Em “Emboscada Final” (“The Highwaymen”, no original) interpreta Frank Hamer, conhecido na cultura popular por ter abatido Bonnie Parker e Clyde Barrow. O que é que lhe interessou no papel?
Eu li-o dez anos antes. Foi-me oferecido nessa altura, achei que era um bom papel, mas não para mim. E agora voou de volta para a minha vida. Encontrei-lhe um novo sentido.
Era demasiado novo para interpretar Hamer há dez anos?
Eu achei isso. Ainda acho [risos]! Agora, a sério, assustava-me a ideia de ter de engordar um bocado, a aparência não era uma coisa importante para aqueles tipos na década de 30. Também me assustava enfrentar um período da vida em que já não consigo saltar uma vedação durante uma corrida, como às tantas vemos no filme. A roupa da personagem, aqueles fatos, aquele chapéu... demorei tempo a habituar-me a isso. O glamour está todo do lado de Bonnie e Clyde, não do lado de Frank. Ele é apenas o tipo que vai andar a persegui-los de carro ao longo de 104 dias. No calor do Texas. Em carros sem ar condicionado. Em estradas de terra batida e sem restaurantes de fast food, porque estamos nos anos 30. Pensei: wow, este é o filme que me convém agora.
Quase no termo de “Emboscada Final”, há um momento em que Frank fala da sua juventude e pelo qual percebemos porque é que ele se tornou a pessoa que é. Houve um momento assim na sua vida?
Tive alguns assim, mas o mais importante foi o que me aconteceu no dia em que decidi que queria ser ator. Foi um momento crítico, não um daqueles em que ficamos entre a vida e a morte, mas quase. Quer dizer: há aquela altura da vida em que andamos todos a tentar perceber o que é que vamos fazer com ela. O pai está ansioso, a mãe apreensiva e está a chegar o momento de tomar uma decisão. Ora, eu sempre soube que gostava de contar histórias. A minha família vem do Oklahoma. Eles perderam tudo o que tinham na Dust Bowl [as tempestades de areia que devastaram as Planícies Altas dos EUA nos anos 30]. Aqueles campos de migrantes que vemos em “Emboscada Final” foram uma realidade que a minha família enfrentou, tiveram de se instalar na Califórnia.
Por falta de trabalho?
Não havia trabalho nem dinheiro. O meu avô contava que às 11 horas de um certo dia pôs o dinheiro que tinha no banco porque conhecia o banqueiro. Mas este enganou-o. Uma hora depois, o banco fechou e não voltou a abrir. Foram-se 12 mil dólares. Era uma data de dinheiro naquela época, eles nunca mais recuperaram. O filme “As Vinhas da Ira” [de John Ford] é a história da minha família.
Mas voltemos ao contador de histórias...
Pois é, só que eu parecia estar destinado para outra coisa, para ser operário. Trabalhei na pesca, fiz coisas desse género. Depois ouvi o tiquetaque do meu próprio coração. Decidi que já não daria ouvidos às pessoas que mais adoro no mundo e que seguiria o meu caminho. E que, se fosse preciso, queimaria os meus próprios barcos, como o capitão Hernán Cortés.
Acha que Eliot Ness [o agente do Tesouro que fez cumprir a Lei Seca em Chicago e que Costner interpreta em “Os Intocáveis”] e Frank Hamer têm alguma coisa em comum?
Eles têm definitivamente um ponto em comum: são ambos muito teimosos naquilo em que acreditam. Não gostavam de modas. Eram homens simples. Tinham as suas vidas, mulheres e filhos, e gostavam de correr riscos. Serviram a lei, mas não eram necessariamente íntegros a nível moral. Frank Hamer enquanto assassino contratado matou muito mais gente do que Bonnie e Clyde.
A experiência acumulada é importante no trabalho de um ator?
É uma pergunta interessante. Tudo o que de bom me aconteceu na profissão veio sempre da minha crença em cada história, mais do que no seu resultado. Ponho-me sempre no lugar da audiência quando decido fazer alguma coisa, isto é: pergunto-me sempre se gostaria de partilhar o filme que estou a fazer com alguém. Como uma canção de que se gosta. Acho que quando uma pessoa vai ao cinema gosta de sentir que valeu a pena o dinheiro que gastou para ali estar. Não devemos por isso dar-lhe o mesmo prato requentado, uma e outra vez.
