31 dezembro 2022 11:01

gaye su akyol
No laboratório da artista turca Gaye Sy Akyol encontramos “pop-folk da Anatólia, música clássica turca, rock psicadélico turco, pós-punk, jazz, surf e umas pitadas de disco e de música africana”
31 dezembro 2022 11:01
Sem que se tenha dado muito por isso (sempre melhor do que irromper num foguetório de hype que, mal explode, logo se fina), alguma da mais surpreendente música dos últimos anos tem surgido no exterior das habituais coordenadas anglo-americanas.
Do ótimo “Songs of Our Mothers” (2019), da afegã Elaha Soroor, a “Vulture Prince” (2021), da saudita-paquistanesa Arooj Aftab, ou a “Roya” (2022), da israelo-iraniana Liraz — por coincidência (ou não), três mulheres oriundas de quadrantes onde a condição feminina é encarada sob uma perspetiva menos que medieval —, não houve muita outra música que tivesse valido tanto a pena descobrir. Exceções apenas (também no exterior das fronteiras do “império”) para aquela que a selvática invasão russa da Ucrânia nos chamou a atenção — os belíssimos Folknery, DakhaBrakha, Torbãn, Dakh Daughters, ou Joryj Kloc — e para o inesgotável universo sonoro da China contemporânea. Abra-se alas, então, para a turca Gaye Su Akyol, autora de “Anadolu Ejderi” (Dragão da Anatólia). Ela própria explica como, durante os anos de peste pandémica, encerrada em casa, escreveu para cima de 100 canções: “Senti-me como uma cientista lidando com uma reação química que expandia os géneros que conhecia: pop-folk da Anatólia, música clássica turca, rock psicadélico turco, pós-punk, jazz, surf e umas pitadas de disco e de música africana. É um meteoro turco: sangue, suor e lágrimas numa paisagem de cavalos selvagens.” Celebrando o metafórico despertar do dragão adormecido (“Vivemos um clima político no qual a luta pela identidade feminina é revolucionária. A única resistência só pode ser uma ação coletiva”), estas “histórias para o futuro” narradas sobre filigrana psicadélica de guitarra, baixo, bateria, violino, baglama, cümbüş e sazbüş, são o empolgante manifesto de quem se apresenta como “uma nadadora olímpica numa piscina cheia de lâminas”. / JOÃO LISBOA