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“Criei uma empresa no Dubai para não pagar impostos. Digo abertamente, é uma metodologia comum”, diz o empresário “amigo” de Miguel Alves

“Criei uma empresa no Dubai para não pagar impostos. Digo abertamente, é uma metodologia comum”, diz o empresário “amigo” de Miguel Alves
Ana Baiao

Ricardo Moutinho, o empresário por detrás do polémico Centro de Exposições Transfronteiriço de Caminha, mostrou-se disponível para ser confrontado pelo Expresso sobre a sua relação com Miguel Alves, o autarca que se tornou secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. “O doutor Miguel Alves está a sofrer uma injustiça sem palavras”

Como conheceu Miguel Alves?
Conheci o dr. Miguel Alves porque, depois de termos detetado uma oportunidade de negócio que falhou no município da Guarda, a nossa equipa comercial decidiu começar a vender a mesma solução a vários municípios. O ciclo político é curto, são quatro anos, todos os autarcas querem investir, deixar a sua marca, ganhar as próximas eleições, tão simples quanto isso, e nós percebemos que havia muitas câmaras que depois da troika ficaram num contexto de endividamento que era altamente desfavorável. Existe uma coisa no Tribunal de Contas que são os rácios de endividamento que impedem as câmaras de fazer mais dívida para financiar novos projetos.

Contactaram quantos municípios?
Dezenas de municípios, de norte a sul do país. Tivemos reuniões com presidentes de câmara em mais de 20 municípios. Porque é que falei da Guarda? Na Guarda foi detetada uma oportunidade de negócio concreta, com um investidor que concebe, constrói e arrenda. O que é que o município ganha com isto? Não tem de se endividar. O endividamento é feito pelo privado.

No caso específico de Miguel Alves, como o conheceu?
Conheci-o na sequência desses contactos comerciais.

Não foi apresentado por ninguém?
Não. Não fui apresentado por absolutamente ninguém.

Enviou-lhe um e-mail?
Exatamente, um e-mail que enviámos de caráter comercial. Tínhamos o projeto de arquitetura da Guarda, que fracassou e onde gastámos 50 mil euros. Tínhamos o projeto, tínhamos um modelo de negócio, o CET, Centro de Exposições Transfronteiriço. Então, o que fizemos? Fomos ao Pordata e vimos os municípios onde o CET fazia sentido.

E o que é que aconteceu a seguir?
O dr. Miguel Alves respondeu-me, confirmou a sua disponibilidade e marcámos uma reunião. E foi aí, presencialmente, nessa reunião nos Paços do Concelho, que nos conhecemos e falámos pela primeira vez.

Quando é que enviou esse e-mail?
Foi, salvo erro, em abril de 2020.

Esteve presente numa reunião na Câmara de Caminha, em setembro de 2020, para falar do projeto. Como se apresentou nessa sessão?
Nunca tinha estado numa reu­nião de câmara. Apresentei-me como um empresário que tinha várias empresas. De facto, verifica-se uma imprecisão nessa [ata de reunião]… ou minha ou da transcrição. Vou assumir ser minha, para não culpar ninguém. Digo que o financiador do projeto é a Green Endogenous, o que é errado.

Quem é o financiador do projeto?
É a Greenfield.

Falou nessa reunião sobre investimentos a que está ligado. Disse que essa empresa-mãe, a Greenfield, tem investimentos fora de Portugal.
E corresponde à verdade.

Mas é verdade o que vem na ata da reunião que o seu grupo de empresas tem investimentos em mais de 20 aeroportos, num montante global de 1,2 mil milhões de euros?
Tem uma carteira de ativos. Trabalhei na banca de investimento e uma das empresas do grupo...

Li num jornal local, depois dessa apresentação em Caminha, que a Greenfield, a tal empresa-mãe, foi constituída no Luxemburgo.
Certo. Nós temos uma empresa constituída no Luxemburgo precisamente no contexto da gestão de ativos.

Nós quem?
Eu e a minha equipa. Eu, o Ricardo Moutinho e a minha equipa.

Mas o acionista dessa empresa no Luxemburgo é o Ricardo?
Sim, exatamente.

No registo de beneficiários efetivos do Luxemburgo não há nenhuma Greenfield que tenha o Ricardo Moutinho como dono. Como explica isso?
Como explico isso? Olhe, não sei explicar isso, mas posso facultar-lhe essa informação.

Vi num direito de resposta noutro jornal local que o Ricardo aparece como CEO de uma Greenfield FZCO, que é uma companhia do Dubai.
É uma empresa no Dubai. Temos mais de 500 empresas criadas pelo mundo. É uma entidade criada apenas por motivos de eficiência fiscal.

Há quanto tempo?
Foi criada em junho de 2022. O objetivo dessa empresa é precisamente acabar com essa desagregação das empresas-veículo. Queremos centralizar todas as empresas numa única holding. Estamos a mudar gradualmente as participadas para a Greenfield FZCO.

Quando diz eficiência fiscal, isso significa não pagar impostos?
Certo. Digo isso abertamente porque é uma metodologia comum.

O seu grupo tinha capitais próprios para investir no Centro de Exposições Transfronteiriço em Caminha quando apresentou a proposta?
A Green Endogenous é uma empresa que não pode ter capitais próprios nem pode ter experiência anterior, porque é uma entidade-veículo. Cabe aos promotores encontrarem os capitais próprios necessários através de outros negócios. Tenho outros negócios que não consolidam com a holding. Tenho dois restaurantes, uma exploração agropecuária, participações pessoais em projetos industriais, uma pequena cadeia de supermercados.

Não teria problemas em arranjar os oito milhões anunciados?
Exatamente.

Por que precisava de 300 mil euros de rendas adiantadas?
Não há nenhum contrato de arrendamento em que seja o senhorio, ou neste caso o promitente senhorio, a entregar garantias ao inquilino. O adiantamento de rendas é um sinal de que a câmara se vai juntar a esse projeto e que o projeto irá mesmo acontecer.

Qual era o prazo para entregar o pavilhão a partir do momento em que foi assinado o contrato?
Há uma primeira fase em que temos um prazo para apresentar um PIP [Pedido de Informação Prévia], há outra fase em que temos um prazo para comprar o terreno e outra em que temos outro prazo, que julgo serem 500 dias, para construir. Há uma sequência.

Entretanto, comprou 33 terrenos, num total de 10 hectares, para a construção do centro. Quanto é que gastou nesses terrenos?
Gastei cerca de 650 mil euros.

Quando é que foi a última vez que falou com Miguel Alves?
A última vez que falei com o dr. Miguel Alves foi hoje [terça-feira, 8 de novembro].

O que falou com ele?
O dr. Miguel Alves está a passar por um momento difícil, um momento profundamente injusto, e eu sinto-me na obrigação, de alguma forma, de o ­apoiar nesta situação. Não tenho nenhum problema em dizer que falo e falarei com o dr. Miguel Alves — aconteça o que lhe acontecer — para sempre. E que o considero um amigo e lamento imenso aquilo por que está a passar. Considero que está a sofrer uma injustiça que não tem palavras.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mrpereira@expresso.impresa.pt

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