Abusos

Igreja não vai afastar para já padres suspeitos de pedofilia

Igreja não vai afastar para já padres suspeitos de pedofilia
PAULO CUNHA/Lusa

Comissão independente de Pedro Strecht entregou esta sexta-feira de manhã à Igreja uma lista com cem padres suspeitos. No final da tarde, em conferência de imprensa, o bispo José Ornelas, da Conferência Episcopal Portuguesa, diz que alguns nomes da lista são de padres já falecidos. “É uma lista de nomes. Sem outra caracterização. Torna-se difícil a investigação. Exige redobrados esforços e vai ser analisada pela Igreja”. Revelou que será criada uma nova comissão independente para ouvir vítimas de abusos de padres mas não indicou quem estará à frente dessa próxima comissão

Esta sexta-feira, a Igreja apresentou as medidas para atacar o problema da pedofilia entre padres depois da reunião dos bispos em Fátima. Da parte da manhã, o pedopsiquiatra Pedro Strecht entregou à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) uma lista de cem padres suspeitos no ativo.

O secretário da CEP, o padre Manuel Barbosa, iniciou a conferência de imprensa, lembrando que em novembro de 2021 foi decidida pelos bispos a criação da comissão independente para estudar os abusos na Igreja católica. “É ao encontro das vítimas que queremos ir.” Mais uma vez, pediu “perdão às vítimas” e garantiu que a Igreja tudo vai fazer para que os abusos não se voltem a repetir. E anunciou a criação de um memorial às vítimas na Jornada Mundial da Juventude. Garantiu também apoio psicológico a vítimas. Falou de novo em “tolerância zero” aos abusadores. Manuel Barbosa adiantou ainda que a lista com o nome dos padres abusadores terá o “devido seguimento” por parte da Igreja.

Seguiu-se o bispo José Ornelas, que respondeu a algumas perguntas dos jornalistas. “Está prevista uma comissão articulada com o grupo específico da coordenação nacional. A comissão terá um caráter de independência, credibilidade perante as vítimas para acolher o testemunho delas. A CEP estará por trás.” José Ornelas não revelou no entanto quem estará à frente da próxima comissão.

Sobre medidas concretas a abusadores, Ornelas lembra que a lista de padres suspeitos da comissão independente de Pedro Strecht foi entregue às dioceses. “É uma lista de nomes. Sem outra caracterização. Torna-se difícil a investigação. Exige redobrados esforços.” Primeiro “tem que se saber quem são os padres depois logo se verá se são afastados da Igreja”. E acrescentou: “Nós não estamos no fim de um processo. Esta reunião de hoje com a comissão independente foi limitada no tempo. Recebemos e dialogámos com a comissão independente.”

Lembrou que esta não foi uma comissão de investigação mas de estudo. "É preciso outros elementos que não estão nesta lista.” Estes dados “não foram de investigação criminal mas de estudo”.

Sobre as denúncias às comissões diocesanas, menos de 30, serem baixas em relação às mais de 500 à comissão independente, José Ornelas referiu: “Queremos que não falte meios a quem quer que precise de apoio.” Seja por via das comissões da Igreja como da comissão independente."

Acerca da pressão de grupos católicos que pediam o afastamento dos padres suspeitos e dos bispos suspeitos de encobrimento, José Ornelas diz: “Não compactuamos com situações destas nem embarcamos em qualquer denúncia de encobrimento. Ninguém é acusado ou culpado antes do processo ser transitado por um juiz. Temos de encontrar esses casos e ver a verdade dos factos. Primeiro é preciso ser analisado. A maior parte dos abusados nunca falou a ninguém e muito menos à Igreja. A própria noção de encobrimento no Direito português é difícil de colocar. Cada caso tem de ser estudado. O Direito canónico também o diz. Não basta falar. É preciso que seja algo sustentado.”

José Ornelas voltou a repetir: “Não basta dizer. Qualquer coisa tem de partir de uma base sólida. Também para julgar a moralidade e a ética das decisões que se toma”, acrescenta.

“É uma das questões fundamentais” saber se um padre que esteja no ativo possa vir a repetir os crimes ou anular provas. “Mas só com a lista de nomes é muito difícil saber mais pormenores. Não vou tirar uma pessoa do ministério só porque alguém disse que este senhor abusou de alguém. Enquanto não for minimamente provado…”

“Para termos elementos necessários para dar andamento ao processo, a não ser que já temos evidência de algum caso, precisamos de dados. A lista só tem nomes. Às vezes só tem um nome. Tem um Albino. Vamos ver nos arquivos os Albinos que temos. Esses nomes que eu encontrei são de gente falecida.” O bispo de Fátima revela assim que alguns nomes da lista são de padres já falecidos.

José Ornelas não revela o total de nomes de padres suspeitos de abusos da comissão independente, argumentando que cada diocese recebeu a sua lista de nomes: “Não temos as circunstâncias. Só uma lista de nomes. Só analisando caso a caso é que se pode saber o quê.”

Quanto ao apoio às vítimas a questão das indemnizações “é clara” no Direito civil e canónico: “se há um mal que é feito por alguém esse alguém é que é responsável.” Mas assegura que “ninguém vai deixar de ter acesso a tratamento por falta de meios”.

“A gente não pode querer um círculo quadrado. Se foi permitido o anonimato das vítimas não vamos querer agora saber quem é a identidade das pessoas”, assume José Ornelas, que lembra que o que se passa na Igreja “é um reflexo do país”.

“Nós damos muita importância ao relatório. Vamos analisar nome a nome dos alegados abusadores. Tomaremos as devidas medidas quando percebermos o que fez de errado”, acrescenta o bispo. “Queremos fazer Justiça. E fazer justiça às vítimas, para que não se repitam estes abusos.”

José Ornelas diz não saber a quantas dioceses foram entregues as listas com nomes de padres suspeitos. Sabe apenas que pelo menos à das Forças Armadas não foi indicado qualquer caso, “até porque não tem crianças”.

O bispo enaltece as vigílias de grupos de católicos em nome das vítimas e que pedem o afastamento de suspeitos. “São sempre muito bem vindas.” E garante que tem havido comunicação sobre este dossier com o Vaticano. “Estamos sempre em contacto com as conferências episcopais da Europa. Estamos a debater isto”, afiança.

Para nós não é uma mão cheia de nada. As decisões não podiam ser anunciadas hoje. Ditámos uma série de direções onde é preciso trabalhar. E que tem como base prioritária as vítimas. E que se evitem novas vítimas”, frisou quase no final da conferência de imprensa. “É um problema que diz respeito a todos. Fizemos o possível e o impossível todos juntos. O caminho no interior da CEP de transparência dos processos vai continuar. É preciso mudar uma cultura na Igreja e na sociedade.”

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