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“Não há mulheres competentes suficientes? Veja esta lista de 272 Women in ESG”

“Não há mulheres competentes suficientes? Veja esta lista de 272 Women in ESG”

A nova comunidade ESG que nasceu há dois meses fez o seu primeiro evento na Casa do Impacto e contou com a presença de três speakers: o humorista Nuno Markl, a pintora Jacqueline de Montaigne e a especialista em ecologia e biodiversidade Helena Freitas. A partir de agora, a Women in ESG vai dar voz às empresas

Foi na Casa do Impacto, a incubadora de impacto social da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que se realizou o primeiro evento da Women in ESG, uma comunidade fundada por três mulheres – Alice Khouri, Filipa Pantaleão e Rita Rendeiro – e que pretende juntar numa mesma plataforma um conjunto de pessoas com diferentes valências nas áreas de ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança).

A uma semana do 8 de março, uma sala cheia em Lisboa juntou-se para ouvir o humorista Nuno Markl e a pintora Jacqueline de Montaigne falarem sobre a igualdade (ou a falta dela) entre homens e mulheres e ainda a especialista em ecologia e biodiversidade Helena Freitas que trouxe ao debate o tema da biodiversidade (ou da falta dela).

A ideia deste projeto do Women in ESG partiu da brasileira Alice Khouri que, no arranque deste evento, fez o ponto de ordem à mesa: “O ESG requer eficiência, requer gerir melhor os nossos recursos para alcançar resultados. E a igualdade de género, num cenário em que temos de acelerar o ESG, é uma questão de eficiência. Temos de gerir os nossos recursos convocando toda a capacidade existente, toda a competência técnica existente”.

A lista da comunidade do Women in ESG já tem 272 mulheres, sobretudo administradoras, diretoras e técnicas de empresas com alguma relação à área de ESG. Todas as mulheres que estão nesta lista, diz Alice Khouri, “estão preparadas para fazer a aceleração desta nova cultura de ESG, e quero que vocês nunca escutem aquilo que no Brasil se escutou na época da transição do Governo: ‘não há mulheres competentes suficientes nesta área’. Se ouvirem isso em Portugal, imprimam a lista e mostram que há 272. O que é que você quer? Uma engenheira? Uma bióloga? Uma ecologista? Uma advogada? Uma pintora? Também temos pintoras”.

Filipa Pantaleão explicou que o objetivo desta comunidade de mulheres é “mexer com o status quo existente em Portugal” e revelou que agora a comunidade vai abrir-se ao mundo corporativo: “Vamos fazer o lançamento de um trio de talks relativas ao ESG, uma para cada uma das letras E, S e G, uma letra por cada mês (abril, maio e junho), e serão dedicados às empresas. A ideia é perceber o que é que as empresas estão a fazer de bem, que dificuldades é que estão a ter, sempre com a igualdade de género como pano de fundo”.

Estas mulheres acreditam que o caminho para a sustentabilidade é multidisciplinar e, como tal, convidaram para este kick off da iniciativa pessoas com perfis bastante diferentes: uma especialista em biodiversidade, uma pintora e um humorista: “Enquanto estivermos numa mesa só com advogados e economistas isto não vai sair no lugar”, desabafa Alice.

Helena Freitas, especialista em ecologia e biodiversidade.

A apropriação do planeta na era do antropoceno

A primeira speaker da conferência foi Helena Freitas, professora catedrática do departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra e detentora da Cátedra UNESCO em Biodiversidade e Conservação para o Desenvolvimento Sustentável. A professora reconhece que os ESG “estão a impregnar as empresas e as corporações” e que “há uma revolução em curso que está a acontecer”, mas ainda há um longo caminho a percorrer em termos de ecologia e biodiversidade.

“Hoje na ciência falamos muito do antropoceno porque percebemos que configurámos o planeta à nossa medida, fizemos uma quase total apropriação do planeta. Na biodiversidade, se pensarmos naquilo que é a biomassa animal que temos no planeta, só 4% dessa biomassa é que é da fauna selvagem. Tudo o resto ou somos nós, ou são os animais que fazem parte da nossa alimentação. Nas aves, só um terço é que são aves selvagens, tudo o resto são aves que nós utilizamos na nossa alimentação”, explica a professora que foi também presidente da Liga para a Proteção da Natureza e presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia.

Defende que o desafio do sistema alimentar é central para o nosso futuro e recorda que só nos últimos 20 anos anexamos mais 10% do planeta à produção alimentar. “Hoje, o sistema alimentar é tão absurdo que temos o hemisfério norte a ter de resolver problemas de saúde pública, por excesso alimentar, diabetes e outras tipologias de doenças; e temos uma outra vastíssima parte do mundo que não tem acesso a alimentos. Isto é um absurdo. Não queremos e não devemos conviver com este absurdo. E continuamos a retirar território à natureza para continuarmos a produzir desta forma obscena”.

