Blitz

Slowthai trouxe provocação e contestação a Paredes de Coura. Levou uma prenda inesperada do público

No primeiro concerto de sempre em Portugal, o rapper inglês Slowthai apresentou, imediatamente antes dos Pixies, canções de contestação e hedonismo. E recebeu do público uma prenda que o levou a responder: "obrigado, mas sou comprometido"

Nascido em Inglaterra há 27 anos,Tyron Kaymone Frampton, mais conhecido como Slowthai, entra no palco principal do Vodafone Paredes de Coura pouco antes das onze da noite, ao som de um clássico supremo da música romântica: 'Unchained Melody', dos Righteous Brothers. Os mais desavisados poderão ter pensado que havia um crooner a caminho do Taboão, mas a cantiga - contestatária, rude, incisiva - do autor de "Nothing Great About Britain" é outra. Ao longo da noite, o rapper voltará aos interlúdios amorosos - cantando 'Can't Help Falling In Love', de Elvis Presley, como 'separador' entre alguns temas -, mas a matéria de que se faz a sua obra é o oposto desses standards. Urbana e granítica, esta é uma música que serve bem o propósito único das primeiras filas - continuar a fazer mosh até ao último segundo do festival -, mas que parece algo desenquadrada enquanto "aperitivo" dos senhores que todos querem ver, os Pixies.

Surgindo em palco sozinho, de calções e tronco nu e tatuado, Slowthai começou por sugerir aos espectadores que respondessem a tudo o que dissesse com "fuck that". Desafio aceite, o britânico segue a toda a velocidade para um dos seus temas mais conhecidos: 'Cancelled', que em disco conta com a participação de Skepta, rapper seu conterrâneo que também já foi a "carta fora do baralho" aqui mesmo, em Paredes de Coura, na edição de 2018. Entoada palavra a palavra por um espectador ao nosso lado, 'Cancelled' rapidamente dá lugar a '45 Smoke' e 'Mazza', gravada com A$AP Rocky. São evidentes os pontos de contacto entre o rap/grime de Slowthai e o trap dos seus contemporâneos norte-americanos. Mas há mais referências no universo do inglês, que tem dois álbuns no currículo, o mais recente dos quais, "Tyron", de 2021. Em 'I Feel So Good', lembramo-nos do electro-punk arruaceiro dos Sleaford Mods; filha de uma eletrónica mais hedonista, 'Deal Wiv It', do produtor Mura Masa, põe o público a dançar.

Entre discursos motivacionais ("Estão a viver a vida ou a vida é que vos está a viver a vocês"?) e a balada possível (a curiosa 'Feel Away', com voz de James Blake, na qual Slowthai pede ao público que acenda telemóveis e lanternas), o jovem vai levando a água ao seu moinho, recebendo até umas cuequinhas de alguém do público. "Infelizmente já sou comprometido", agradeceu, entre risos. No final, dedicou 'Doorman' às pessoas das classes mais baixas, que sentem que não podem seguir os seus sonhos devido ao seu estatuto, apelando a que se transmita a quem de direito a mensagem oposta. Pela ladeira abaixo, um grupo de amigos corre alegremente para celebrar a chegada desta canção, provando que não serão assim tantas, afinal, as diferenças entre a energia deste homem solitário em palco e de uma banda com guitarras e bateria.

A despedida definitiva seria feita ao som de 'Barbie Girl', num hyperlink para o concerto de Princess Nokia, que começou com esse êxito da eurodance, e com um discurso próximo do de Idles ou Turnstile. "Tomem bem conta uns dos outros e tenham uma boa noite", sugeriu Slowthai, o rufia de bom coração que deixou Paredes de Coura intrigado antes da chegada dos reis Pixies.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: LIPereira@blitz.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas