50 Anos, 50 Restaurantes

2000: o ano em que Bill Clinton provou peixe ao sal no Porto Santa Maria

O Peixe ao sal que surpreendeu Bill Clinton
O Peixe ao sal que surpreendeu Bill Clinton

31 de maio de 2000. O presidente norte-americano, Bill Clinton, termina a visita a Portugal com um jantar no Porto Santa Maria, em Cascais. Montou-se uma grande operação, os funcionários foram identificados e um agente dos serviços secretos não arredou pé da cozinha até ao fim da confeção. As visitas de famosos a este restaurante do Guincho, que começou como uma cabana de pescadores, são frequentes e cheias de curiosidades: O treinador do Benfica, Roger Schmidt, almoçou aqui com Rui Costa e Jorge Mendes antes de ser apresentado. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, fazemos uma viagem no tempo, com o apoio do Recheio, para relembrar 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal

A poucos meses de deixar a presidência dos Estados Unidos da América, Bill Clinton fez um périplo europeu com início em Lisboa. Nos dias 30 e 31 de maio de 2000 instalou-se uma gigantesca comitiva em cinco hotéis da capital. Todos os 263 quartos do hotel Dom Pedro, nas Amoreiras, foram ocupados pelo staff e Clinton dormiu na suíte presidencial. Segundo reportou o Expresso à data, “ninguém da comitiva lavou os dentes com água da torneira, tendo sido solicitada água mineral para esse efeito”, um detalhe que ilustra o cuidado com que se preparou a viagem.

O primeiro dia dedicou-se às relações bilaterais com Portugal. Bill Clinton é recebido na Torre de Belém pelo então presidente da República, Jorge Sampaio, visita o Mosteiro dos Jerónimos, encontra-se com Sampaio no Palácio de Belém e com o primeiro-ministro António Guterres no Palácio de São Bento. Esteve no Pavilhão do Conhecimento, no Parque das Nações, e manifestou a vontade de estabelecer uma parceria científica entre EUA e Portugal para a erradicação da malária. Assinaram-se acordos para erradicar o paludismo em São Tomé e Príncipe, e também ao nível das transferências de deportados, da liberalização do espaço aéreo e debateu-se a base das Lajes. Durante um banquete, ao serão, ouviu Mafalda Arnauth cantar fado e Sampaio defender a abolição universal da pena de morte. Após a cimeira EU/EUA, com as disputas comerciais em cima da mesa, Clinton reserva a tarde de dia 31 para um passeio privado.

O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, com funcionários do restaurante

Jantar especial no Guincho

Seguindo a sugestão da mulher, Hillary Clinton, que já conhecia o espaço, o presidente norte-americano jantou no Porto Santa Maria, icónico restaurante do Guincho, em Cascais. Os funcionários foram identificados dias antes e receberam um cartão emitido pela embaixada. “Só podiam entrar no restaurante com aquele cartão. Como não o tinha feito, um deles ficou à porta, não o deixaram entrar”, conta o proprietário do Porto Santa Maria, Saul Saragga. Polícias eram às dezenas, “um agente do FBI não saiu da cozinha até a comida estar pronta” e o trajeto dos pratos até à sala foi controlado. O presidente “só bebeu Coca-Cola e água trazida pela segurança”. Com 38 anos de casa, o funcionário Luís Martinho lembra-se do alvoroço: “A segurança era enorme, o senhor não imagina o aparato de carros lá fora. Além da mesa principal, havia uma de 20 lugares e outra de 30, de seguranças e staff, mais o que ficou lá fora...”. O envolvimento só foi superado pelo da visita de José María Aznar. Era um período complicado devido aos atentados da ETA, e ficou “tudo cercado” à volta do restaurante.

O Peixe ao sal que surpreendeu Bill Clinton

Curiosamente, quando o Bill Clinton chegou com a embaixadora americana, já Guterres jantava. Dão-se cumprimentos e quando o presidente norte-americano se dirige para a mesa, onde se sentaram 12 pessoas, um funcionário ouve a embaixadora segredar-lhe, a propósito do atual Secretário-Geral das Nações Unidas: “One day you will hear about his guy”. Também a conselho de Hillary, o presidente satisfez a curiosidade e pediu Peixe ao sal como prato principal. “Nem acreditava como se fazia um peixe ao sal, quis ver como era feito, foi engraçado”, comenta Saul Saragga - na altura, o gerente ainda era José Galveia. Clinton “gostou muito” e ainda pousou para a fotografia com o staff do restaurante.

