Manifestação em Lisboa: estudantes pedem mais casas e menos propinas
Manifestação de estudantes em Lisboa.
Foto Ana Baião
Ana Baiao
Jovens identificaram a falta de camas e os problemas na habitação como as grande dificuldades no Ensino Superior. Não faltaram recados dirigidos ao próximo Governo para que ponha “as mãos à obra” e cumpra o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior
Milhares de estudantes universitários marcharam esta quinta-feira pelas ruas de Lisboa, provenientes de vários pontos do país, em protesto contra a dificuldade dos jovens adultos em arranjar uma casa acessível enquanto estudam. Entre capas negras traçadas de luto, cravos em punho e faixas alusivas ao 25 de Abril, não faltou simbolismo nos gritos dos jovens, que exigiram ao próximo Governo que tenha como prioridade os problemas no alojamento estudantil.
“Os estudantes querem saber, querem participar, conhecem os problemas, apontam soluções e vão lutar por aquilo a que têm direito. E que o novo Governo tenha isso em mente e que considere as reivindicações dos estudantes”, afirmou Mariana Metelo, da direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (AEFLUL).
O protesto demorou a arrancar, partindo do Rossio em direção à Assembleia da República com uma hora de atraso. Pelo Chiado, apertado e cheio de turistas - confusos e curiosos que iam procurando nos telemóveis a tradução das palavras de protesto -, foi-se ouvindo a frustração acumulada pelas dificuldades financeiras que os jovens enfrentam. Mas o mote foi, acima de tudo, a evocação do 25 de Abril e da crise estudantil de 24 de março de 1962, recordados a cerca de um mês do 50.º aniversário da revolução.
“O alojamento é um tópico transversal a todas as instituições de ensino superior e a todos os estudantes de todo o país, incluindo estas dificuldades que sentimos na procura e nas residências públicas. Portanto, torna-se ainda mais importante trazer os estudantes à luta porque foram também os estudantes que trouxeram o 25 de Abril, através da crise académica”, disse Margarida Isaías, presidente da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), ao Expresso, em frente ao Palácio de São Bento.
Manifestação de estudantes em Lisboa.
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Ana Baiao
Quase todas as associações académicas do continente, do Algarve ao Minho, estiveram presentes no protesto - a Federação Académica do Porto organizou a sua própria manifestação.
Renato Daniel, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), considerou que “o ‘timing’ para a convocação desta manifestação foi absolutamente perfeito”, para que os estudantes possam exercer pressão sobre o próximo executivo.
“Convocamos esta manifestação para que o próximo Governo coloque no topo da agenda política um cuidado especial para com o Ensino Superior. Nós temos fixado a geração mais qualificada de sempre e acreditamos que é através desta geração que grande parte dos problemas do país se podem resolver. Falamos de um cumprimento do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) que está longe de ser cumprido, estamos longe das 18 mil camas prometidas, e é necessário pôr mãos à obra e começar a trabalhar para que o teto e a educação sejam um direito para os estudantes do Ensino Superior”, reiterou.
Mais habitação e fim das propinas foram palavras de ordem
A habitação foi um dos temas mais abordados na campanha para as eleições legislativas, sendo um dos maiores problemas não só em Portugal, mas em toda a Europa, e o aumento das rendas nos últimos anos e a pouca oferta têm afetado aqueles que, por estudarem, têm mais dificuldades em pagar um quarto.
Manifestação de estudantes em Lisboa.Foto Ana Baião
Ana Baiao
Ao longo do dia, ouviram-se várias histórias de alunos em casas sobrelotadas e deterioradas, em quartos minúsculos e sem janelas, a valores difíceis de pagar para quem não tem rendimentos. Ricardo Costa, de 24 anos, é de Viseu e estuda em Vila Real, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Para o estudante, “as propinas deviam, pelo menos, ser reduzidas e devia haver um limite no preço das rendas, para que as casas se tornem mais acessíveis para os estudantes.”
“Independentemente de onde estudamos, estas causas são nossas e é por isso que vimos de longe. Pago uma casa bastante cara, partilho uma vivenda com nove pessoas e cada um paga mais de 220 euros”, contou.
Da Serra da Estrela, Camila Torgal, vice-presidente da Associação Académica da Universidade da Beira Interior (AAUBI) da Covilhã, vincou que “os problemas no ensino superior são transversais” e “no interior também se sente o problema da falta de alojamento, da falta de camas e de ação social.” A habitação e o alojamento estudantil "têm de ser uma prioridade, tal como o pagamento atempado das bolsas”, disse, deixando um novo recado ao próximo Governo.
Oriunda do Porto, Joana Machado assinalou a luta por “um ensino superior público, gratuito, democrático e de qualidade” a cerca de um mês do aniversário do 25 de Abril, apontando para as dificuldades financeiras como um dos entraves ao crescimento dos jovens. “Há muitos alunos que ficam de fora do ensino superior por não poderem pagar propinas ou por não encontrarem casa, há poucas cantinas, o número é insuficiente. E nos 50 anos do 25 de Abril, torna-se imperativo lutarmos por aquilo que Abril nos deu e que tanto custou a conquistar”, afirmou.
A estudante de mestrado de 22 anos ecoou os pedidos para o fim das propinas, contando que, em casos como o seu, onde “as propinas de mestrado não têm um valor máximo definido pelo Estado”, estas “acabam por atingir valores exorbitantes”. “Pago mais de 1600 euros e torna-se muito difícil conseguir pagar isto e acabar um mestrado que é essencial para aceder à profissão”, lamentou.
Manifestação de estudantes em Lisboa.
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Renovação de residências e repúblicas é “urgente”
Já no final da marcha em Lisboa, com um grupo de fados de Coimbra a cantar a saudade académica em frente às escadas da Assembleia da República, Margarida Isaías aludiu à instabilidade política e ao processo de formação do novo Governo, e advertiu que os estudantes não estão alheios à situação económica do país.
“Esta instabilidade política que vivemos preocupa-nos, especialmente em relação à questão do alojamento, à execução do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e à construção de novas residências. É preciso criar mais residências públicas, e as que existem estão muito debilitadas, há anos sem reabilitação, é urgente recuperá-las. É de extrema importância dar melhores condições de alojamento aos estudantes universitários, em particular no Minho”, defendeu.
A presidente da AAUM acrescentou que se as cidades com universidades tiverem “melhor mobilidade, melhores transportes”, também existe a “possibilidade de ter estudantes em zonas mais longe da universidade, e um transporte acessível ajudaria”.
Manifestação de estudantes em Lisboa.
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David Lafuente, bolseiro de investigação no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, também criticou os “preços puramente especulativos” das casas na capital, e aproveitou para apelar a uma maior atenção para a precariedade de muitos investigadores científicos.
“É preciso o fim das propinas, que dificultam o acesso de muitas pessoas ao ensino superior; mais ação social, inclusive alimentação e alojamento; e converter todas as bolsas de investigação científica em contratos”, disse Lafuente, de 25 anos.
Para Matilde Lopes, a forte mobilização e celebração em frente ao Parlamento é “fundamental, porque os jovens são o futuro do país”. “E se não reivindicarmos os nossos direitos, vamos acabar por perdê-los todos”, alertou.
A estudante de 19 anos, de Santarém e a estudar em Coimbra, apontou também para o problema específico do “pouco de financiamento em ação social” nas repúblicas universitárias na cidade, que se encontram muito degradados, que “resultam na falta de capacidade de pagar comida e dar condições” aos alunos que vivem nestes locais.