1994: A tertúlia final à mesa de Lisboa, Capital Europeia da Cultura
Café junto à estátua de Fernando Pessoa
Centro de reunião, desde a fundação, de pensadores, artistas e escritores, com destaque para Fernando Pessoa e Almada Negreiros, a 17 de dezembro, A Brasileira do Chiado, foi o palco escolhido para a reunião de intelectuais que assinalou o encerramento da Lisboa 94, Capital Europeia da Cultura. Foi a partir deste local, fundado por Adriano Telles em 1905, que a arte da conversa se popularizou em Lisboa, de preferência saboreando uma bica de feição ou um bife com molho de café. Todas as semanas, para comemorar os 50 anos do Expresso, fazemos uma viagem no tempo, com apoio do Recheio, para relembrar 50 restaurantes que marcaram as últimas décadas em Portugal.
Em 1994, os olhares do meio artístico estavam postos na capital portuguesa. Largas centenas de iniciativas culturais e projetos que animaram a “Lisboa 94, Cidade Europeia da Cultura”, evento mobilizador, que se centrou na tradição, mas também nos sinais de modernidade de uma urbe em evolução. O encerramento deste vasta e impactante programa aconteceu a 17 de dezembro, com os intelectuais e representantes dos movimentos de Lisboa reunidos na esplanada d'A Brasileira do Chiado. Ernesto Miguel Silva, funcionário deste icónico café, lembra-se de como a esplanada se “encheu de intelectuais e pessoas das mais diversas artes e correntes estético-filosóficas”, a debater. Produziram-se postais com imagens dos quadros de primeira geração d'A Brasileira e, à noite, “já não se conseguia ver uma pedra da calçada”. “As pessoas olhavam todas para os sinos das igrejas, iluminados com focos e todos a tocarem ao mesmo tempo, e era um mar de gente como eu nunca vi nesta rua. Já vi muita coisa aqui, como aquilo nunca vi!”, realça.
Percorra a fotogaleria para conhecer a história d'A Brasileira, no Chiado:
Esplanada d'A Brasileira, na Rua Garrett, no Chiado
Francisco Rivotti
Esplanada d'A Brasileira, na Rua Garrett, no Chiado
Francisco Rivotti
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No dia do encerramento, o comissário da iniciativa, Vítor Constâncio fazia um balanço positivo, dizendo que o Lisboa 94 “não representou um mero ato de consumo cultural, expresso num grande festival de artes”, foi também feito “um investimento no futuro da cultura e dos seus criadores, deixando como herança novas obras, novos públicos e renovados equipamentos culturais", citava a Lusa. A reabilitação do Museu de Arte Contemporânea e modernização do Coliseu de Lisboa seriam os principais eixos. Para o então presidente da Câmara Municipal, Jorge Sampaio, a aposta “foi ganha e a aventura valeu a pena” e, como apontou Santana Lopes, então secretário de Estado da Cultura, houve “temporadas reforçadas, várias orquestras a virem tocar, convidados estrangeiros, e exposições com peças de arte que vieram de fora", continua a Lusa. Para João Soares, que sucedeu a Sampaio na presidência da autarquia, Lisboa 94 ficou, todavia, “muito aquém daquilo que teria sido possível". Fechar a iniciativa “Lisboa 94, Cidade Europeia da Cultura”, neste café do Chiado foi simbolicamente relevante já que, nota Miguel Silva, “é o local onde praticamente nasceram as tertúlias no país”.
Fernando Pessoa
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Tertulianos resistentes
António Carmo foi bailarino e tinha 10 anos quando a tia o começou a deixar n’ A Brasileira, que nessa época ainda funcionava com porteiro. “Tinha de vir arranjadinho senão não entrava”, como sucedeu a Gago Coutinho, quando se recusou a tirar o chapéu. Esta casa preparou António para ser um homem da cultura. Aqui via gente do bailado, da música, artes plásticas, teatro e cinema, e nesta casa manteve a tradição da tertúlia, ao lado de Teresa Magalhães, Virgílio Domingues e Carlos Alfredo. Encontramos este grupo de tertulianos na esplanada cumprindo um ritual desde os anos 60: o cafezinho e dois dedos de conversa a meio da manhã. Antigamente, fazia-se “uma sequência de cafés” na zona, refere Carlos. “É uma necessidade de não estarmos sempre no nosso ambiente, de vir para o exterior, para este local bonito e simpático”, explica Teresa. Virgílio acrescenta que era também um “ambiente ótimo para falar mal das outras pessoas (risos)”: “Dizíamos verdades duras e conheci gente muito simpática e de grande valor, então no plano das artes... Era um convívio muito saudável”.
