Cultura

“O Filipe Duarte era um ator generoso, não precisava de abrir a boca para notarmos o seu carisma”. João Maia recorda o Ataíde de “Variações”

Filipe Duarte
Filipe Duarte

"É devastador". O realizador de "Variações" recorda o 'Pipo', como os colegas carinhosamente lhe chamavam, que morreu esta sexta-feira

João Maia, realizador e argumentista do filme "Variações", não teve grandes dúvidas quando chamou a si a tarefa de encontrar o ator perfeito para desempenhar o papel de Fernando Ataíde, dono da discoteca lisboeta Trumps e eterno amor de António Variações. Em declarações ao Expresso, o cineasta recorda os momentos que partilhou com Filipe Duarte, o seu Ataíde, que morreu na manhã desta sexta-feira, vitimado por um inesperado enfarte do miocárdio.

"O Pipo era um tipo de muito fácil trato, com muito bom gosto a representar... Foi um privilégio ter convivido e trabalhado com ele... É trágico", lamenta Maia, "sei que ele teve uma muito boa experiência no meu filme, tinha gostado de o fazer e da equipa. Queria fazer um almoço para todos para nos mostrar a casa que tinha feito há pouco tempo. É devastador. E era um tipo muito saudável, vegetariano, o tipo mais em forma do mundo". O ator era casado com a também atriz espanhola Nuria Mencía e pai de Antonia, de apenas nove anos.

Os caminhos de Maia e Duarte, que além de ator também fazia dobragens e locuções, cruzaram-se inicialmente "para aí há mais de 20 anos" num anúncio publicitário. "Fiquei logo muito impressionado com ele. Falei-lhe disso quando estávamos a fazer o 'Variações', mas ele não se lembrava, claro, fazia imensas locuções. Quando comecei a dirigir a locução dele, ele viu o anúncio, perguntou-me se podia fazer uma proposta e fez aquilo, à primeira, melhor do que eu imaginava. Era realmente muito bom ator, muito inteligente na forma de representar. Mas, pronto, na altura foi uma coisa de nada".

Filipe Duarte é Fernando Ataíde, amigo de Variações
João Pina

"Tinha pensado sempre que queria falar com ele sobre este projeto, para ele fazer de Fernando Ataíde. O Sérgio Praia [que interpreta António Variações] ficou muito entusiasmado, porque era fã do Filipe", recorda, "portanto, pedi ao diretor de casting para lhe enviar o guião e fomos almoçar. Falámos um bocado do filme e talvez até mais da vida comum. Ele era realmente um tipo fantástico, muito fácil, sem nenhumas peneiras. Toda a gente gostava do Pipo, essa é que é essa. No final, disse que lhe dava o filme. Ele nem estava à espera, pensava que era só uma conversa. Fiquei totalmente rendido, era a pessoa perfeita. Não precisava de abrir a boca para se notar o carisma dele. Tinha realmente qualquer coisa”.

Depois de dizer que sentiu que praticamente não tinha dirigido Duarte em Variações, porque "o que ele fez para o Ataíde foi quase exclusivamente uma proposta dele para o personagem e a relação entre eles os dois", Maia confessa que deu por si "quase a ver, no monitor, um filme que não tinha escrito, embora eles estivessem a dizer exatamente as palavras que eu lá tinha. Tive uma sensação estranha quase de estar distanciado, de estar a ver como espectador".

"A primeira cena que filmaram juntos foi a primeira cena que aparece no filme: eles os dois na discoteca. É claro que tínhamos um filme com poucos dias de rodagem, mas tentei mesmo ao máximo que a primeira cena do Pipo e do Sérgio fosse a primeira cena do guião e a última fosse a última cena do guião. Na última não consegui, porque tivemos de ir filmar para o Minho na última semana, mas a cena com que eles terminam o filme é a última cena que filmámos em Lisboa. Isso para mim era importante, para haver uma progressão na relação dos dois”.

O realizador elogia também a generosidade com que Fernando Duarte, "sendo um dos nossos atores com mais experiência em cinema", se entregou a um papel secundário. "Era o personagem que ligava tudo, do ponto de vista do espectador. Claro que o espectador se liga ao António Variações, mas ele não deixa de ser alguém meio distante, por causa da sua genialidade, e o Ataíde era a âncora. Ele colou aquilo tudo. Eu agradeço a todos os atores do filme, porque foram todos fantásticos, mas o papel do Filipe foi especial. Não há dúvida.Houve duas ou três coisas que ele fez durante a rodagem que eu digo que foram toques de génio. Ele tinha a sua personalidade, disse o que queria e tinha voz. Não era um fantoche, nem pouco mais ou menos ".

Nas redes sociais, foram já vários os colegas de Filipe Duarte a deixarem as suas mensagens de pesar. "Nem sei o que dizer, sinto-me triste, profundamente triste, em choque", escreve Sílvia Rizzo no Instagram, "a pessoa grande que és, o Ator maravilhoso que sempre foste! Obrigada, meu querido Pipo". Ricardo Carriço despede-se com um "até sempre Filipe Duarte", "abraço e força para toda a família, não sei o que dizer mais... Obrigado por tudo o que nos deste!".

"Quando achamos impossível levar a tristeza a um degrau mais alto, cai mais uma bomba. O nosso Pipo foi embora. O Pipo!!!! O meu colega mais delicado, mais cuidadoso, talentoso, e com quem discuti há poucas semanas sobre o projecto que iríamos ensaiar em novembro", escreveu Dalila Carmo, "esse projecto sobre o tempo dos atores. O nosso tempo. Essa mise en abyme sem limites. É tão gritantemente estúpido isto tudo. E o Pipo, pessoa e ator, fará parte de mim e de todos os que nutriam por ele a mesma amizade e respeito. E de todos os que admiravam o seu trabalho. Dor sem limites".

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: MRVieira@blitz.impresa.pt

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