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Fecho de salas de ensaios do Stop, no Porto, é “mais pernicioso para a cultura da cidade do que teria sido a compra do Coliseu pela IURD”

Fecho de salas de ensaios do Stop, no Porto, é “mais pernicioso para a cultura da cidade do que teria sido a compra do Coliseu pela IURD”
José Coelho/Lusa

Os Mão Morta mostram a sua solidariedade para com “os mais de 500 músicos que ficam sem salas de ensaio ou estúdios de gravação”, após o fecho das lojas no centro comercial Stop, no Porto. Pedro Abrunhosa, Capicua, Samuel Úria e Luca Argel também se manifestaram contra o que consideram ser um ataque à comunidade musical do Porto

Vários artistas manifestaram-se, esta terça-feira, contra o fecho das lojas do centro comercial Stop, no Porto, que serviam de sala de ensaio ou estúdio de gravação a centenas de músicos da cidade.

Para os Mão Morta, esta decisão da Câmara Municipal do Porto é “um vergonhoso ataque do executivo de Rui Moreira ao principal viveiro criativo da cidade. É ainda mais pernicioso para a vitalidade cultural [do Porto] do que teria sido, há uns anos, a compra do Coliseu pela IURD.”

“A oposição ao desmantelamento do principal centro cultural do Porto e do Norte é uma obrigação de todos os que defendem a arte e a cultura, independentemente dos vícios administrativos que possam ser alegados ou dos objetivos que estão por detrás desta manobra contra a sua cidade e a sua cultura”, escreve a banda de Braga. “Os Mão Morta estão solidários com os mais de 500 músicos que ficam sem salas de ensaio ou estúdios de gravação neste ataque sem precedentes a uma classe profissional perpretado pela Câmara Municipal do Porto.”

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Pedro Abrunhosa, que em 1995 se algemou à porta do Coliseu do Porto, opondo-se à venda da histórica sala da Invicta à IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), escreveu para o jornal “Público” um artigo no qual recorda que foi na Rua do Heroísmo, onde se localiza o Stop, que gravou o seu primeiro álbum, “Viagens”, de 1994.

Nessa altura, lembra Pedro Abrunhosa, “a cidade respirava, a cidade vivia”. No final dos anos 80, o centro comercial entrara em delínio e foi ‘adotado’ por “inúmeros músicos, artistas e produtores, [que], apercebendo-se dos espaços deixados vagos pelos lojistas desanimados, ancoraram no Stop a sua atividade profissional.”

Admitindo a “precariedade” com que este “laboratório musical coletivo” funcionava, Pedro Abrunhosa contrapõe que “foi a comunidade musical do Porto, e arredores, que salvou o Stop de ser ter transformado numa sucata urbana e projetou a zona oriental do Porto para o desígnio de ‘bairro cultural’ que hoje possui.”

Quanto à ordem dada pela Câmara do Porto, de encerramento das lojas, o músico do Porto afirma: “Nem tudo o que tem cobertura jurídica tem imediata cobertura ética. O que está em causa é o tipo de cidade que queremos construir. Se mais quartos para inglês passear se mais cidade para portuense viver.”

“Podemos ter uma cidade que usufrua das mais-valias do turismo sem ter de abdicar do melhor que o seu tecido de cidadãos produz: o comércio tradicional, a tasca, a tabacaria, o talho, o ‘laboratório criativo coletivo’. Numa palavra: Cultura”, acredita Pedro Abrunhosa, defendendo “uma intervenção financeira musculada por parte do Ministério da Cultura. (…) Caso seja impossível salvar o Stop, então que se abra a Casa da Música (Boavista) aos projetos estabelecidos no Stop.”

Nas suas redes sociais, Capicua lamentou que, na altura do ano em que têm mais concertos, os músicos tenham ficado impossibilitados de usar as salas de ensaio, onde têm guardados, também, os seus instrumentos e outros equipamentos. “O Porto podia ser uma cidade incrível. Tem massa crítica, carisma, artistas incansáveis e uma beleza ímpar. O problema é que escolhe sempre tecnocratas provincianos como autarcas. Era uma cidade. Hoje é a sede da Remax”, escreveu nas stories do Instagram. “A cidade de Sérgio Godinho, Zé Mário Branco, Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, GNR, Clã, Ornatos Violeta e tantos outros músicos incríveis merecia melhor!”

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Por seu turno, Samuel Úria lembrou que “os detalhes legais e processuais podem ser vários e incontornáveis, mas há coisas prementes que não dá para ignorar. Uma cidade com sucessivos autarcas a disfarçar complexos de inferioridade não pode tratar com tanto desapreço um sítio que torna o Porto verdadeiramente superior. O município alega agastamento num processo com dez anos. Treta. Então e as quase três décadas de batimento cardíaco?”

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Num artigo de opinião, publicado no jornal “Público”, também o músico luso-brasileiro Luca Argel se debruçou sobre esta questão. “É inegável que o edifício carece de uma reestruturação que ofereça mais segurança e conforto a todos. Por outro lado, a voracidade da especulação imobiliária há muito que cobiça meter as garras no Stop para fazer o que faz de melhor: transformar pólos culturais autênticos e efervescentes em mais um empreendimento turístico sem alma.”

“O que está a acontecer ultrapassa o seu encerramento. É um profundo desrespeito pelos profissionais da música, e todos os outros que dependem daquele espaço para trabalhar. (…) Regularizem-se as salas, mas confiscar os instrumentos e equipamentos de músicos, como se criminosos fossem, sem qualquer notificação séria, e sem que se estabeleça um prazo para que esvaziem o espaço, é de uma covardia atroz.”

“Não conheço outro lugar onde seja normal ouvir-se metal e samba, jazz e pimba, folk e electrónica, num ambiente de respeito ao espaço e ao estilo de cada um. Bem que as autoridades poderiam aprender qualquer coisa numa visita ao STOP. Que essa convivência pacífica entre géneros musicais distintos pudesse ensiná-los um pouco sobre respeito, democracia e coexistência”, defende o autor de “Samba de Guerrilha”, que este ano foi convidado do Posto Emissor, podcast da BLITZ.

Também no Instagram, os Glockenwise escreveram: “o Stop é um sítio mágico e a nossa casa desde 2017. Muito do ‘Gótico Português’ foi gravado aqui”, revelaram, referindo-se ao seu álbum deste ano. “Os problemas são conhecidos, mas esta violência sem aviso é desvastadora.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: blitz@impresa.pt

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