A estátua de Fernando Pessoa virada para Lisboa
Francisco Rivotti
“Infelizmente, a malta já não convive quase nada ou está metido em bares, nós continuamos a frequentar isto, com saudades do tempo em que os cafés eram o ponto de referência. Discutíamos assuntos do nosso dia-a-dia, a atualidade e as artes. É o que sinto falta hoje, sentimos esse vazio”, conta António Carmo. Recorda as tardes a aprender coisas com Jorge Barradas, do “interessante” realizador Artur Duarte, Abel Manta, Vasco Lima Couto, Almada Negreiros – a quem o mítico funcionário Manuel Maria, com a alcunha de “João Franco”, foi servir um café a Madrid -, da “extraordinária e descontraída Beatriz Costa, a engraxar sapatos de perna aberta e a mandar umas bocas”, de Manuel Costa Reis, Fernando Dacosta e de Vera Lagoa, que se meteu em apuros devido a uma “crítica ácida” à participação de Brigitte de Saint John, que era um homem, numa peça de revista: “Tratou mal um travesti do Parque Mayer e esse indivíduo, assim que a Vera Lagoa entrou, foi ter com ela e deu-lhe uma tareia”. Deste universo faziam parte também figuras cómicas como “o Dr. Maurício, o porteiro e o sacristão da PIDE”, que António encontrou uma manhã. “O porteiro a bater a continência, o Maurício a cantar o hino nacional e o sacristão em sentido (risos)”.
Adriano Telles, fundador d'A Brasileira
A Brasileira ganhou identidade com o pessoal do espetáculo, dos teatros, cinema, ópera, revista e do jornalismo, um “imenso aglomerado de cavaqueadores”, aponta Mário Costa em “O Chiado Pitoresco e Elegante”. Gualdino Gomes vestia fato escuro e tinha “chapelinho redondo achatado na copa, camisa impecavelmente branca, barbicha mefistofélica, monóculo com fita preta pendente, bengalinha em riste, bota de pelica sempre engraxada” e seria um “dissipador de palavras, piadista anedótico de grande classe”, lê-se na obra. A partir d'A Brasileira, congeminou-se a independência do bairro do Chiado, fazendo de Gualdino chefe de Estado, e deste café a Câmara dos Deputados, ou dos “palradores”...
Fachada antiga
PT-AMLSB-CMLSBAH-PCSP-004-NEG-002857
Geração de Orpheu
A Brasileira posicionava-se entre a “academia e a assembleia popular”. “Nela cabem todos os talentos, ideais, fações castas e tendências”. Dos advogados aos empregados de escritório e à geração de Orpheu, alimentada por nomes como Almada Negreiros, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro ou Luís Montalvor, e que “teve o seu ponto nevrálgico na Brasileira”. Dessas reuniões resultou a revista literária Orpheu, em 1915, de pendor futurista e modernista. A sua linguagem arrojada e vanguardista “foi muito mal recebida pelos conservadores”, comenta Sónia Felgueiras, do grupo O Valor do Tempo, atual proprietário da Brasileira do Chiado. “Somos o assunto do dia”, escrevia Pessoa na Brasileira quando saiu o primeiro número. O escritor “gostava de acompanhar os seus poemas com a inspiração de um copo de vinho, ou whisky, ou um porto e aguardente, mas n'A Brasileira a predileta era a ginjinha”, lê-se na ementa da casa. Diz-se que “trazia sempre uma garrafinha preta” na pasta de cabedal, mas não perdia a compostura.
