Zero Emissão de Carbono. Zero Desperdício. Zero Desemprego. Zero Pobreza. Vivemos com a ambição da marca Zero. Mas será que é esta a marca que queremos deixar às próximas gerações? Ou será que devemos ser ainda mais ambiciosos, no longo prazo, e desejar antes uma marca Mais? Mais valor. Mais solidariedade. Mais inclusão. Mais zelo. Mais responsabilidade. Mais contribuição efetiva para um Planeta ainda melhor do que aquele que nos foi dado?
Acredito que esta questão deve determinar e orientar as reflexões políticas e a gestão das sociedades, no longo prazo, para além daqueles que, em todo o mundo, são anunciados como os prazos do zero (2030 a 2050). E que as estratégias de longo prazo devem ser orientadas por estes princípios. E isto porque acredito que aquilo que conseguimos antever - como a disciplina do forecasting, e do futurismo, no mundo dos negócios, nos tem vindo, de forma mais incisiva, a dizer - é apenas o primeiro e necessário passo para a sua materialização.
Por isso deixo a pergunta - mas o que vem depois do zero? Não deveríamos aplicar a lógica tradicional do crescimento da economia, que tem subsistido ao longo dos últimos 100 anos como norma que avalia economias saudáveis, ao crescimento do impacto positivo gerado pelos diferentes agentes da Economia? Mais do que "zerar" o impacto negativo daquilo que agora fazemos com a exploração dos recursos do Planeta, não deveríamos antes procurar multiplicar e fazer crescer o impacto positivo do que fazemos, acrescentando algo ao que já nos foi dado, quer pela Natureza, quer pelo engenho da humanidade? Creio que sim. E que talvez deva ser este o novo mantra do mundo dos negócios.
Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz em 2006, com a criação de um modelo económico inovador - o microcrédito - para o financiamento de iniciativas de micro-empreendedorismo, em contextos de extrema pobreza, e que contraria todas as regras do sistema financeiro atual -, apresenta, nesta linha, uma ideia muito interessante. Diz ele que, este mundo globalizado em que atualmente vivemos, requer um novo sistema económico, no qual seja dado ao altruísmo, o mesmo papel de força criativa e motor da economia, que é dado atualmente ao interesse próprio. Ou seja, a relação entre eles não é binária. Ambos podem coexistir - interesse próprio, porque sem ele não há cuidado, nem auto-nutrição a vários níveis. E altruísmo porque, sem ele, deixamos de retirar significado e propósito, ao investimento que fazemos em nós próprios. Estejamos a falar de pessoas, ou de organizações. E creio que este será, talvez, o principal ingrediente para passarmos do zero ao mais.
A pergunta é? onde queremos pôr os ovos? É uma questão de prioridades. E se não mudarem as prioridades, não mudam as vontades, nem as ações.
Acrescentaria ainda um outro fator - a ousadia: Não há nada mais altruísta que a ousadia motivada pela defesa de algo que vai além de nós. É ela que garante que conseguimos sair de nós próprios, e quebrar barreiras e limites, para conseguirmos melhorar a vida de alguém. O salário emocional que, com isto, ganhamos, não entra nas demonstrações de resultados. Mas é muito real, e cada vez mais procurado pelas novas gerações, nas suas escolhas.
Yunus, como muitas pessoas e entidades à volta do mundo, estão a desenvolver - e bem - uma série de iniciativas que nos devolvam ao estado anterior a termos destroçado os recursos que temos. Desenvolveu a iniciativa que chamou de 3 Zeros World, com o objetivo de contribuir para um mundo com zero aquecimento global, zero concentração de riqueza e zero desemprego. Com projetos tão interessantes como o 3 Zero Clubs, através do qual desafia jovens a criarem iniciativas disruptivas e inovadoras para combater estes problemas, no seu contexto específico. Ou através da Waste Fiction Competition, na qual desafia os jovens a imaginarem as suas escolas como locais onde há zero desperdício. Isto é bom? Sem dúvida.
Mas acredito que, para além disso, é preciso haver um foco no ganho, que, mais além da inversão da curva de desperdício de recursos, gere novas oportunidades de negócio, que, através da criação de modelos mais integrados, inclusivos e acessíveis, de multiplicação de recursos, tragam valor real à sociedade, e ao qual esta não tinha acesso antes.
O Mundo Zero é, como o próprio nome, aliás, indica, pouco, apesar de ser muito melhor do que o que temos agora. É preciso criar um mundo acima da linha do que deveria ser visto como básico. E sem espanto. Um mundo mais amigo do ambiente, ao ponto de o tornar ainda melhor do que, por natureza, já é, nas suas maiores qualidades. Um mundo mais respeitador e integrador das diferenças, de tal modo que a diferença deixe de ser assunto, e instrumento de ideologias e políticas. Um mundo mais focado em gerar riqueza para todos, em vez de eliminar a pobreza para todos. Imaginem um mundo onde as mensagens corporativas de Impacto fossem:
- "Acabámos de lançar um produto que conseguirá criar novas zonas verdes que são pulmões do mundo". ou...
- “Descobrimos um modelo de sistema financeiro em que os mais necessitados de financiamento têm muito melhores condições de acesso a este, do que aqueles que mais riqueza têm” ou ainda...
- "A nossa empresa vive para ajudar os nossos clientes a resolverem os seus problemas. Não da forma como nós achamos que devem resolver, impingindo-lhes o que nós achamos que nos vai enriquecer. Mas realmente resolvendo as suas inquietações e desafios e, fazendo disso, a nossa fonte de sustentabilidade."
Ambos estes mundos podem conviver - O Mundo Zero e o Mundo Mais. Mas sem a ambição do Mais, e sem comunicarmos afirmativamente essa ambição, o Mundo Zero acaba por ser o "Menos Mal" daquela que, na minha opinião, deve ser a ambição maior da sustentabilidade - o "Mais (e melhor) Bem".
Utopia? Podem dar-lhe o nome que quiserem. Isso é, aliás, o que já todos fazem nos dias que correm - catalogam para diminuir, etiquetam para boicotar. Mas a verdade é que a história da humanidade tem provas consecutivas, na linha da cronologia, de que as utopias podem ser viáveis, se houver 3 fatores que se juntam - visão, vontade e capacidade de iniciativa. Esta foi a premissa que permitiu que a Democracia, que acabou de celebrar os seus 50 anos em Portugal, acontecesse.
Já estamos a viver a Era da Liberdade. Venha a Era da Responsabilidade. Aquela em que olhamos para mais, e para mais longe, do que é o nosso umbigo. Quando a visão é curta, a mão não alcança. Longe da vista, longe do coração. E estamos na Era do Coração. Do mais para todos, que é também mais para nós. Do mundo do Zero, para um mundo do Mais.