Política

“Até António Costa deve achar graça”: a campanha do IKEA sobre a Influencer é politizada, arriscada ou só bem-humorada? E que impacto terá?

“Até António Costa deve achar graça”: a campanha do IKEA sobre a Influencer é politizada, arriscada ou só bem-humorada? E que impacto terá?
Uzina

A diretora criativa responsável e o IKEA garantem ao Expresso que não há “qualquer intenção de contribuir para o debate partidário e para o atual contexto pré-eleitoral”. Mas em que riscos incorre uma marca quando usa o contexto político na publicidade? É incomum? Foi bem sucedida? Eis o que dizem os especialistas

Cinco palavras, um número e a imagem de uma estante: esta é a base da campanha do IKEA que desde que chegou aos mupis das cidades nacionais, esta quarta-feira, tem dividido opiniões. “Boa para guardar livros. Ou 75.800€”, é a uma das frases que figura nos quatro cartazes que começaram a ser distribuídos ainda na semana passada.

Mas será uma campanha publicitária só uma campanha publicitária quando faz alusão ao caso que esteve na origem da queda do Governo, sobretudo quando o país é mergulhado numa nova corrida eleitoral?

“De facto, o Chega não precisa de fazer campanha”, comenta Luís Paixão Martins com o Expresso. O especialista em comunicação política, responsável pelas campanhas que deram as maiorias absolutas ao PS, foi uma das vozes mais críticas que se multiplicaram em comentários na rede social X. Mas não foi o único – e nem todos foram tão críticos.

Em causa está a campanha da multinacional sueca, que visava anunciar uma redução dos preços e que faz alusão à Operação Influencer. Mais especificamente, menciona os 75.800 euros encontrados no gabinete de Vítor Escária.

Face à polémica, o IKEA apressou-se a garantir que a campanha não tem “qualquer intenção ou propósito de contribuir, seja de que forma for, para o debate partidário e para o atual contexto pré-eleitoral”.

A mesma ideia é reforçada por Susana Albuquerque, diretora criativa da Uzina, a agência de publicidade responsável pela criação dos cartazes. “Não há nenhuma intenção partidária, não há uma associação a um partido X ou Y, não há de todo essa intenção de fazer apologia desta ou daquela cor partidária.”

Porém, sublinha, que “isto faz parte da cultura popular do momento e do contexto que se está a viver, que neste caso é um contexto político”. “E foi sobre isso que que nós trabalhamos para passar uma mensagem muito simples, claro, e dentro dos valores da marca”, diz Susana Albuquerque.

Sentido de humor faz parte do ADN de marca

Para explicar a campanha, Susana Albuquerque começa por enunciar que o IKEA tem no seu ADN de marca duas especificidades que o “caracterizam muito” e que constam das diretrizes internacionais recebidas por quem trabalha a marca. A primeira é que “a publicidade da IKEA poucas vezes fala muito tecnicamente sobre o produto”. “Fala muito mais sobre o contexto e os benefícios que esse produto tem na vida das pessoas.” A segunda é o sentido de humor: a comunicação carateriza-se por “ser bem humorada, uma coisa leve e brincalhona”.

Neste contexto, o briefing que a Uzina recebeu foi claro. “Para comunicar esta nova onda de baixa de preços que fizeram nestes produtos, pediram-nos para fazer comunicação em outdoor, em mupi, que conseguisse brincar de alguma forma com um contexto da sociedade.”

“Isto é uma coisa que, tecnicamente, se fala muito hoje em dia na publicidade, que é a publicidade contextual, que está em cima dos assuntos da sociedade e em que a marca, desde que tenha alguma relevância para falar sobre o assunto e algum sentido de oportunidade, pode de alguma forma falar sobre aquilo que se está a passar na cabeça das pessoas e que está a acontecer na sociedade. E, portanto, aquilo que nós fizemos foi exatamente isso”, acrescenta Susana Albuquerque.

