Sétima Legião ao vivo em Lisboa: 40 anos de vida, sete mares de lágrimas de saudade. E que tal um “até já”?
Sétima Legião na Culturgest, Lisboa
Rita Carmo
Sétima Legião na Culturgest, Lisboa
Rita Carmo
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Os Sétima Legião deram esta quinta-feira, na Culturgest, o primeiro de dois concertos de reunião, destinados a celebrar os seus 40 anos de carreira e a homenagear Ricardo Camacho, teclista e produtor falecido em 2018. Um concerto curto, mas pleno de camaradagem e recheado de boas memórias
Paulo André Cecílio (texto), Rita Carmo (fotos)
No princípio era o negro, a cor de um certo pós-punk que tinha como expoente máximo a música e a poética dos Joy Division, a cor das gabardinas que aqueles a que à altura se chamavam de vanguardas envergavam. O negro alimentou sonhos e criou outros. Já se conhece a história: enamorado daquilo que se ouvia em Inglaterra, sobretudo na fabril Manchester, Miguel Esteves Cardoso decide ajudar a erguer a Fundação Atlântica e é com essa editora que lançará ‘Glória’, single de estreia dos Sétima Legião, com letra por ele redigida.
Depois, sim, veio o azul, a cor de um mar cujo sal, escreveu-se, contém lágrimas de Portugal. Os Sétima Legião não queriam ficar presos a um fado alheio, mas criar o seu próprio fado. Acrescentaram às suas influências estrangeiras inconfundíveis, e inimitáveis, sons e imagéticas nacionais. O resultado? Discos marcantes como “Mar D'Outubro” e “De Um Tempo Ausente”, marcos da pop portuguesa dos anos 80 e casas para duas das mais emblemáticas cantigas desse período, ‘Sete Mares’ e ‘Por Quem Não Esqueci’. Ouvimo-las esta noite, evidentemente, uma delas até mais do que uma vez. Num ambiente que já era de festa por marcar uma reunião, e que o foi mais por tê-lo sido de amigos, e não de meros colegas de trabalho.
Claro que não podia deixar de ser de amigos quando um dos motivos para a mesma era homenagear Ricardo Camacho, produtor e teclista do grupo, falecido em 2018 ("sentimos tanto a falta dele", diria Pedro Oliveira a dada altura). No entanto, talvez não esperássemos tamanha casualidade, tanto da banda como do público, como se de um ensaio se tratasse. A meio de ‘Mil Maneiras de Amar’, vimos o vocalista e guitarrista abandonar momentaneamente o microfone para afagar Gabriel Gomes e Rodrigo Leão, como que a agradecer-lhes por 40 anos de memórias fabulosas. Entre canções, a plateia puxava pelos músicos como brincalhões no liceu: “viva a gaita!”, “para a próxima sem cadeiras!” ou, a mais certeira de todas, “saudades!”.
As saudades de ver os Sétima Legião ao vivo eram muitas - a última vez teve lugar em 2017 -, e ao longo de uma hora e vinte, pouco mais, pudemos matá-las como se mata a sede. De início, o som de um sintetizador recebeu cânticos longínquos, a percussão convidou à festa, uma flauta convidou-nos a pisar a ancestralidade. A Culturgest, esgotada e sôfrega, compreendeu e aplaudiu; ‘Noutro Lugar’, de “Mar D'Outubro”, dava sinais de si e encantava. Paulo Abelho, cowbell na mão, incitava os presentes a participar deste glorioso momento de comunhão, ao mesmo tempo acrescentando ali um toque de humor, na forma como se pavoneava pelo palco, a lembrar um dos momentos mais hilariantes da televisão norte-americana.
‘Além-Tejo’, com o dedilhar elétrico de Rodrigo Leão numa momentânea guitarra, foi um dos grandes trunfos de uma noite que ainda contou com ‘Tango do Exílio’, o grito Gabriel! a empurrar o acordeonista para uma melodia sapeca. Mas, entre ambas, foi a explosão de ‘Sete Mares’ que fez o público erguer-se de pé, aplaudindo como outrora beijou, cantando como outrora dançou. Os grandes êxitos são assim, uma espécie de tatuagens na memória.
Depois de ‘Tão Só’, voltariam a erguer-se para ‘Por Quem Não Esqueci’, com dedicatória especial de Pedro Oliveira, até chegarem ao encore, voltado que estava um interlúdio de gaita de foles e percussão. ‘Porta do Sol’ foi a primeira, só acordeão, teclado e voz, seguindo-se ‘Glória’, o “fez nascer português” do verso final a remeter-nos para um pensamento além dessa bonita canção de amor: os Sétima Legião, à sua maneira, também fizeram nascer Portugal, um Portugal à procura de se encontrar ou reencontrar, 50 anos de ditadura depois. Uma reprise de ‘Sete Mares’ deu por terminado um concerto talvez demasiado curto (é uma reunião, e das reuniões queremos sempre muito mais), mas pleno de camaradagem. Se oficialmente os Sétima Legião nunca acabaram, depois disto só quatro palavras nos podem vir à cabeça: obrigado e até já.
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