Restaurante Porto Santa Maria, no Guicnho

Merkel, Brad Pitt e Mick Jagger

Bill Clinton foi apenas uma das inúmeras figuras conhecidas a fazerem história neste restaurante. Numa das vindas a Portugal, a ex-chanceler alemã, Angela Merkel jantou no Porto Santa Maria. Confidenciou que um amigo em Berlim lhe falara do restaurante e ficou curiosa. Comeram várias entradas de marisco, seguidas de um robalo escalado. No final, “levantou-se e foi à caixa pagar com o cartão pessoal, para não haver dúvidas de que o jantar não ia para o erário público alemão”, refere Saul Saragga. Ao nível interno, Marcelo é frequentador, como António Costa e, noutros tempos, Mário Soares e Jorge Sampaio, que “era muito acessível e falava muito” com o staff, garante Luís Martinho. Alguns prazeres de Francisco Pinto Balsemão são lagosta pequena, uma fatia de queijinho da serra que “dura até ao café” e torta de laranja.

Porto Santa Maria em foto de arquivo

Do cinema e da música chegam imensas personalidades. Quando bebe café, Robert de Niro gosta de juntar café moído e “o grão do mesmo”. Morgan Freeman jantou a convite de Paulo Branco, por altura do festival de cinema do Estoril, e consta que ficou fã do vinho tinto Mouchão. Já Brad Pitt e Jennifer Aniston “vieram em lua de mel” a Portugal e, antes do jantar no Porto Santa Maria, comeram um gelado e visitaram os viveiros de mariscos. “Ficaram encantados com a possibilidade de pegarem com as próprias mãos nas sapateiras e santolas, pois nunca o tinham feito. Jantaram lagostins grelhados e robalo ao sal, e foram generosos com o staff”, note-se. Mick Jagger também “adorou” esta casa. O vocalista dos Rolling Stones “almoçou com o seu médico particular e um segurança”. Comeram amêijoas à Bulhão Pato e lagosta grelhada. “A única particularidade que notei é que esteve hora e meia no wc. Como era estranho, dirigi-me à mesa dos amigos, preocupado, mas a resposta foi simples - don't worry, he's fine”, recorda outro testemunho. Fica a imaginação...

Saul Saragga, proprietário do restaurante Porto Santa Maria

O empresário de futebol Jorge Mendes vem regularmente “tratar de negócios”. Antes de se sentar, “escolhe o menu para todos e nunca larga os três telefones”: “É uma pessoa muito ocupada e prática, está sempre a trabalhar e é muito organizado nas horas”. Recentemente veio almoçar com Rui Costa, um administrador do Benfica e o novo treinador, Roger Schmidt. “Vieram comemorar a contratação ao almoço e à noite foi apresentado”, revela o proprietário. O mundo desportivo é fértil em comensais fiéis. Cristiano Ronaldo costuma aparecer, tal como o ex-automobilista Nelson Piquet, que “leva sempre garrafas de vinho do Porto para o Brasil”. Valentino Rossi e a sua equipa (entre outras) faziam do Porto Santa Maria uma cantina aquando do Grande Prémio de motociclismo no Estoril. No dia da prova, o restaurante “tornava-se italiano ao jantar e festejavam como se estivessem em casa”. O mesmo sucedia com as equipas da Fórmula 1.

Montra de produtos

História, praia e produtos frescos

O posicionamento do Porto Santa Maria na galeria de notáveis não aconteceu de um dia para o outro. A sociedade que o explora constituiu-se em 1947 e terá sido um casal oriundo de Puerto de Santa Maria, na Andaluzia, a abrir uma barraca de praia junto à Estrada do Guincho, na orla costeira. No início, teria “50 ou 60 lugares, uma grelha e trabalhava com produto fresco, que sempre foi uma marca”. Em 1974, um grupo de empresários de Cascais investe no restaurante, convida José Galveia para o gerir e dá um “grande impulso” à casa. Em 1980 fez-se uma primeira obra e, no final da década de 80, a grande obra que resultou num aumento da área. Surgiu neste período a garrafeira e abandonaram-se os viveiros de mar, ao nível dos mariscos, passando a funcionar apenas os do restaurante, já com filtros de água. A conquista da estrela Michelin em 1984 (mantida durante 25 anos) foi um marco importante e gerou “grande projeção e crescimento”.