Os óculos de Fernando Pessoa e uma edição da "Mensagem" em exposição
Foi também aqui que Almada Negreiros proferiu, pela primeira vez, o Manifesto Anti-Dantas, “desafiando o escritor que dominava a literatura conservadora da época em Portugal, Júlio Dantas”. Outras figuras relevantes eram José Pacheco e Santa Rita Pintor que, certa vez, após uma série de acusações políticas, é avisado que “três caceteiros o aguardavam à porta para o sovar rijamente”. Bem humorado, diz-lhes que Santa-Rita Pintor “não existe” - “Existem, sim, o sobretudo, o casaco, o colete, a camisa, as camisolas de Santa Rita... Mas o Santa-Rita, propriamente dito, não existe...”, descreve a obra de Mário Costa.
Exemplo do desconforto criado por esta geração foram as pinturas modernistas de artistas como Eduardo Viana, Almada Negreiros, Jorge Barradas, José Pacheko e Stuart Carvalhais. Foram expostas no café em 1925 e causaram, pela ousadia, “viva celeuma nos meios académicos”, escrevia o Diário Popular. Columbano Bordalo Pinheiro, por exemplo, “não gostava das pinturas modernistas e Adriano Telles disponibilizou as paredes da Brasileira para as acolher”, refere Sónia Felgueiras, que recupera algumas referências menos abonatórias da imprensa: criticavam as “telas tolas do Telles” e ironizavam com o slogan, referindo que “O Melhor Café é o da Brasileira, e os piores painéis também...”. O ator Vasco Santana, por sua vez, era adorado. Sentava-se à mesa e “distribuía autógrafos por toda a gente”, criando “bastante empatia” em seu redor, conta Miguel Silva, apoiando-se nos relatos da sua mãe, que aqui trabalhou 57 anos.
A entrada
A visão do fundador
Natural de Alvarenga, em Arouca, Adriano Telles foi o fundador d'A Brasileira do Chiado. Emigrou aos 12 anos para o Brasil, casou com a filha de um fazendeiro produtor de café, em Minas Gerais, e, devido à saúde da mulher, regressa com a família a Portugal em 1898, já com experiência no negócio do café. Inicia a venda do café brasileiro em Alvarenga, servindo-o coado a amigos, em casa, explicando os benefícios da bebida e como a deviam saborear, para contrariar a ideia de amargor. A sua mulher morreu em 1901 e Adriano vai para o Porto acompanhar os estudos dos filhos. Em 1903, abriu A Brazileira do Porto com um sócio, e a 19 de novembro de 1905 abre com familiares em Lisboa, numa antiga camisaria, A Brazileira do Chiado. O livro “A Brasileira do Chiado - 100 anos”, de 2006, recupera um relato do Diário de Notícias sobre a inauguração, referindo que o estabelecimento estava “luxuosamente montado”, sendo toda a mobília em estilo Henrique II, “composta de dois grandes aparadores etageres em nogueira da América”, e ainda um “comptoir”, até ao qual seguiam dois balcões paralelos às paredes, formando um “lindíssimo” corredor. Havia duas máquinas de preparar o café, um lustre de metal e a casa era “forrada de papel em veludo verde”.
Uma bica e um pastel de nata
FRANCISCO RIVOTTI
Desde cedo que o visionário Adriano aposta no marketing. Traz do Porto a publicação “A Brazileira”, um jornal de propaganda que informava sobre os locais de venda do seu café do Brasil torrado, modo de preparação, sem esquecer adivinhas e recomendações para as donas de casa. “Era uma publicação arrojada para a época, um rasgo de inovação e criatividade”, considera Sónia Felgueiras. Mas não se ficava por aí, investia em cartazes publicitários onde já se via o desenho do “velhote” símbolo d' A Brasileira e distribuía folhetos ensinando as pessoas a preparar o café em casa, para retirarem dele todo o potencial. Durante alguns anos, serviu gratuitamente chávenas a quem comprasse café a peso e dos outros produtos que trazia do Brasil, como goiabada, açúcar, tapioca e especiarias. Mostrava a qualidade do produto e criava um hábito de consumo. E a moda pegou... Os compradores assíduos recebiam senhas para um sorteio no fim do ano. Em Lisboa alguém ganhou uma baixela de prata e, no Porto, uma insólita junta de bois! “Mais uma vez se demonstra o seu espírito visionário, de criar relações e dar a conhecer a sua marca, que se relacionava com as pessoas de forma diferente”, salienta Sónia Felgueiras.
