Cultura

Pussy Riot ao vivo na Casa da Música: cantar para lutar

Pussy Riot ao vivo na Casa da Música: cantar para lutar
RUI DUARTE SILVA

As Pussy Riot deram o primeiro concerto na Casa da Música, no Porto, onde contaram a história que as levou a desafiar Putin e a Igreja Ortodoxa, e o regime autocrático da Federação Russa, assim como as perseguições, detenções e amarguras que se seguiram, num momento provavelmente menos punk do que aquele que desejaram. Esta noite atuam em Lisboa, no Capitólio

Pussy Riot ao vivo na Casa da Música: cantar para lutar

Rui Duarte Silva

Fotojornalista

Sara e Astrid, 16 e 17 anos, apareceram vestidas ao estilo punk. A segunda arrastada pela primeira, e a primeira a conselho do pai. Foi o pai de Sara que lhes “apresentou” as Pussy Riot, e foi o pai que lhe arranjou os bilhetes. O pai não veio com elas, nem nenhum outro familiar, mas outros miúdos, jovens vestidos de preto, estavam na companhia de familiares. Eram muito poucos, uma minoria muito reduzida quando colocada no contexto do público que ocupou cerca de dois terços da plateia que assistiu ao primeiro concerto das Pussy Riot, em Portugal, na Casa da Música, no Porto, no dia 8.

Na plateia, a média de idades devia ser muito alta, provavelmente acima dos quarenta e muitos, tendo em conta a presença de várias pessoas que, por certo, já tinham ultrapassado os setenta, e num caso ou noutro mesmo os oitenta.

A dada altura, e ainda antes do concerto começar, uma das amigas, um pouco esmagada pelo ambiente formal, os dourados do edifício no qual nunca tinha estado, e pelas cadeiras deslizantes da plateia, atirou à outra: “E, se agora me levantasse e começasse a gritar?”

A “girl punk”, que a aparência e a atitude mais desafiadora confirmavam, era frequentadora da “cena mais radical do Porto”, na qual toda a gente, segundo dizia, “era anarquista e ouvia crust punk”. Gostara das primeiras músicas das Pussy Riot, “mas não tanto das que elas fazem hoje”. Ía claramente na expectativa de um momento punk, que não combinava muito com a pose da audiência, nem com a sala, nem com as próprias Pussy Riot, tendo em conta as primeiras palavras que se ouviram do produtor do coletivo de mulheres que, em 2011, desafiou a igreja ortodoxa e a sua ligação a Putin, em Moscovo.

RUI DUARTE SILVA

Alexander Cheparukhin, produtor das Pussy Riot, quase desde o início, foi o primeiro a subir a palco, para esclarecer algumas coisas. Começou por confessar que as Pussy estavam um pouco desconcertadas ao verem, através do sistema de vídeo interno, a disposição do público na sala. Era preciso chegar à frente, à linha da frente: “Espero que se comportem da forma mais punk que vos for possível”.

Um momento performativo, não um concerto

Daí, Alexander passou para uma explicação, do que se iria seguir, que tomou mais de dez minutos. Nas suas palavras não iríamos assistir a um concerto. Mas um momento performativo, teatral que traria a palco a música, o vídeo, e duas das Pussy Riot, que cantaram 'Punk Prayer', na Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, desafiando a igreja Ortodoxa: Maria Alckhina, aka Masha, a mais conhecida e a que cumpriu a pena mas longa e severa, e Diana Barkof, “que não chegou a ser presa”.

Esta dupla completava-se noutra dupla, Lucy Stein, uma mulher polícia que trocou o trabalho pelo colectivo Pussy, e Anton, um músico saxofenista do “free jazz, do pós-rock, do pós-tudo”, e aos quatro sobrepunha-se uma presença muito importante, a do vídeo, que iria ser visto num ecrã diposto atrás delas, e no qual apareceriam as imagens que documentam a oração das Pussy Riot na Catedral de Moscovo e todo o processo que se seguiu, e as legendas que traduziam para português do Brasil, as letras cantadas, gritadas e ditas pelos quatro.

O vídeo, sobretudo documenta, realçava Alexander, da responsablidade de Vasily Bogatov, “era uma parte muito importante – uma vez que sem os seus registos as Pussy Riot nunca teriam chegado aos meios internacionais e alcançado a amnistia que a tirou Masha do estabelecimento prisional na Sibéria, depois de 21 meses de penosa detenção, que a obrigava a trabalhar 16 horas por dia – e as palavras, ditas em russo e traduzidas, davam forma a narrativa da responsabilidade de Olga Borisova, a “editora criativa” do livro “Pussy Riot”, que Nadezhda Tolokonnikova escreveu.

O produtor sublinhava ainda o facto de Masha não ter fugido da Rússia, mas rompido fronteiras para poder participar nesta digressão, que já tinha percorrido grande parte das cidades alemãs, alguns países da Europa, para recolher fundos para um hospital pediátrico de Kiev.

Rui Duarte Silva

A história das Pussy Riot,

Já com as Pussy em palco, o 50º concerto ou espetáculo desta digressão começava pelo princípio desta história, aquela que as conduziu à condenação, à prisão e perseguição, mas também ao estrelato mundial. Num modo narrativo, documental, e ao longo de cerca de uma hora, o público foi confrontado com a história das Pussy Riot, desde o primeiro momento em que elas quiseram chamar à atenção a demoníaca relação entre a Igreja Ortodoxa e Putin.

Contaram-se as intenções que as levaram à catedral, a forma também como operação foi preparada, as tentativas de fuga à polícia, os dias da clandestinidade, interrompidos pelos de julgamento, as artimanhas dos que usam o medo para coagir, a condenação, a viagem com destino a uma colónia penal na Sibéria, a greve da fome, a liberdade inesperadamente alcançada, e também a vitória num processo que, segundo as Pussy, levou pela primeira vez os guardas prisionais a tribunal.

Com tanta informação, o público permaneceu sentado, e nem se moveu ao som da música, possivelmente para poder dar atenção às imagens que corriam no ecrã acima das Pussy e para poder ler as legendas que traduziam o que iam dizendo.

Foi já muito perto do fim que a audiência se levantou, antes das Pussy dedicarem um tema à Guerra na Ucrânia, lembrando logo depois os actuais prisioneiros políticos detidos na Federação Russa, como Yury Zhdanov, Lilya Chanysheva, Alexey Navalny, Azat Miftakhov, Said Dzhumaev, Nikita Uvarov, Zarema Musaeva, Yury Dmitriev, ilya Shakurskiy, Dimitriy Pchelintsev, Viktor Filinkov, Vasily Kuksov e Yuliy Boyarshinov. No final, seguiu-se uma sessão de venda de merchandising e de autógrafos onde compareceu Masha. Sara e Astrid por lá passaram, mas não é certo que tenham tido paciência para ficar até ao fim.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cmargato@expresso.impresa.pt

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