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A eternidade dos condenados: imagens únicas do campo de concentração do Tarrafal

A eternidade dos condenados: imagens únicas do campo de concentração do Tarrafal

Um misterioso álbum conta a história de um casal que partiu em busca do filho e encontrou o degredo e a morte. Recuperamos, a propósito da visita oficial de Marcelo Rebelo de Sousa a Cabo Verde, a longa reportagem de Christiana Martins e Ana Baião, publicada na revista do “Expresso” em outubro de 2021

A eternidade dos condenados: imagens únicas do campo de concentração do Tarrafal

Ana Baião

Fotojornalista

A capa é de tecido verde, estampado com pequenos losangos brancos. Lá dentro, fotografias de homens vestidos com roupa clara — alguns estão sérios, outros sorriem. Por cenário, uma parede branca de madeira, outra de pedras escuras ou uma árvore. Sob os pés, chão de terra ou areia. Um dos retratados tem um pequeno macaco sobre o ombro e outro está recostado numa cadeira de lona. Há cenas de brincadeiras, com acenos à janela, por trás da fila de homens ordenada disciplinadamente. Não são amigos em férias nem trabalhadores agrícolas ou emigrantes num país tropical. São os desterrados do Campo da Morte Lenta, a Colónia Penal do Tarrafal, construída pelo Estado Novo na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Passaram-se 72 anos desde que aqueles homens foram fotografados, mas do interior daquelas páginas os seus olhares ainda confrontam quem os olha de volta.

“Não consigo precisar a primeira vez que ouvi falar do álbum. Não sei se é memória construída ou vivida de facto, mas tive a certeza da sua existência há alguns meses, quando estive a ler toda a correspondência entre o meu avô e os meus bisavós, enquanto ele estava preso no Tarrafal. Mencionam todo o processo fotográfico, da escolha e envio dos materiais para a construção do álbum dentro do campo.” João Pina, fotojornalista, colaborador de títulos como “The New York Times”, “The Washington Post” ou “National Geographic”, é neto de Guilherme da Costa Carvalho, preso político no Tarrafal entre 1949 e 1951, e bisneto de Luís Alves de Carvalho e Herculana Carvalho, as únicas pessoas alguma vez autorizadas a visitar o campo de concentração e a fotografar os presos. Imagens que fixaram no tempo dois encontros únicos, a que nenhuma outra família de presos teve direito. Ao Expresso João Pina fala das dezenas de fotografias que resultaram destas viagens, reunidas num álbum misterioso, até agora desconhecido dos investigadores, e que foi entregue, em março, por uma organização de resistentes antifascistas ao Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche.

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