Slogan e o simpático velhote, símbolos d' A Brasileira
FRANCISCO RIVOTTI
Mudanças e resistência política
Após obras de restauro e ampliação, e adaptação da parte baixa do edifício a uma sala de café, em novembro de 1908 surge “um elegante e luxuoso salão, artística e ricamente ornamentado e com novo mobiliário de carvalho do norte, em puro estilo Renascença, talha avivada com leves toques dourados” e, nas paredes, “espelhos e cinco quadros pintados sobre tela”, descrevia “O Chiado Pitoresco e Elegante”. Esses painéis foram apelidados de “pelintras”. A Brasileira passa a vender café à chávena e o aumento de preços provocado pela Primeira Grande Guerra gera protestos: “No dia 8 [quando aumentariam os preços] ninguém comparece. Quem entrar é amarelo. É um traidor à sagrada camaradagem da xícara”, incitava uma publicação no Diário de Lisboa. Na década de 20 é remodelada a fachada pela mão de Norte Júnior, famoso pelos trabalhos em Arte Nova e “muito dado ao detalhe”, e instalam-se as obras modernistas (1925).
Icónico relógio a funcionar desde 1925
Nas décadas de 50 e 60, terminada a Segunda Guerra Mundial, os preços voltam a subir muito, a par das dificuldades para manter o negócio. O café esteve para fechar várias vezes. Nesta época, A Brasileira já estava na posse dos herdeiros de Adriano Telles. Os quadros modernistas, já deteriorados, mantêm-se nas paredes até 1971, tendo sido vendidos por falta de dinheiro para o respetivo restauro. Hoje em dia, preenche as paredes uma segunda geração de telas, representativas de “várias correntes do panorama artístico lisboeta atual”, assinadas, entre outros, por João Hogan, João Vieira e Eduardo Nery, lê-se em “A Brasileira do Chiado – 100 Anos”. Tal como sucedera com a queda da Monarquia, antecedida pelas reuniões da Carbonária (embora também houvesse encontros de integralistas e até cenas de pancadaria), a Brasileira é palco de reuniões de resistência política antes da Revolução de Abril, em 1974. Era costume a PIDE vigiar o local mas, “por algum motivo, não prendiam ninguém dentro da Brasileira, ficavam à espera deles e prenderam algumas pessoas à saída”, conta Sónia Felgueiras. Era considerado um local “neutro”.
Café d'A Brasileira
Francisco Rivotti
O café “da bica”
Em 1976, Jaime Soares da Silva, também de Alvarenga e com percurso ligado à exploração do volfrâmio e ao negócio do café em Angola, adquire uma quota de 25% na sociedade proprietária d' A Brasileira. As escadas de acesso à cave vêm para a frente do café e o balcão passa do fundo para a lateral direita. Devido aos contactos de Jaime Silva em África, o café passa a vir do Zaire – mais tarde já vinha de vários pontos do globo, com torrefação própria desde 1906 -, e responsável vai adquirindo as quotas dos outros sócios até se tornar no único sócio. “Conseguiu com pouco fazer muito, porque tinha uma cabeça como ninguém. Era uma coisa fora de série”, reconhece a sobrinha de Jaime, Sandra Silva, que o Boa Cama Boa Mesa encontrou a trabalhar num novo alojamento de Alvarenga, a Casa de Noronha Lima. Ainda seriam feitas obras de melhoria no café em 1993, ano em que passou a ser possível beber uma “bica” na esplanada. O termo “bica” para designar a chávena de café nasce neste local. Segundo uma das versões, era a abreviatura do incentivo “Beba Isto Com Açúcar”, mas a explicação considerada mais credível tem a ver com uma queixa de o café perder propriedades e sabor na transição da máquina para a cafeteira, antes de ser servido. A certa altura, Adriano Telles terá dito a um empregado para trazer o café “da bica”, ou seja, diretamente da torneira para a chávena.
