Financiamento climático: tema central da COP27 não consta no rascunho da declaração final
Na conferência deste ano, não foram autorizadas manifestações no espaço das negociações nem nas ruas
EMILIE MADI/REUTERS
O esboço divulgado “congratula” apenas o facto de a agenda da cimeira incluir “questões relacionadas com acordos de financiamento que respondam a perdas e danos” causados pelas alterações climáticas nos países em desenvolvimento. “A presidência da COP27 está a meter o prego a fundo na autoestrada para o inferno climático”, critica o chefe da delegação da Greenpeace na COP
O financiamento climático — a questão-chave da COP27 — não consta no primeiro esboço da declaração final da cimeira. O rascunho foi divulgado esta quinta-feira pela agência climática das Nações Unidas e não inclui quaisquer detalhes para o lançamento de um fundo de perdas e danos, destinado a compensar os países em desenvolvimento mais afetados pelas alterações climáticas.
O texto apenas “congratula” o facto de os países e blocos signatários da convenção terem concordado, pela primeira vez, em incluir na agenda da cimeira “questões relacionadas com acordos de financiamento que respondam a perdas e danos”. É expectável que o esboço ainda sofra várias alterações até ser publicada a declaração final da 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Ainda assim, a esperança não é muita.
“A presidência da COP27 está a meter o prego a fundo na autoestrada para o inferno climático”, afirmou o chefe da delegação da Greenpeace na COP, após ler o rascunho da declaração final, que deverá sair no final da semana. Yeb Saño fez uma referência clara ao discurso do secretário-geral das Nações Unidas. António Guterres alertou, logo no início da cimeira, que “estamos numa autoestrada para o inferno climático com o pé no acelerador”.
“Viemos a Sharm el-Sheikh para exigir ações reais para cumprir e exceder os compromissos de financiamento e adaptação climática, uma eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis e para que os países ricos paguem pelas perdas e danos causados às comunidades mais vulneráveis nos países em desenvolvimento, acordando um fundo de financiamento de perdas e danos”.
Porém, “nada disso é oferecido neste rascunho”, denuncia ainda o ativista filipino citado pelo jornal britânico “The Guardian”, acrescentando que “a justiça climática não será servida se esta for a fasquia para um resultado da COP27”. Além da questão do financiamento, outra falha grave do texto de 20 páginas é não exigir a redução gradual de todos os combustíveis fósseis, como tinha sido pedido pela União Europeia e Índia.
Países em desenvolvimento exigem compensação climática
Enquanto o estabelecimento de um mecanismo de perdas e danos corre risco de ficar fora do texto final, os países em desenvolvimento continuam a pressionar as potências com mais responsabilidade histórica nas alterações climáticas a fazerem a sua parte. O G77 (grupo de economias emergentes) e a China apresentaram, na terça-feira, um novo fundo com os respetivos princípios e políticas operacionais a serem estabelecidos até à próxima COP, no Dubai, em 2023.
Mas tem havido muita reticência por parte das nações industrializadas — que são as mais poluentes — em aderir a um fundo vinculativo. Os Estados Unidos, por exemplo, disseram na semana passada que não apoiariam uma “estrutura jurídica ligada à compensação ou responsabilidade [climática]”. Perante a decisão, os países mais vulneráveis lamentaram que Joe Biden não tenha assumido um “compromisso firme”.
A desilusão não foi só para com os EUA. África demonstrou o seu “desapontamento” e defendeu que o “mundo desenvolvido não está a fazer o suficiente”. “Estamos preocupados com a falta de acordo sobre questões importantes para o nosso grupo, em particular finanças, adaptação e perdas e danos”, disse o presidente do Grupo Africano de Negociadores. “Precisamos do apoio dos países desenvolvidos e precisamos dele à escala”, acrescentou Collins Nzovu.
Também a África do Sul, o Brasil e a Índia estão preocupados com a falta de liderança e de esforço dos países ricos em comprometerem-se com um mecanismo de financiamento para compensar as nações mais pobres. Criticaram ainda, numa declaração conjunta à margem da cimeira, os seus “duplos padrões” que “são incompatíveis com a equidade e a justiça climática”.
Anúncios de financiamento destinam-se sobretudo a África
Logo na primeira semana da COP27, no Egito, vários países europeus disseram que tencionavam contribuir com milhões de euros para as perdas e danos, incluindo a Escócia, Dinamarca, Alemanha, Áustria, Irlanda ou Bélgica. Destes, quem prometeu inicialmente mais dinheiro para mitigar os efeitos da crise climática nas nações mais suscetíveis foi a Alemanha: 170 milhões, anunciou o chanceler Olaf Scholz.
Ao longo da cimeira do clima das Nações Unidas, surgiram outros anúncios de compensação dirigidos sobretudo a África. Bancos multilaterais de desenvolvimento lançaram um mecanismo de financiamento, chamado Aliança para as Infraestruturas Verdes em África, que prevê angariar mais de 480 milhões de euros para projetos.
Além disso, os Estados Unidos anunciaram um contributo de cerca de 240 milhões de euros para financiar ações de apoio à adaptação climática no continente africano. E a União Europeia juntamente com quatro Estados-membros — França, Alemanha, Países Baixos e Dinamarca — disseram que vão contribuir com mil milhões de euros para ajudar África.
No entanto, estas iniciativas isoladas não são vinculativas nem foram concretizadas, como esperado, num grande fundo oficial criado na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que termina formalmente esta sexta-feira em Sharm el-Sheik.