A professora defende que “temos de alinhar a economia e a ecologia” e recorda o compromisso assumindo da última COP, de passarmos a ter 30% de aéreas protegidas de terra e mar. “É um grande desafio que a economia também tem de incorporar. Temos à escala global cerca de 15% dos sistemas terrestres protegidos e cerca de 7% dos sistemas marinhos protegidos. Protegidos é uma maneira de dizer, são espaços consignados à conversação”.

A pintora Jacqueline de Montaigne.

Language of Flowers, na Rua de São Bento

A pintora Jacqueline de Montaigne também esteve presente no evento da Women in ESG e fez questão de dizer que o impacto das suas pinturas é ecologicamente mínimo, porque usa pigmentos e água, como a aquarela. As pinturas de Jacqueline gastam uma quantidade astronómica de tinta porque ela não pinta numa tela convencional, mas em fachadas de edifícios e grandes murais.

Se já passou na Rua de São Bento em Lisboa, em direção ao Largo do Rato, é provável que já tenha visto esta pintura de “Language of Flowers”, ou a “Língua das Flores” (ver foto em baixo do Google Street View). A pintura foi escolhida este ano pela maior comunidade digital de arte urbana, a Street Art Cities, como um dos 100 melhores murais no mundo. Esta foi a primeira vez que uma portuguesa é nomeada para este prémio, mas a ativista Jacqueline de Montaigne garante que ainda há um longo caminho a percorrer para se assegurar igualdade entre homens e mulheres no mundo da arte.

A pintora, que tem murais pintados em cerca de 90 países, deu vários números para mostrar a presença (ou a falta dela) das mulheres no mundo da arte urbana: “Menos de 15% das mulheres estão representadas nos festivais. Às vezes temos festivais em Portugal onde não existe nenhuma mulher e temos um dos melhores murais de arte urbana do mundo. Apenas 30,7% dos artistas vivos representados em galerias na Europa e América do Norte são mulheres. Dos 100 trabalhos mais caros vendidos no mundo, nenhum deles foi feito por uma mulher”. Jacqueline de Montaigne cita ainda um estudo da Forbes que calculou que dos 196,6 mil milhões de dólares gastos em leilões entre 2008 e 2019, apenas 2% do valor eram de obras de arte de artistas mulheres.

“Language of Flowers”, na Rua de São Bento.

Women Talking, nos cinemas esta semana

Nuno Markl também abordou o tema da desigualdade de género, e para tal recorreu ao enredo do filme que chega às salas de cinema em Portugal esta semana, o Women Talking (A Voz das Mulheres, na versão portuguesa), da realizadora canadiana chamada Sarah Polley.

“É um filme maravilhoso e chocante. Estamos numa comunidade fechada, ultrarreligiosa, onde um grupo de mulheres, que parece estarem vestidas como no século XVII, reúne-se num estábulo, à socapa para decidir o que vai ser o futuro. Elas não têm direitos, muitas delas não aprenderam sequer a ler e, como se não bastasse, são regularmente agredidas e violadas pelos homens da aldeia, espancada e violadas; e uma boa parte das crianças que nascem naquela comunidade são frutos daquelas violações e não de amor”, resume Nuno Markl.

O que chocou verdadeiramente Markl foi a informação de que o filme tinha sido baseado em factos reais: “Como estava a ver o filme em casa, tive de fazer uma pausa para me orientar: Mas afinal, em que século, em que período da história, é que se passou esta estória? E a resposta é inacreditável, mas é totalmente real: isto passou-se numa aldeia na Colômbia, numa comunidade menonita religiosa, em 2009”.

O também locutor de rádio conta que a realizadora procurou fazer uma parábola\ do que é ser mulher em qualquer sítio, num filme que alguns acusaram de ser feminista. Nuno responde: “Diz-se que é um filme feminista, e é. Mas serve para mostrar que o feminismo não é uma versão feminina do machismo. O feminismo não é um extremo: se o machismo defende que o homem tem de estar acima da mulher, o feminismo defende que o homem e a mulher têm de estar em pé de igualdade. Não há posição menos extrema, mais sensata e mais pacífica do que esta”.

Será que este tipo de coisas só acontece lá longe, nas comunidades menonitas da Colômbia? Markl afirma que não e dá o exemplo de Andrew Tate, o ex-kickboxer e influencer, conhecido por proferir declarações misóginas, que tem uma legião de seguidores no TikTok. O humorista português conta que se congratulou nas redes socias aquando da detenção de Andrew Tate e que após esse post teve um “decréscimo valente de seguidores” no seu Instagram. “Ingenuamente, achava que era impossível que no meu país, no século XXI, no meu Instagram, seguidores meus viessem a escrever coisas como ‘agora fiquei desiludido contigo’”.

As três fundadoras do Women in ESG.

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