“Acordo de Rendimento não faz qualquer referência à igualdade de salários entre mulheres e homens”
Na semana em que se assinala o Dia Europeu da Igualdade Salarial, fomos falar com Sara Falcão Casaca, coordenadora do estudo do ISEG “Os Benefícios Sociais e Económicos da Igualdade Salarial”. Lamenta que o acordo na Concertação Social tenha ignorado o tema e diz que só consegue explicar 17% da diferença salarial entre homens e mulheres. O resto pode ser, não só, mas também, discriminação salarial
O Acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade foi assinado pelo Governo, patrões e UGT na véspera da aprovação do Orçamento do Estado para 2023. Prevê, entre outras coisas, um caminho para aumentar o salário mínimo nacional até aos 900 euros em 2026, e uma indicação para o setor privado aumentar salários, em média, 4,8% por ano até ao final da legislatura. Em troca, as empresas que o façam terão direito a uma majoração de 50% dos custos com essa valorização salarial, em sede de IRC.
Se Governo, patrões e alguns sindicatos ficaram satisfeitos com o acordo, Sara Falcão Casaca não ficou. Casaca é a coordenadora do estudo “Os Benefícios Sociais e Económicos da Igualdade Salarial” publicado pelo ISEG – School of Economics and Management no início deste ano. Sara Falcão Casaca crítica o Acordo por “não fazer qualquer referência à igualdade remuneratória entre mulheres e homens. Era uma oportunidade única para haver o compromisso relativamente à introdução de mecanismos e de práticas de transparência remuneratória”.
A investigadora deixa uma sugestão ao Governo, patrões e sindicatos de algo que poderia ser incorporado no Acordo. “As empresas que não têm diferenciais salariais injustificados, por exemplo, poderiam ter uma majoração nos financiamentos de fundos europeus e fundos nacionais. Aquelas que tivessem diferenciais que não consigam justificar deveriam estar impedidas de participar em concursos públicos”. Outra ideia que poderia ter entrado no Acordo de rendimentos seria incentivar as empresas a procurarem uma certificação em função da igualdade remuneratória, e essa certificação poderia também servir como fator de majoração aquando dos concursos públicos. Inspirado no modelo da Islândia, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e o Instituto Português da Qualidade estão precisamente a preparar um projeto com vista a certificar as empresas em função da igualdade/desigualdade salarial.
O Acordo de rendimentos e competitividade condiciona o acesso ao benefício fiscal em sede de IRS à redução do leque salarial dentro da empresa, considerando o rácio entre os 10% de trabalhadores mais bens pagos e os 10% mais mal pagos. “Mas o Acordo falha por não ter medidas direcionadas para este objetivo da desigualdade salarial entre homens e mulheres”, aponta a investigadora.
Há explicação para 17% do gap. E os restantes 83%?
O Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens, publicado este ano pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP), analisou as remunerações de mais de 2 milhões de trabalhadores por conta de outrem e chegou à conclusão que a disparidade salarial entre homens e mulheres (o GPG - Gender Pay Gap) em Portugal é de 13,3% em desfavor das mulheres. Isto se tivermos em conta apenas a remuneração base. Se considerarmos a remuneração média (que inclui, para além da remuneração base prémios, subsídios ou suplementos regulares), a diferença aumenta para 16,1%.
No estudo “Os Benefícios Sociais e Económicos da Igualdade Salarial” do ISEG, os investigadores usaram uma metodologia diferente para calcular esse diferencial através da análise, não da remuneração base ou ganhos mensais, mas do valor por hora trabalhada. E a conclusão aponta para um gap salarial ainda mais pronunciado, de 19%.
A equipa coordenada por Sara Falcão Casaca foi mais longe e procurou perceber que parte do diferencial entre homens e mulheres poderia ser explicado por outras variáveis, tais como: “a idade, antiguidade na empresa, habilitações escolares, o tipo de contrato, a profissão, o ramo de atividade, a dimensão da empresa, a região geográfica e o nível de qualificação”. A que conclusão é que chegaram? Que estas varáveis explicam apenas 17% do gap salarial, ficando por explicar os restantes 83%.
Mas os 83% devem-se à discriminação salarial? “Pode haver outras variáveis que nós não estamos aqui a comtemplar no modelo. Eu não vou dizer que estes 83% resultam da discriminação em função do género. Não estamos a analisar, por exemplo, os prémios que os homens e as mulheres possam ter por desempenho, por assiduidade, também não estamos a contemplar as horas extraordinárias”. A professora do ISEG reforça a leitura: “Nós não dizemos que estes 83% resultam da discriminação em função do género, mas é uma expressão tão elevada que sugere claramente a necessidade de as empresas fazerem essa tal avaliação das componentes de funções, garantindo que os critérios de pagamento de salários são objetivos”.
Sara Falcão Casaca refere que Portugal já percorreu algum caminho com a aprovação da Lei n.º 60/2018 sobre a promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens. Nesta lei, que resultou de uma diretiva comunitária, a investigadora destaca a obrigação do GEP de produzir estatísticas anuais sobre o tema, e a possibilidade de a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) poder analisar e obrigar as empresas a justificar e a corrigir as discrepâncias salariais. Outro ponto positivo da lei é que um trabalhador ou os sindicatos podem emitir uma queixa à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e pedir um parecer que pode ser vinculativo de existência ou não de discriminação salarial.
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