ao controlo da Comissão Europeia”, mas sim que tivesse autonomia, incluindo administrativamente.

Este ‘conselho de supervisão europeu’, como lhe chamou o eurodeputado, terá também a capacidade de ter em conta as diferenças dos reguladores nacionais, atuando de forma diversificada.

De maneira a manter a transparência relativamente aos detentores dos órgãos de comunicação social, será criada uma base de dados, onde terão de registar o nome da empresa e os seus donos. A posterior fiscalização é feita pelo ‘Conselho de Supervisão Europeu”.

Para João Albuquerque esta é uma medida fulcral para evitar “investimentos opacos, como aquele que se verificou com o grupo Global Media, onde não se identifica verdadeiramente que são os detentores do capital e quem são os investidores” acrescentando ainda que evita “a concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social”.

O Expresso viajou a Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: taribeiro@expresso.impresa.pt

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