Porto Santa Maria
jorge Simão

Saul Saragga compra a posição de José Galveia e de quase todos os sócios em 2010, e o novo proprietário quis apenas dar continuidade ao projeto de sucesso, preservando o essencial. Começa só em 2017 a planear uma obra “de trás para a frente”, melhorando as condições para os funcionários (balneários, sala de refeições, entre outros). Depois, mudaram-se os equipamentos da cozinha e em 2019 renovou-se a sala. Reabriu antes do Natal, com o pavimento em pedra, balcão central e novo mobiliário, feito à medida. Saltam à vista as madeiras, o vidro, o canavial e as cores e imagens da serra e das dunas. De tons claros e ambiente sofisticado, convida a refeições longas e contemplativas, depois da escolha entre os peixes e mariscos em exposição. Isto porque “a verdadeira decoração é o que está lá fora”, a natureza e o mar. Sempre que possível, há funcionários que vão mais longe e dão um mergulho salgado para renovar energias entre turnos.

Porto Santa Maria

Manuel Frederico e José Baltazar são os responsáveis pela comida bem apresentada e tradicional do Porto Santa Maria. Centra-se, claro, nos peixes de mar e bom marisco nas devidas épocas. O serviço é simpático e muitos empratamentos acontecem à frente do cliente. É o caso do Robalo ao sal, um prato que “mostra a essência” desta casa: “Escolher um produto de muita qualidade, mas não tentar transformá-lo, servi-lo como ele é”. Se pretender algum show, pode vir em chamas para a mesa. Por norma, serve com batata à murro e misto de legumes. Um dos destaques são os Lagostins (€220/kg), marisco de eleição e que, para Saul Saragga, “melhora com o tamanho”. Igualmente saborosa é a Santola (€44/kg), e pode confiar no empenho da equipa para a descascar. Prove com saladas, arroz de alho ou até batatas. Realce ainda para os Carabineiros (€129/kg), a Lagosta (€124/kg), a Mariscada para duas pessoas (€96) e a Açorda de lavagante (€28).

Arroz de robalo com carabineiro

As Amêijoas (€19) do Algarve são “muito boas” e selecionadas pelo calibre generoso. Outro dos clássicos do restaurante Porto Santa Maria (Estrada do Guincho, Cascais, Tel. 214879450) é o Peixe ao pão. A massa de pão é feita no restaurante e esticada até ficar bem fina, enrolando depois o peixe, que aqui é escamado à priori, ao contrário do peixe ao sal. Os peixes de mar podem também ser cozidos a vapor ou na grelha, acompanhando com batatas e legumes salteados. Não deixe de provar uma excelente novidade, o Arroz de robalo com carabineiro. Nas sobremesas, considere os tradicionais Quindim de coco, Toucinho do céu ou um Misto de doces, prolongando o prazer.

Foto de arquivo do restaurante Porto Santa Maria
Filipe Pombo/AFFP

Para comemorar os 50 anos do Expresso e do Recheio, fazemos uma viagem no tempo para relembrar restaurantes que marcaram as últimas cinco décadas. Acompanhe, todas as semanas, no Boa Cama Boa Mesa.

Recorde os primeiros restaurantes desta iniciativa:

1972: O restaurante bar de Lisboa que se transformou na segunda casa do Expresso

1973: O tributo a Eusébio e uma mesa para a eternidade

1974: O Pote que ajudou a cozinhar a Revolução dos Cravos

50 ANOS RECHEIO

2000: LANÇADA PLATAFORMA FOOD SERVICE

Na viragem do milénio, o Recheio lançou uma plataforma de Food Service no Porto. Focada no canal Horeca, a ideia foi sempre ir ao encontro das necessidades dos clientes, fazendo entregas “com máxima eficiência, em horários adaptados ao negócio”, e o acompanhamento "contínuo e especializado” da equipa de vendas. Hoje, o food service do Recheio MasterChef opera em três centros de distribuição: Lisboa, Porto e Tavira. Dezenas de viaturas asseguram anualmente entregas de frescos de qualidade, marcas próprias, marcas exclusivas e soluções prontas “em mais de 6000 pontos distintos”.

A marca Recheio surgiu no mercado em 1972. 50 anos depois, dispõe de 40 lojas e três plataformas distribuídas por todo o território nacional, mantendo como grande objetivo ir ao encontro das necessidades dos clientes ao apresentar desde os ingredientes às soluções, assumindo claramente um compromisso de estar ao lado dos empresários do canal HoReCa e retalho tradicional, contribuindo para o desenvolvimento do negócio, como um parceiro.

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