Mais, a campanha em causa não se esgota no cartaz no mupi que faz referência à Operação Influencer. “Foi uma campanha com várias execuções, em que brincamos com alguns assuntos do momento, seja a geringonça, as coligações, a inflação e um caso de alegada corrupção, que praticamente fez cair um governo. Sendo uma das estrelas desse incidente a corrupção uma estante, era tentador brincar com isso e foi isso que nós fizemos.”

Contudo, a publicitária garante que a empresa não faz campanhas “com o objetivo de estas se tornarem virais, no sentido de querer a polémica pela polémica”. “Era nosso desejo que as pessoas parassem, reparassem e achassem graça na rua.” E acrescenta: “Viralizar, é algo que não conseguimos controlar. Quando uma campanha viraliza, às vezes as coisas têm um impacto que nós não estamos à espera. Isto para dizer que a campanha não foi feita para viralizar, mas sim para chegar ao maior número possível de pessoas e sobretudo para chegar com alguma graça e conseguir comunicar.”

Por outro lado, defende o uso do humor. “As pessoas estão um bocadinho sedentas de graça. Está tudo tão cinzento, tão preocupado, com tanto medo do backlash [consequências]. Hoje em dia, de facto, não se pode dizer nada e isso faz com que as marcas e as pessoas em geral tenham muito cuidado com tudo o que dizem. Isso faz com que as pessoas estejam um bocadinho sedentas de desanuviar e de poderem dar uma gargalhada sobre a actualidade.”

Mas não é a primeira vez que este lado mais irreverente e brincalhão da marca faz virar cabeças em Portugal. No final do ano passado, outra campanha da IKEA com a Uzina, desta vez para anunciar a abertura do Estúdio de Planificação na Madeira, brincou com um dos símbolos locais (o pau da poncha, coloquialmente conhecido como “caralhinho”). Em 2022, a campanha “O design é para todos” resultou também em várias execuções, incluindo um cartaz com o mote “1 em cada 10 europeus foi concebido numa cama IKEA”? É provável.”

Este ADN já gerou também polémicas noutros países. Em 2017, na China, a marca pediu desculpa por um anúncio televisivo que mostrava uma mãe a repreender a filha por não levar o namorado a casa para conhecer os pais, relata a BBC. Em 2018, uma publicidade numa revista sueca gerou polémica por oferecer testes de gravidez para incentivar as novas mães a aderir ao plano familiar e obter descontos em berços, conta a BNN Bloomberg.

Uma campanha arriscada?

Mas será que, do ponto vista comunicacional, esta foi uma campanha arriscada? Para os especialistas ouvidos pelo Expresso, sim. Mas isso não quer dizer que tenha corrido mal.

“Esta campanha está a ter os resultados que qualquer marca ambiciona ter. E pelos indicadores que estou a ver deve ser uma campanha muito bem sucedida, eficiente e eficaz. Há sempre um risco associado a estas campanhas e há uma miríade de fatores que podem influenciar a interpretação no momento em que a campanha vai para o ar”, considera o consultor em comunicação política, António Marques Mendes.

Reconhecendo que há efetivamente o risco de “rejeição, boicote, cancelamento e de acusações de parcialidade”, o especialista não deixa de considerar que a “campanha vai buscar valor precisamente à atualidade e significado ao contexto pré-eleitoral”. Assim, “ou era agora ou nunca.” “Falar sobre os 75800 noutro momento e de forma séria não teria impacto, neste âmbito e neste momento e da forma descontraída como aparece, julgo que é de oportunidade”, analisa.

O professor de ciência política do ISCTE José Santana Pereira corrobora. “O risco existe, e de facto foi a isso que assistimos desde que esta campanha publicitária ganhou visibilidade nas redes sociais”, considera José Santana Pereira. “No caso das minhas redes, tanto vi pessoas que sei serem de direita satisfeitas, como pessoas de esquerda muito incomodadas, colando a empresa ao Chega, algumas até indo buscar a história do passado nazi do fundador da IKEA.”

