Blitz

Da alegria como ato de resistência. Perfume Genius 'vingou-se' dos últimos dois anos sendo feliz em palco

Noite de emoções fortes no palco secundário do Vodafone Paredes de Coura. No último dia de festival, o norte-americano Perfume Genius deu um concerto intenso e comovente. Antes, no palco principal , os franceses La Femme fizeram a festa e Far Caspian foi uma bonita surpresa ao pôr-do-sol

À tarde, em entrevista com a BLITZ, Mike Hadreas, norte-americano de origem grega que os palcos conhecem como Perfume Genius, confessou que não sabia a falta que tocar ao vivo lhe fazia, até a pandemia lhe ter tirado a possibilidade de o fazer. Os seus concertos mais recentes - antes de chegar a Portugal atuou no norte da Europa, na Alemanha e Dinamarca - têm, por isso, sido marcados por uma intensa libertação, próxima da catarse. Para ajudar à festa (literalmente), desde que o mundo parou Perfume Genius lançou dois álbuns: "Ugly Season", este ano, e "Set My Heart on Fire Immediately", no primeiro ano da era covid (2020). Se o trabalho mais recente não é o mais adequado para um festival, tendo nascido como banda-sonora de um espetáculo de dança contemporânea, o disco editado há dois anos tem uma série de "bangers", como o músico se referiu, na nossa entrevista, às canções com forte impacto que esta noite apresentou no palco Vodafone FM, que encheu para acarinhá-lo.

Tão fluente nas linguagens do glam rock como do synth pop, Perfume Genius parece não ter medo de experimentar qualquer género musical. Neste último dia de festival, entregou-se a canções como 'Without You', 'On the Floor', 'Slip Away' ou 'Nothing At All' com prazer, sem reservas, levando a sua voz delicada mas versátil às mais vertiginosas alturas e, acima de tudo, dando a mão à plateia numa partilha tão livre como comovente.

Também na entrevista, o norte-americano falou longamente sobre a forma como a colaboração com a coreógrafa Kate Wallich lhe permitiu explorar, de um novo ângulo, a sua relação com o corpo. E, em palco, ora liberto de instrumentos frente à sua ótima banda, ou sensualizando com recurso a uma simples cadeira de madeira, o artista mostra-se em saudável harmonia com o seu invólucro mortal, desfrutando ao máximo da sua música invariavelmente emotiva, por vezes quase eufórica.

Estas são canções cujos refrões os amigos, ou amantes, entoam olhando um para o outro, ou que - no caso da intensa 'Otherside' - começa quase a cappela, explodindo a meio com todas as cores de uma aurora boreal. Esse regresso ao álbum de 2017, "No Shape", revelou-se um dos momentos mais belos e frágeis do festival, que os teve com fartura, fazendo-se seguir por temas quase tribais, ou com riffs próximos do rock gótico. As fronteiras de estilo não interessam a Perfume Genius que, nas dinâmicas quiet/loud a que por vezes recorre, até parece piscar o olho aos 'padrinhos' da noite, os Pixies - a avaliar pela vestimenta de boa parte dos festivaleiros, a banda que toda a gente quer ver neste adeus a Paredes de Coura.

No palco secundário, à hora do jantar, porém, a festa foi de Perfume Genius e, para parafrasear Lesley Gore, ele chora se quiser. No meio da comoção causada pela partilha desta noite, é possível que Mike Hadreas tenha deixado cair uma ou duas lágrimas. E as mil tonalidades do seu concerto só ficaram mais brilhantes por isso.

Antes, no palco principal, os franceses La Femme tornaram-se os novos melhores amigos de Paredes de Coura. Grupo de seis "garçons et filles", todos vestidos de branco, os autores de 'Sur la Planche' deram um concerto altamente festivo, engrossando a fileira dos artistas francófonos bem-sucedidos nesta edição do festival, como l'Impératrice, The Blaze ou Arp Frique & Family, projeto comandando por um holandês mas com várias canções em francês. À BLITZ, João Carvalho, diretor do Vodadone Paredes de Coura, revelou que o facto de um dos membros dos La Femme costumar acampar no festival, há alguns anos, facilitou a contratação da banda. A história foi contada pelo próprio músico, em palco, e é provável que, depois do sucesso desta tarde, a rapaziada de "Psycho Tropical Berlin" venha a passar muito tempo por Portugal.

Bem mais discreto, mas muito "hora de mágica de Paredes de Coura", o irlandês Joel Johnston, aka Far Caspian, surpreendeu com um songwriting seguro e melancólico, próximo por vezes, pelo menos no timbre da voz, de Mark Kozelek e dos seus Red House Painters. Acompanhado por uma banda elétrica q.b., o cantor-compositor deixou-nos com vontade de descobrir os vários singles que vem lançando desde 2018 e também o álbum previsto para o final deste ano, mostrando-se, na sua dolência melodiosa, uma escolha acertada para o final da tarde courense.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: LIPereira@blitz.impresa.pt

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