Esplanada d'A Brasileira, no Chiado, em Lisboa
Francisco Rivotti
A Brasileira em 2022
Após a morte de Jaime Silva, em 2001, A Brasileira passou para os herdeiros. Em 2020, foi comprada pelo grupo O Valor do Tempo, que integra 45 espaços e 15 marcas de diferentes segmentos no portefólio, em todo o país. “O que as une é que todas partilham a história de Portugal. Gostamos de trabalhar marcas com história. Não queremos vender produtos, mas experiências. Não fizemos nenhuma alteração no interior da Brasileira, porque não podíamos mas também porque não queríamos. A não ser uma limpeza profunda e polimento do latão, mas mantendo todos os elementos históricos”, explica Sónia Felgueiras. Um dos novos projetos é a Mensagem de Lisboa, um jornal digital a pensar em “ todas as pessoas que vivem em Lisboa”. Os textos abordam “de forma construtiva” temas relevantes da cidade, não só o que acontece na urbe mas também “como se podem resolver” os problemas. Promovem-se ainda tertúlias e conferências.
O cliente Vasco Santana
Arquivo A Brasileira
O restaurante do piso inferior, que “pouca gente conhecia”, foi inutilizado, libertando espaço para a cozinha e a operação. Admire as mesas sextavadas e cadeiras de origem, com o “encanto” do desgaste temporal, pé de ferro e tampos de mármore. Observe as madeiras, espelhos, tetos trabalhados, as telas, o latão e o relógio ao fundo, da autoria de Aurélio Romero, a funcionar desde 1925. No piso inferior exibem-se uma coleção de chávenas antigas, fotos e cartazes de outrora, e um tampo de mesa onde se gravou uma dedicatória emocionada deixada em 1960 pelo ex-presidente do Brasil, Kubitscheck de Oliveira, que veio a Lisboa inaugurar o Padrão dos Descobrimentos e aqui provou um café do Brasil: “Parto com o coração doendo”. Voltando ao piso de cima, repare no quiosque controlado por Ernesto Miguel Silva. Vende jornais regionais de quase todo o país: certo dia, Marcelo Rebelo de Sousa comprou 18 e “levou o país para casa”.
Interior d'A Brasileira
FRANCISCO RIVOTTI
A estátua, os óculos e a “Mensagem” de Pessoa
A Brasileira chegou a fechar para Freitas do Amaral e Mário Soares, que adoravam o Bife com molho de café, lançarem livros. António Costa é visita regular, tal como era Jorge Coelho, que vinha ao fim de semana tomar o pequeno-almoço: “Ia comprar o jornal e ficava ali grande parte da manhã. Pedia um copo de leite, croissant misto, torrada e café, e nunca saía sem levar a nossa caixa de pastéis de nata, não resistia”, revela a gerente Carla Silva. A propósito, espreite os menus de pequeno-almoço “Chiado” (€16) e “Lisboa” (€29,5), este mais completo. E saiba que o “impetuoso” Almada Negreiros, à sua inquietude, “entrava de rompante n'A Brasileira do Chiado, ávido de um pequeno-almoço delicioso e saciante, saltitando por cima das mesas em direção ao balcão para fazer o pedido, sob os protestos dos clientes”.
A concorrida esplanada foi bloqueada para a equipa da série “Casa de Papel” filmar parte de um episódio. Vieram “muito cedo, antes da abertura do café”. Os atores estiveram em rodagem no Bairro Alto e frequentaram a Brasileira, dando autógrafos aos que os aguardavam no café. Foi também na Brasileira que o jornalista da CNN Richard Quest terminou um episódio da série “Quest's World of Wonder”, com um café, um pastel de nata (€2,10) e elogios à “alma” de Lisboa. Nessa esplanada encontramos Paulo Roberto, Rosemary e a filha Paula, acabados de chegar do Algarve e de Évora. Antes de voltarem à mesa, mãe e filha tiram algumas fotos junto à icónica estátua em bronze de Fernando Pessoa. Foi aqui colocada em 1988, no centenário do nascimento do escritor e adotou a forma final depois do autor, Lagoa Henriques, abrir um livro de Pessoa e ler a frase “o braço pousado sobre a mesa”. A seguir à iniciativa Lisboa'94, a estátua foi retirada temporariamente devido às obras de expansão do metro. A estação Baixa-Chiado inaugurou no ano da Expo 98, com uma entrada em frente à esplanada.
Carla Silva, a gerente do icónico espaço no Chiado, agora propriedade do grupo O Valor do Tempo
No interior do café exibem-se uma edição especial bilingue da “Mensagem”, o único livro em português publicado em vida por Fernando Pessoa, e também os óculos do pensador, adquiridos à família em leilão pelo Museu do Pão – do mesmo grupo -, em Seia. Nesse museu guarda-se a escrivaninha de Pessoa. Paulo Roberto é fã do heterónimo pessoano Alberto Caeiro. “As poesias dele têm um lado da psicologia budista. É muito ligada ao momento, ao aqui e agora, mais nada, e tem algo de transcendental”, refere o turista brasileiro. “Todo o mundo aqui é brasileiro?”, questionou, certa vez, Lula da Silva. “Eu sou português, e também sou Silva”, respondeu Ernesto Miguel Silva. Lula furou o protocolo e abraçou o funcionário, dizendo: “Este aqui é meu primo!”. Na memória de Miguel ficam, ainda, o trato “afável” do pintor Ferreira da Silva, o facto de o escritor Dinis Machado comprar aqui as cigarrilhas prediletas antes das tertúlias, e a pessoa “verdadeiramente típica, empática e fora do seu tempo” que era Rogério Samora.
Bife com molho de café
Bife com molho de café
Classificada como Património Municipal e Loja com História, A Brasileira do Chiado (Rua Garrett, 120/122, Lisboa, Tel. 213469541) abre às 8h00 e serve até à meia noite. Hoje, uma bica d'A Brasileira custa €2,50 (e pode comprar latas de café), enquanto uma chávena de chá fumegante, ao gosto de Amália Rodrigues, fica por €3,80. Se preferir, tem a limonada de limão e menta, a “acidez perfeita para Beatriz Costa”, por €6. O chef Nuno Carreira destaca o famoso “Bife com molho de café” (€25), de carne “selecionada”. Acompanha com batata frita, ovo a cavalo e uma pequena hóstia. Prove o “Croquete d'A Brasileira com molho de mostarda” (€6), “Gambas ao alho e coentros” (€18), o “Pica-pau de lombo” (€15), “Pataniscas de bacalhau” (€17), as saladas e sandes compostas. Além do bife, nos pratos principais incluem-se o “Filete de robalo com arroz cremoso de coentros” (€22,50), o “Linguini nero” (€23) e o “Bacalhau confitado” (€24). Nas carnes há ainda “Lagartinhos de porco preto” com miga de espargos (€22,50), e uma “Costeleta de borrego DOP” (€27,50). A ementa inclui duas opções vegetarianas e, nos doces, sai uma “Rabanada d'A Brasileira” (€6), com creme de Queijo Serra da Estrela, toques de açúcar e canela.
Richard Quest n' A Brasileira
Mensagem de Lisboa - O Valor do Tempo
Para comemorar os 50 anos do Expresso e do Recheio, fazemos uma viagem no tempo para relembrar restaurantes que marcaram as últimas cinco décadas. Acompanhe, todas as semanas, no Boa Cama Boa Mesa.
Recorde os primeiros restaurantes desta iniciativa:
A introdução, em 1994, de uma área específica para produtos frescos, que implicou também mudanças de lay-out nas lojas, significou um enorme avanço ao nível da qualificação de produtos e da diversidade. A criação desta área serviu também para acompanhar o crescimento do canal Horeca e “satisfazer as suas necessidades”. Para Carlos Saraiva, que chegou ao Recheio da Figueira da Foz em 1978 e atualmente é gerente da loja Recheio de Coimbra, a introdução dos frescos em loja foi o “primeiro marco de crescimento do Recheio”. Se até aí reinavam produtos como laticínios, massas, o arroz e o feijão a nível alimentar, as carnes, peixes, frutas e legumes frescos foram uma alavanca de negócio.
A marca Recheio surgiu no mercado em 1972. 50 anos depois, dispõe de 40 lojas e três plataformas distribuídas por todo o território nacional, mantendo como grande objetivo ir ao encontro das necessidades dos clientes ao apresentar desde os ingredientes às soluções, assumindo claramente um compromisso de estar ao lado dos empresários do canal HoReCa e retalho tradicional, contribuindo para o desenvolvimento do negócio, como um parceiro.
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