Santa Casa monta stand ESG na Web Summit. “O princípio aqui nunca é a caridade”
João Carlos Oliveira
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa criou um hub no Convento de São Pedro de Alcântara, que já apoiou 300 startups nas áreas de ESG. Inês Sequeira, a criadora do hub Casa do Impacto, explica a aposta na Web Summit e o matching que estão a fazer entre as startups e institutos públicos como o IRN, ou empresas como a Galp e Ageas. Há dois dias, Paddy Cosgrave fez um jantar só com os empreendedores de impacto.
O que leva uma instituição com 524 anos, conhecida sobretudo pelos jogos sociais e que se dedica à caridade, a meter-se no mundo das startups e das incubadoras? Uma parte da explicação é história. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi fundada em 1498, ano em que os navegadores portugueses chegaram à Índia. Na altura, começaram a chegar grandes quantidades de pessoas a Lisboa, “à procura de trabalho ou de enriquecimento, numa busca muitas vezes sem frutos”. Conta a Misericórdia que “as condições de vida degradavam-se e as ruas transformavam-se em antros de promiscuidade e doença, aglomerando-se pedintes e enjeitados. Também os naufrágios e as batalhas originavam grande número de viúvas e órfãos”. Foi assim que nasceu a Santa Casa; para ajudar essas pessoas.
520 anos depois, a Santa Casa de Lisboa lançou o projeto Casa do Impacto que ajuda centenas de startups, “à procura de trabalho ou de enriquecimento”. O país já não é um Reino e as ruas de Lisboa já não são antros mas, por estes dias, são ponto de encontro de milhares de pessoas que se vão juntar na Web Summit, - uma das maiores feiras de tecnologia e empreendedorismo do mundo, - à procura de ideias e parcerias para alavancar e escalar negócios.
Um dos stands da Web Summit é o da Casa do Impacto, um hub que foi fundado há quatro anos por Inês Sequeira. É no Convento de São Pedro de Alcântara que a Sanca Casa de Lisboa alberga empreendedores que estão a desenvolver modelos de negócio com impacto social e ambiental positivo, alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas. “Numa Santa Casa, para mim, pareceu-me muito intuitivo. Quando cheguei à Santa Casa, achei claramente que faltava uma peça que era criar um hub que ajudasse a fazer crescer o ecossistema e foi daí que nasceu a Casa do Impacto”, conta Inês Sequeira, a diretora do projeto.
O hub, onde estão atualmente instaladas 63 startups, já apoiou “quase 300 empresas em vários programas e já trouxemos cerca de 2,8 milhões de euros para essas empresas. Dinheiro da Santa Casa e que vem de fora”. A Casa do Impacto, explica, “começou por ser uma one stop shop para empreendedores de impacto, ou seja, qualquer pessoa que quisesse criar uma solução inovadora para fazer face a um problema social ou ambiental tinha aqui, no nosso hub, todas as ferramentas que precisava para a fazer, desde espaço físico, mentoria, etc..” A Casa do Impacto também tem programas de aceleração de startups e, ela própria, investe em muitos desses projetos. Para isso também conta com parceiros, como a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Aga Khan ou a London School of Economics, sendo que esta última instalou no Convento de São Pedro de Alcântara uma unidade dedicada ao empreendedorismo de impacto.
“Já não somos só one stop shop para empreendedores”
Entretanto, o modelo de negócio evoluiu. A também diretora da aérea da economia social e de empreendedorismo da Santa Casa de Lisboa explica que a Casa do Impacto já não é só uma “one stop shop para empreendedores de impacto. Nós estamos neste momento também a ajudar empresas a fazerem este caminho de ESG e as entidades públicas a fazerem pilotos com muitas destas soluções inovadoras”. “É um papel de consultadoria, mas através da prática. Não somos consultores como a Deloitte que diz na teoria como é que tu podes chegar lá; nós temos startups que estão cá dentro já a trabalhar essas soluções e, por isso, nós fazemos esse matching”.
E dá o exemplo do IRN (Instituto dos Registos e do Notariado) que está a fazer cinco pilotos com startups da Casa do Impacto. Uma das startups está a ajudar o IRN em temas relacionados com a saúde mental dos seus trabalhadores; outra está a dar consultadoria e soluções tecnológicas ao instituto; e, no campo da diversidade, como o IRN lida com estrangeiros e com migrantes, estão a trabalhar com o SPEAK, uma das empresas incubadas na Casa do Impacto.
