Crédito à habitação: Costa diz que subida das taxas de juro é opção do BCE e sugere audição de Centeno
MIGUEL A. LOPES/lusa
Conselho de Ministros da próxima semana vai ser exclusivamente dedicado ao tema da habitação. António Costa sugere ao Parlamento que chame o governador do Banco de Portugal para analisar dados sobre impacto da subida dos juros nos créditos à habitação
As perguntas tinham chegado das bancadas da esquerda. Tanto Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, como Paula Santos, do PCP, questionaram esta quarta-feira o primeiro-ministro sobre o que vai o Governo fazer para compensar o aumento brutal das taxas de juro, que tem impactos dramáticos nos créditos à habitação das famílias. “As prestações aumentam 100, 200, 300 ou 400 euros, ao mesmo tempo que a banca obtém lucros escandalosos (…) os encargos são insuportáveis face aos magros salários”, disse a líder parlamentar comunista, pegando numa declaração do presidente do banco Santander para questionar o primeiro-ministro: “Também acha que os portugueses continuam com um padrão de consumo elevado a jantar fora à sexta-feira?".
“A Comissão Europeia reconhece que a política monetária do BCE é suscetível de prejudicar os trabalhadores e as famílias”, continuou Paula Santos. Mariana Mortágua completaria: “Ao mesmo tempo que o Governo celebra o estrondoso sucesso do PIB português e as empresas celebram lucros, uma maioria de portugueses pedala sem parar com dificuldades para pagar a renda, os juros do crédito à habitação e para ir ao supermercado”.
Na resposta, António Costa começaria por dizer que a sua opinião é de que “a esta crise inflacionista não se responde com subida das taxas de juro”, mas quem decide a política monetária, entre os países que fazem parte da zona euro, é na verdade o BCE. Por isso não importa o que António Costa, primeiro-ministro, acha sobre a estratégia de continuar a aumentar as taxas de juro para fazer face à crise inflacionista.
O primeiro-ministro, de resto, recorda-se bem de quando comprou casa pela primeira vez, no meio de uma crise inflacionista, e a taxa de juro nos créditos à habitação estava nos 23%. Na altura, a moeda era o escudo e isso leva António Costa a concluir que se Portugal não estivesse hoje no euro, a subida dos juros seria ainda maior do que é. “Se tivéssemos escudo não tínhamos menor inflação nem menor subida das taxas de juro, teríamos provavelmente uma subida mais forte”, alertou.
Dito isto, o Governo não está alheado da realidade e para isso vai servir o Conselho de Ministros dedicado à Habitação, marcado para o próximo dia 16 de fevereiro, disse o primeiro-ministro, não detalhando que medidas vai o Governo fazer aprovar para ajudar as famílias a fazer face ao aumento da prestação da casa.
Aos deputados das bancadas da esquerda, deixou apenas uma sugestão: oiçam Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, para saber o impacto efetivo da subida das taxas de juro nos diferentes tipos de contratos de habitação e consoante os diferentes níveis de rendimento. “A sugestão que deixo é, em primeiro lugar, trabalhar com base em dados. O melhor é chamarem o governador do Banco de Portugal para vir dar informação precisa e rigorosa sobre o impacto da efetiva subida das taxa de juro nos diferentes tipos de contratos”, disse.
Para além disso, e perante a dicotomia colocada por Mariana Mortágua e Paula Santos sobre a celebração dos bons números da economia ao mesmo tempo que as famílias estão estranguladas, António Costa recusou que se tratasse de uma “contradição”. “O crescimento da economia é uma realidade: crescemos 6,7% no ano passado, a taxa de desemprego está em níveis pré-pandemia, a taxa de empregabilidade é a mais elevada desde que há registo”, disse. E a legislação laboral (a chamada Agenda do Trabalho Digna) que será aprovada no Parlamento esta sexta-feira, também servirá para dinamizar a contratação coletiva e, com isso, “assegurar o crescimento sustentado dos salários ao longo da legislatura”.
No debate preparatório do Conselho Europeu, no Parlamento, o primeiro-ministro considerou ainda imprescindível que a União Europeia caminhe para uma maior “agilização dos mecanismos” de ajudas de Estado face à inflação e ao choque energético desde que seja feita de “modo temporário, focado e proporcional”. António Costa voltou ainda a defender a existência de um mecanismo europeu permanente de ajuda às crises, defendendo que antes de se injetar mais dinheiro num mecanismo desse género se aloque as verbas não usadas pelos Estados-membros do âmbito da fatia de empréstimos prevista no PRR para um fundo soberano de apoio a qualquer eventualidade. “As crises não são permanentes mas são recorrentes”, disse.
António Costa deu mesmo o exemplo de Portugal, que podia aceder a 14 mil milhões de euros em empréstimos e decidiu usar apenas 3 mil milhões para fazer face à inflação nos custos de construção. “Poderemos usar estes recursos mas vão sempre sobrar milhares de milhões que nao iremos usar e que podem reverter para um fundo [no âmbito do Repower EU] que no imediato pudesse responder”, disse.
O Conselho Europeu desta quinta-feira vai contar ainda com a presença do presidente ucraniano Zelensky, como confirmou António Costa, defendendo também que a União Europeia “arrume a casa” e faça reformas internas antes de abrir as portas à adesão da Ucrânia e outros países, para não repetir erros do passado nem frustrar expectativas entretanto criadas.
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