Quem tem dinheiro investido em ações está desde o início do ano a roer as unhas e a fazer contas à vida. As sessões desta quarta e quinta-feira, 19 de maio, mostraram mais uma vez que o mercado acionista não é para corações fracos.
Wall Street encerrou a sessão de quarta-feira com as piores quedas desde junho de 2020, altura em que a pandemia do covid-19 estava longe de estar controlada. E as bolsas europeias encerraram em queda pronunciada nesta quinta-feira (com a excepção do PSI, que fechou em forte alta), continuando a tendência dos mercados norte-americanos do dia anterior.
Um dos receios é que o pé no travão dos grandes bancos centrais (a Reserva Federal dos Estados Unidos, o Banco de Inglaterra, o Banco Central Europeu) para controlar a inflação, seja demasiado brusco. Ao ponto de provocar estagnação económica ou até uma recessão, com impacto negativo nas famílias e na rendibilidade das empresas.
A temporada de resultados relativa ao primeiro trimestre já tinha tido um impacto muito significativo junto das tecnológicas: desde o início do ano, o Nasdaq Composite, o índice que agrega mais de 3000 ações do setor, já perdeu 28%. Na quarta-feira, fechou em queda de 4,73%.
Depois da retalhista Target ter apresentado resultados trimestrais, o pessimismo voltou a instalar-se. A Target afundou 25% na quarta-feira depois de reportar uma diminuição do lucro no primeiro trimestre para metade e uma revisão em baixa das suas perspetivas para o resto do ano, pressionada pelo aumento dos custos energéticos e logísticos (à semelhança da sua concorrente Walmart). O S&P 500 e o Dow Jones Industrial Average perderam 4,04% e 3,57%, respetivamente, segundo dados da "Reuters".
A Cisco, entretanto, ao reportar resultados depois do fecho de quarta, reviu em baixa as suas perspetivas de receitas para o atual trimestre, afetada pela escassez de componentes devido aos confinamentos chineses em centros produtivos como Xangai, e pela guerra na Ucrânia e subsequente saída da Rússia, que teve um impacto negativo de 200 milhões de dólares (cerca de 190 milhões de euros ao câmbio atual) na receita do trimestre, segundo a "CNBC". Na sessão desta quinta-feira de Wall Street afundava 15%.
O pessimismo em torno de um abrandamento da economia norte-americana já se tinha instalado entre os investidores e reforçou-se com a divulgação dos pedidos semanais de subsídio de desemprego nesta quinta-feira, acima do estimado pelos analistas - um sinal de que a Fed, com o mandato dual de controlar a inflação e de promover o máximo emprego, poderá estar a comprometer o segundo objetivo com a sua abordagem ousada na subida das taxas de juro para cumprir o primeiro.
Nos Estados Unidos, figuras como Lloyd Blankfein, antigo presidente executivo do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs, alertaram esta semana para a possibilidade "muito, muito alta" de uma recessão.
O antigo presidente da Fed, Ben Bernanke, foi mais cauteloso e alertou para a possibilidade de "estagflação" - estagnação económica com altas taxas de inflação. Contudo, o atual líder do banco central dos Estados Unidos, Jerome Powell, é da opinião de que "há uma boa hipótese de restaurar a estabilidade de preços sem cair em recessão".
Na Europa, líderes de empresas (na sua maioria alemães) alertam para a possibilidade real de uma recessão se se fechar total e definitivamente a torneira às importações russas de gás e petróleo, mais um problema a somar ao rol de crises a afetar a indústria do Velho Continente como os problemas de abastecimento, o encarecimento das matérias-primas e a pandemia do covid-19 que, parecendo que não, ainda não terminou.
Na China, a política "covid zero" do governo de Pequim enclausurou milhões de pessoas em megalópoles como Xangai desde o final de março. O impacto económico desta política provocou uma revisão em baixa de todas as previsões de crescimento económico dos analistas, prevendo-se que esta seja a primeira vez que a China falhe o alvo de crescimento económico definido centralmente desde que foi criado, no final dos anos 1990. Para 2022, o alvo é 5,5% - mas deverá ficar abaixo disso.
O índice de referência chinês CSI 300 já tinha perdido, em abril, 10%. Nos últimos 30 dias perdeu 1,8% do seu valor e desde o início do ano afundou quase 19%. Já o Hang Seng, de Hong Kong, perdeu 4% no último mês e 14% desde o início do ano, num selloff que demostra que não é uma gripe passageira aquilo de que a economia mundial padece.
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