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"As pessoas não podem estar satisfeitas com o Governo", reconhece Costa, que normaliza tensão com Marcelo e contestação

"As pessoas não podem estar satisfeitas com o Governo", reconhece Costa, que normaliza tensão com Marcelo e contestação
Pedro Rebelo Pereira/SIC

Em entrevista à SIC, o primeiro-ministro acentuou a responsabilidade dos municípios na execução de políticas de habitação. Assumiu que não gosta de tudo o que o Presidente diz, mas diz que é normal a tensão entre órgãos de soberania de partidos diferentes. E também se manifesta compreensivo com a contestação social

O Governo tem a pior avaliação na sondagem Expresso/SIC, o PS desce 7 pontos e empata com PSD e o primeiro-ministro reconhece: “As pessoas não podem estar satisfeitas com o Governo.” Quase a terminar a entrevista que deu esta quinta-feira à noite na SIC, António Costa aponta a inflação, os problemas de habitação e de aumento do custo de vida para justificar o descontentamento com o seu Governo que, em apenas um ano, passou de 65% de avaliação positiva para 64% de opiniões negativas.

Não me surpreende que, depois de um ano tão dificil e tão exigente, tenhamos um resultado destes”, respondeu António Costa quando confrontado com os resultados da sondagem. Já não foi, contudo, confrontado com a variação nas intenções de voto. “É preciso ter consciência daquilo que os portugueses estão a enfrentar. Não havia uma inflação assim há 30 anos. E a maioria dos portugueses não ganha o que nós ganhamos”, disse o primeiro-ministro para Clara de Sousa.

Numa entrevista em que dois terços do tempo foram usados para o tema do dia - o Plano Mais Habitação, aprovado no Conselho de Ministros e explicado numa conferência de imprensa de duas horas -, Costa foi mais do que uma vez questionado sobre as relações com o Presidente da República. Primeiro, a propósito do pacote para a habitação, que motivou várias trocas de recados entre ambos na semana passada, com o Presidente a fazer críticas e ameaças de veto.

“Não gosto de comentar o que fazem outros orgãos de soberania, nem condicionar os outros órgão de soberania. Faço aquilo que me compete. O Governo tem um conjunto de propostas e apresentou-as”, disse o primeiro-ministro sobre um eventual veto do PR. Mais uma vez lembrou que Governo e Presidente têm funções diferentes e tempos também diferentes, mas em tom mais suave do que tinha feito na semana passa no Parlamento.

“Tenho esperança que outros acreditem na bondade destas medidas. Mas a visão da bondade é plural. A relação entre órgãos de soberania não se degrada” por causa disso, assegurou Costa para quem as discordâncias são normais e não prejudicam “a boa convivência institucional” que acredita existir. “Ninguem pressupõe que estejamos sempre de acordo”, disse mais à frente e falando já em termos gerais o primeiro-ministro que não se recorda de nenhum período em que entre uma maioria de um partido e um Presidente de outro “tenha havido uma relação tão feliz e normal”.

Neste quase 8 anos que já levam de exercicio de funções, “terei dito coisas que ele não gostou, ele também disse coisas de que não gostei”, assume o primeiro-ministro, que admite mesmo: “Essa parte tenho a certeza.”

Evitar novos congelamentos

Ao longo da entrevista, o primeiro-ministro disse várias vezes que a contestação social é normal. Tanto quando se falou dos protestos que marcaram as duas horas de conferência de imprensa que tinha dado em Almada umas horas antes, como quando confrontado com as queixas dos professores. O primeiro-ministro garante que entende a “revolta” e “frustação” dos docentes pelas promessas por cumprir dos anteriores executivos, mas defende que não quer juntar-se a eles: “Não me peçam para fazer aquilo que não tenho a certeza se posso garantir.”

Darei os passos que tenho a certeza que posso dar, que tenho a certeza que não criam uma situação de injustiça com outros funcionários públicos e que garanto que, em caso algum, teremos de votlar a congelar a carreira”, disse o primeiro-ministro, que começou por lembrar as conquistas como o fim do regime de “casa às costas”. Sobre o descongelamento do tempo de serviço, António Costa voltou a usar o argumento de ter sido um dos poucos governos que não voltou a congelar a carreira dos professores, mesmo em período de crise. “Temos de assegurar que não criamos uma situação onde estas carreiras voltem a ser congeladas”, defende

O primeiro-ministro lembrou as medidas direccionadas aos “60 mil professores” que tinham as carreiras congeladas há “nove anos”: “retirar-lhes as quotas de acesso ao quinto e sétimo escalão”. Para quem “nunca esteve parado” há ainda um acréscimo de “um ano” à carreira. “É um mecanismo de aceleração”. Estas medidas, diz António Costa, devem ser aplicadas para professores, mas também para a restante função pública.

No que diz respeito ás mais recentes medidas de apoio aprovadas pelo Governo, o primeiro-ministro admitiu os riscos, mas disse acreditar em produtores e distribuidores no que diz respeito ao IVA zero: "Há riscos, mas tenho de assumir que quem assinou o acordo o fez de boa fé”. E acrescentou que não pode estar num constante clima de “suspeição” com os restantes parceiros. O primeiro-ministro explicou ainda que o IVA zero obriga o Estado a “prescindir” de 400 milhões de euros, os retalhistas a “acomodar e reduzir margens” e os produtores a fazer o “esforço” para conter subida de preços. “Se todos fizermos esse esforço conseguimos travar a inflação e ajudar as famílias”, acredita.

Responsabilidade aos municípios

Já no que toca ao Programa Mais Habitação, o primeiro-ministro justificou várias das medidas que tinha estado duas horas antes a anunciar na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, mas sobretudo colocou mais responsabilidade nos municípios na execução das propostas de lei aprovadas esta quinta-feira.

“A lei dá ferramentas aos municípios e os municípios são autónomos para a aplicar” - disse o primeiro-ministro sobre a medida mais polémica do Plano Mais Habitação: o arrendamento forçado. “O dever do Governo é dar as ferramentas aos municípios para a gestão do seu território”, continua Costa, remetendo cada vez mais para os municípios a responsabilidade para aplicar esta medida.

Só no caso de os municípios não quererem usar esse mecanismo, é que a medida passa a ser aplicada pelo IRHU (Instituto para a Reabilitação e Habitação Urbana). “O que o Estado não deve fazer é retirar aos municípios essa opção”, insistiu, confrontado com as críticas do municípios que criticam a medida e, sobretudo, as intenções já manifestadas pelos presidentes de Lisboa e Porto de não virem a usar o arrendamento coercivo.

A mesma responsabilização no que diz respeito ao alojamento local (AL). Os municípios que assim decidirem, garante, podem manter as licenças de AL. “As licenças vão ter reapreciação de cinco em cinco anos”.

O Governo, justificou, teve de intervir nas licenças do AL devido ao “número de casas retiradas ao mercado de arrendamento para passarem para o AL”. "Tivemos de intervir para diminuir a pressão até dar tempo para que haja um novo equilibrio na oferta habitacional do país", continuou novamente com recurso ao mapa que levou para a entrevista e que fazia parte da apresentação da conferência de imprensa desta quinta-feira.

A prioridade, garante, são as famílias, os jovens e que o país “continue a progredir”. Quanto a Moedas, o presidente da Câmara de Lisboa que tem manifestado grande oposição às medidas do Governo, Costa considera “maravilhoso” que este esteja a desenvolver uma medida autónoma para o AL. E lembrou que cada município pode e deve participar ativamente na discussão das medidas para a habitação.

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