Teste de sangue deteta cancro de mama mais cedo do que a mamografia e pode aumentar a sobrevida
A mamografia é o teste amplamente usado para rastrear o cancro da mama, mas é menos "sensível" do que o de sangue
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Cerca de cinco mililitros de sangue apenas podem ser a solução para um problema mundial (e nacional) de deteção tardia do cancro de mama, que contribui para o aumento do número de óbitos pela doença. O estudo desenvolvido no Reino Unido é descrito como um divisor de águas
"Não há um cancro da mama, há muitos cancros da mama", e, "na medicina, não há certezas nem garantias absolutas, joga-se com probabilidades". Salvador Massano Cardoso, professor catedrático de Epidemiologia e Medicina Preventiva na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, reconhece aos diversos tipos de neoplasias identidades distintas e percursos difíceis de prever, diferenças "abismais" que condicionam o futuro dos rastreios e dos tratamentos. "O telescópio Webb consegue detetar uma galáxia de há três mil milhões de anos, mas a medicina não é absoluta nem joga com princípios matemáticos, joga com a incerteza", reflete, quando entrevistado pelo Expresso. Mas a ciência é também ilimitada nos seus esforços, e há saltos tecnológicos que podem ser divisores de águas na vida de muitas pessoas que padecem da doença.
No Reino Unido, um exame de sangue foi utilizado, com sucesso, para detetar cancro de mama num estado inicial. O rastreio possibilita descobrir a patologia mais cedo do que as mamografias, de acordo com o estudo publicado no jornal científico "Cancers". Cerca de cinco mililitros de sangue foram recolhidos com o intuito de apurar se as células tumorais circulantes (CTC) podem ser encontradas. Mesmo que em pequenas quantidades, a presença de CTC no sangue é um indicador preciso de um tumor nas suas fases mais iniciais.
Dados da Liga Portuguesa Contra o Cancro revelam que há 500 diagnósticos de neoplasia por cada 100 mil mamografias realizadas
Os cancros libertam células tumorais malignas intactas no sangue, conhecidas como células tumorais circulantes (CTC), que são responsáveis pela disseminação da doença, explica ao Expresso Kefah Mokbel, cirurgião especialista em cancro de mama, que esteve envolvido na investigação e trabalha no London Breast Institute, no Princess Grace Hospital. "Como essas células se originam a partir do cancro, a sua deteção numa amostra de sangue permite concluir que existe a doença. Os métodos que foram usados até agora tinham uma sensibilidade muito baixa, em contraste com o teste Trucheck - credenciado pela Comissão Europeia -, que aplica um novo processo para enriquecer e perfilar essas células."
A maior deteção das células tumorais circulantes é conseguida mesmo em cancros localizados e localmente avançados. Depois, é só analisar o que diz a bioquímica, sustenta o investigador e coautor do estudo. "A avaliação do perfil de expressão de marcadores celulares permite determinar a informação do órgão de origem. O teste Trucheck usa um painel amplo e altamente específico de anticorpos para deteção de CTC e localização de órgãos, por isso, a análise dessas combinações exclusivas permite a avaliação por órgãos."
Contribuir para um diagnóstico precoce e até para a esperança de vida
Os médicos esperam que o teste leve à deteção precoce dos cancros de mama, especialmente entre as mulheres mais jovens, que não são convidadas a realizar o rastreio. Em Portugal, tal como no Reino Unido, o Ministério da Saúde estabelece que a população alvo para este teste é composta por mulheres com idades entre os 50 e os 69 anos. "Por se tratar de uma simples recolha de sangue, as amostras podem ser transportadas para o laboratório de referência para análise", defende Kefah Mokbel. Assim, dada a simplicidade da tecnologia em causa e dos meios requeridos, Salvador Massano Cardoso diz tratar-se de um passo seguro. "Este tipo de técnicas tem como objetivo detetar as múltiplas formas e escalonar a gravidade. Isto ajuda imenso na abordagem terapêutica.Tudo o que vier para contribuir para um diagnóstico precoce, prevendo o aparecimento dos cancros da mama, é sempre bem-vindo. As tecnologias atuais cada vez estão mais sofisticadas, e hão de ser cada vez mais."
Robert Leonard, oncologista do Imperial College Healthcare do Serviço Nacional de Saúde britânico, garante ao Expresso que está já a recorrer a exames de sangue, e “os resultados para pacientes metastáticos parecem convincentes”. Ao contrário das radiografias, este método “confirma a patologia e pode apontar para alvos de tratamento, com base na anormalidade específica do ADN no teste”, diz ainda o médico.
O exame de sangue usado para encontrar as CTC pode também contribuir para a sobrevida, "sobretudo das mulheres mais jovens", já que, "quando são detetados, em estado mais avançado e em mulheres mais velhas, o prognóstico é totalmente diferente", descreve o especialista português. Como lembra também Robert Leonard, "o diagnóstico precoce e a melhor seleção do tratamento podem levar ao aumento da sobrevida".
Ao contrário da mamografia, que usa máquinas de raios-X, este rastreio pode ser feito com o mínimo de recursos, e deteta 92% dos cancros de mama, cinco pontos percentuais acima das deteções com o método tradicional. Para o estágio 1 dos cancros de mama, a precisão do teste de sangue foi de mais de 89%, e, mesmo para o estágio 0, marcado por lesões pré-malignas que podem evoluir para casos de doença, foram identificados 70% dos casos. Os investigadores recolheram amostras de sangue de 9632 mulheres saudáveis e outras 548 com cancro de mama. Desse total, 96% dos casos positivos de estágio 2 foram identificados, bem como 100% dos casos em estágio 3 ou estágio 4, fases em que os tumores se espalham por outras partes do corpo e há mais CTC no sangue.
Cerca de uma em cada dez radiografias revela um falso positivo, mas este método não registou falsos positivos. Kefah Mokbel apresenta ainda outras vantagens: "a conveniência da acessibilidade em massa, sem exposição à radiação".
Salvador Massano Cardoso salienta que "essas técnicas permitem aferir se há mais probabilidade para um cancro ou para outro", podem ser feitas num contexto premonitório e devem deixar a antessala dos estudos experimentais. O médico não aconselha, no entanto, a ignorar que há características genéticas que potenciam o cancro, e que as doenças não são unicausais, são multicausais e muitas vezes despertadas por fatores ambientais, hormonais e também comportamentais. É um jogo muito complexo, pelo que todos os instrumentos com validade científica aportam valor. "Quanto mais possibilidades de diagnosticar as diferenças entre estes tipos de cancro, melhor é, tanto em termos de terapêutica, como em termos de prognóstico", refere o médico.
O exame de sangue utilizado com a finalidade de investigar no organismo a presença de neoplasias está a ser descrito pela comunidade científica como um ponto de viragem. Alguns médicos acreditam mesmo que a amostra recolhida para a deteção do cancro da mama pode ser utilizada para rastrear doenças oncológicas em outros órgãos do corpo. Robert Leonard aponta já algumas, devido a apresentarem elevadas prevalências: cancro do pulmão, ovário, cólon, melanoma e linfoma.
De acordo com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, em Portugal, são detetados todos os anos cerca de sete mil novos casos de cancro da mama, e 1800 mulheres morrem com a doença. Cerca de 1% de todos os cancros da mama encontrados em Portugal atingem o homem.