No entanto, porque a campanha inclui outros mupis “que sugerem que os partidos, sozinhos ou coligados, aparentemente precisam de aquecimento e que uma geringonça é uma coisa boa, tanto que a IKEA tem a sua (contra o frio)”, esta acaba a ser “até bastante equilibrada, numa lógica de ‘uma no cravo e outra na ferradura’”.

Também para António Marques Mendes é esse o equilíbrio necessário para “minimizar” os riscos da campanha. “Por exemplo, lançar esta peça sobre os 75800, mas outras, por exemplo, sobre a necessidade de decoração de casas novas em Espinho ou algo assim, que mostrassem que o eixo estratégico da campanha não é colar a um partido ou uma fação, mas sim a marca (ou seja: simplicidade, descontração, irreverência, bom humor, respeito sem pisar linhas, com um tom mais jovem e menos conservador)”.

O consultor considera que nenhuma regra ou boa prática foi quebrada com esta publicidade e lembra que “noutros países é relativamente comum as marcas aproveitarem-se dos momentos políticos” e “não é uma aposta invulgar nem para Portugal, nem para a marca”. “Em Portugal, em geral, o humor funciona bem e traz geralmente resultados na comunicação. Os portugueses gostam de se rir das situações e julgo que até o Dr. António Costa, com a distância já existente dos acontecimentos, deve achar graça a esta campanha”, acrescenta.

Surfando a onda iniciada pelo IKEA foram várias as marcas (incluindo Gato Preto, Staples, Moviflor, Penguin Random House e Placard) que nas horas seguintes fizeram publicações nas redes sociais com mensagens semelhantes. Mas importa também lembrar que esta não é a primeira vez que marcas presentes em Portugal apanham a boleia dos momentos políticos mediáticos. É o caso da campanha da Super Bock “Gastámos tudo em copos”, lançada na sequência das declarações polémicas de Jeroen Dijsselbloem, o então presidente do Eurogrupo que em 2017 insinuou que os países do sul da Europa gastavam tudo em “copos e mulheres”. Ou o cartaz da Limiano “Aprovado por Maioria”, na sequência do Orçamento de Estado do governo Guterres que no início do milénio ficou conhecido como o “Orçamento Limiano”, depois de ser aprovado com o acordo do deputado Daniel Campelo.

Irá o impacto além da “bolha”?

Questionado sobre que outros impactos poderá esta campanha ter para a IKEA, António Marques Mendes acredita que “há má publicidade para uma marca com toda a certeza e o caso da Primor na Blue Monday é um bom exemplo”. Porém, na opinião do especialista, “não é este o caso”. “Esta é uma boa campanha que não ultrapassa os limites, faz humor e bom humor e ainda por cima com resultados. A campanha contribuiu por certo para um reforço junto do target do património e reputação da marca.... muitos poderão nem fazer a ligação ao universo político.”

Quanto a consequências no panorama político, o consultor aponta que “esta vaga da campanha vai acabar brevemente” e diz ter dúvidas que o “tenha outro impacto que não seja um aumento da estima pela marca e um reforço da predisposição para consultar as ofertas de estantes que eles estão a fazer.” “A nível político não acredito que venha a ter qualquer impacto. Mal seria se os políticos utilizassem isto. Acho que o país exige aos políticos nesta altura seriedade, visão, ambição e projeto, e poucas referências a campanhas publicitárias de marcas comerciais.”

José Santana Pereira partilha da mesma opinião. “Há uma pequena bolha muito politizada e interessada em política e que se posicionou de forma favorável ou desfavorável face à campanha nas redes sociais, aplaudindo ou criticando com argumentos políticos.” Contudo, “para a maioria das pessoas, esta campanha causou interesse por causa do inusitado, abriu sorrisos e gerou boa disposição. Meteu as pessoas a falar da IKEA, que é o que a marca queria, e não do caso dos 75.800 euros de que toda a gente já ouviu falar inúmeras vezes nos últimos meses. Se perder alguns poucos clientes politizados e desagradados, ganhará outros poucos politizados e que gostaram, e se calhar muitos que apreciaram acima de tudo do arrojo da empresa.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: calmeida@expresso.impresa.pt

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