Como nas sequelas...
Eu gosto de sequelas, mas com a condição de serem tão boas como o original. E isso é raro. Confio na audiência. E confio a um tal ponto que não vou retirar uma cena qualquer mais violenta se alguém me murmura ao ouvido que aquilo é um bocado duro.
Qual é a sua opinião sobre as mudanças que estão a acontecer hoje no cinema? Estamos aqui numa roda de imprensa em Madrid promovida pela Netflix, uma plataforma de streaming. Em termos de produção, você passou por fracassos históricos, como o de “Waterworld”, e aprendeu seguramente muito sobre o assunto.
O cinema sempre mudou constantemente, do fim dos estúdios clássicos chegámos aos anos 80 das videocassetes, depois passámos pelos DVD, agora estamos nas plataformas da internet. O que eu lhe posso dizer é que, sem a Netflix, este filme não teria sido feito. É um bocadinho old fashioned. Não interessa aos estúdios de hoje. Não o veremos no grande ecrã, mas esse é outro assunto. E eu acho que vamos acabar por nos habituar a isso.
Gostou de “Bonnie e Clyde”, o filme de Arthur Penn [1967] que fixou aquela história no cinema?
Eu vi-o quando se estreou, era um miúdo, claro que me deixei levar por aquela imagem de glamour do par de criminosos e que dura até hoje. A história interessava-me porque se passava nos anos 30 e estava ligada à minha família. Agora, “Bonnie e Clyde” não deixa de ser um filme sensacionalista que deturpou a realidade histórica e chutou o papel de Frank Hamer para um canto. Isso é normal porque houve um contexto político de crise naquele tempo, para muita gente havia um heroísmo qualquer em Bonnie e Clyde. Passou-se o mesmo com Pablo Escobar, por exemplo. “Emboscada Final” é o primeiro filme em que a história de Bonnie e Clyde é narrada pelos olhos de quem os perseguiu.
Neste filme de John Lee Hancock, contracena com Woody Harrelson, o outro ranger [Maney Gault] que faz equipa com Hamer. Eles têm uma relação de professor-aprendiz?
Nada disso. Sobre esse ponto, o melhor é irmos ao que a história nos ensinou e a verdade é esta: eles eram amigos. Serviram ambos o país e estavam na reforma quando entraram na missão. Frank Hamer está prestes a fazer alguma coisa de realmente perigoso e ele leva Maney com ele. Sabe a que ponto ele é capaz de aguentar a pressão. Os rangersforam soldados espartanos, capazes de coisas terríveis. Não os podemos medir pela sua aparência. São o que são e não têm medo de nada.
Falou com o Woody sobre o pai dele, Charles Harrelson, que foi, de facto, um assassino a soldo ligado ao crime organizado? O Abel Ferrara defende há anos a teoria de que Charles Harrelson abateu J. F. Kennedy...
Conheço essa história, isso foi discutido, e investiguei muito o assassínio de J.F.K., ainda antes de ter entrado no filme [de Oliver Stone], mas não, nunca falaria ao Woody de tal assunto. Aliás, muita gente dissipou por completo essa conexão.
É pessoa de olhar para o passado? O que acha hoje de um filme como “Danças com Lobos”, por exemplo?
Não olho para o meu passado, a menos que alguém mo traga para cima da mesa. “Danças com Lobos” foi um momento maravilhoso da minha vida e da minha carreira, a minha primeira realização e um filme em que arrisquei tudo. Investi o meu próprio dinheiro. As pessoas começaram a chamar-lhe “Kevin’s Gate” [numa referência satírica a “Heaven’s Gate”, de Michael Cimino]. Achavam que o projeto era megalómano e que eu estava destinado a falhar. Três célebres realizadores recusaram-se a fazê-lo. E foi aí que eu me disse: posso estampar-me a sério, mas vou realizá-lo tal como o imaginei, sem ceder. “Danças com Lobos” só foi possível graças ao investimento europeu que teve. Ninguém queria investir nele nos EUA. Mas eu sempre acreditei, talvez ingenuamente, que a audiência não me iria abandonar. Foi um filme de fé. E um enorme êxito.
O Expresso viajou a convite da Netflix