"As empresas privadas também estão a entrar nos nossos programas e a fazer pilotos. Temos, por exemplo, a Galp ou a Ageas”, empresas que foram bater à porta desta unidade da Santa Casa “à procura de respostas para os desafios que enfrentam no social, no governance e no environmental”.
Na sua “montra” no Convento de São Pedro de Alcântara, a Casa do Impacto tem várias startups alinhadas com os ODS: desde projetos na área da educação, da saúde, dos migrantes/refugiados, da diversidade e da inclusão, do clima e do ambiente.
Inês Sequeira, diretora da Casa do Impacto.
João Carlos Oliveira
“Sem dinheiro, tu não consegues criar impacto”
Apesar de estarem albergados na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Inês Sequeira afirma que “o princípio aqui nunca é a caridade. Nós achamos que existe espaço para ela [para a caridade], mas depois existe um outro espaço onde deve haver modelos de negócios sustentáveis. Doutra maneira estás limitado pelo impacto que podes criar. Porque sem dinheiro, tu não consegues criar impacto. Se não pensas no modelo de negócio, quando te fecharem a torneira, tu não consegues continuar”. A diretora da Casa de Impacto dá dois exemplos de projetos que se dedicam ao ESG, sem perder de vista a vertente da sustentabilidade financeira.
“Na área da empregabilidade, temos a Academia de Código, que basicamente percebeu que as empresas precisavam de programadores, de coders, e que não existia no mercado de trabalho em Portugal pessoas suficientes para responder a essas necessidades. E havia um largo espectro de desempregados, por exemplo nas áreas das humanidades, pessoas que não conseguiam arranjar emprego. Então basicamente eles criaram bootcamps que em três meses reconvertiam pessoas desempregadas, doutras áreas, em programadores. E tens 98% de empregabilidade”.
“Também temos lugares nesses bootcamps para utentes da Santa Casa. Pessoas que a Santa Casa está a assistir, às vezes a pagar alimentação ou a casa, mas que não têm meios de subsistência, nem emprego. Nós metemos nestes bootcamps desde migrantes a vítimas de violência doméstica que estão nas casas de abrigo da Santa Casa, e, no final, as pessoas têm emprego praticamente garantido”, conta Inês Sequeira.
O outro exemplo é o da SPEAK, uma startup que foi criada por um português, antigo funcionário da Google na Irlanda. “Quando ele foi para a Irlanda percebeu que como português tinha imensas dificuldades em se integrar. E percebeu que isso se aplicava, numa escala diferente, a muitos dos migrantes quando vão para um novo país. Muitas vezes não sabem falar a língua, não conhecem ninguém, precisam de entrar no sistema e ir para Segurança Social ou para as Finanças e não sabem como navegar no sistema”.
Então a SPEAK criou um programa de buddies, “de pessoas que foram eles também migrantes, que ajudam essas pessoas na integração. Eles criam eventos e comunidades para integrar essas pessoas, e têm aulas de línguas”. E onde é que está o negócio? “Fazem negócio de várias maneiras: há pessoas que pagam para frequentar as aulas; depois têm um género de franchising por várias cidades do mundo e vendem esse modelo de negócio; e também estão a fazer consultadoria para empresas nas áreas de diversidade e inclusão. Estão a vender programas para grandes consultoras, até porque a questão da diversidade e inclusão está cada vez mais em voga nas empresas”.
No balcão que montaram na Web Summit, a diretora da Casa do Impacto diz que vão receber empresas que estão “cada vez mais a sentir a pressão regulatória e dos próprios consumidores” para terem comportamentos e práticas mais alinhados com os objetivos ESG. Uma área, aliás, que ganha cada vez mais peso dentro da própria feira. Inês Sequeira revela que “ainda há dois dias, Paddy Cosgrave fez um pequeno jantar só com empreendedores de impacto e vários dos empreendedores da Casa do Impacto estiveram lá com o Paddy e alguns investidores a falar sobre o empreendedorismo de impacto. É uma área que está a crescer exponencialmente”.
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