Santos Silva rejeita projeto de referendo à eutanásia do PSD
Augusto Santos Silva (à dta.) e Marcelo Rebelo de Sousa
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
Augusto Santos Silva dá razão a André Ventura: projeto do PSD para a realização de referendo à eutanásia é inconstitucional e não será admitido para votação. PSD fala em “casamento” entre PS e Chega e vai recorrer da decisão
O Presidente da Assembleia da República ouviu os líderes parlamentares esta quarta-feira e deu conta de que o projeto de resolução do PSD para a realização de um referendo à eutanásia não será admitido para votação.
A decisão foi anunciada no final da conferência de líderes pela deputada socialista Palmira Maciel, que explicou que a recusa se devia ao facto de “não se verificaram alterações de circunstâncias” em relação à iniciativa anterior já apresentada sobre a mesma matéria. “Foi uma decisão transmitida pelo presidente da Assembleia da República, depois de ouvida a conferência de líderes”, disse. O PSD informou desde logo que vai recorrer da decisão para plenário.
Em causa estava a dúvida, levantada publicamente por André Ventura, sobre se a proposta do PSD seria constitucional por já ter sido votada, em junho, uma outra proposta no mesmo sentido. A Constituição diz, no artigo 167º, número 4, que um projeto de lei ou de referendo que já tenha sido chumbado não pode voltar a ser apresentado na mesma sessão legislativa.
A dúvida principal era se o espírito da norma constitucional remetia apenas para a repetição de propostas vindas do mesmo partido ou se se aplicava também a propostas semelhantes vindas de partidos diferentes - como é o caso.
A primeira proposta de referendo, chumbada em junho, foi apresentada pelo Chega, agora era o PSD que apresentava uma proposta nesse sentido. Como o Expresso escreveu, o entendimento dos sociais-democratas era de que o espírito legislativo da Constituição dizia respeito apenas a propostas provenientes do mesmo proponente, e não de partidos diferentes, mas não era essa a leitura do PS - e do Chega - que aparecem aqui alinhados na mesma interpretação.
Os “jogos de secretaria” e o “casamento” entre PS e Chega
Também o BE, o PAN e o Livre (que são a favor da eutanásia e contra o referendo) e o PCP (que é contra a eutanásia e o referendo) estavam tendencialmente a favor da admissibilidade da proposta em nome do “direito à oposição” e do “direito de iniciativa”. Ainda assim, não estavam de acordo em que ela fosse votada já esta sexta-feira, como queria o PSD, e para isso acontecer era preciso maioria.
“O PSD não pode achar que o regimento funciona a seu bel-prazer”, disse Pedro Filipe Soares no final da conferência de líderes, em declarações aos jornalistas, lembrando que, embora concorde que o PSD devia ter o direito a agendar a sua proposta de referendo, teria de o fazer no tempo próprio do calendário parlamentar.
Rui Tavares chamou-lhe “incompetência”: “Eu gostaria de votar contra a proposta e não de a ver recusada por razões de secretaria. Mas para isso o PSD devia ter usado os tempos corretos, não temos culpa que o PSD tenha apresentado a proposta tarde e sem haver alteração material de circunstâncias". "O PSD não o devia ter feito de forma atabalhoada e incompetente”, disse.
Já no plenário, o PSD, pela voz da deputada Paula Cardoso, anunciou a intenção de recorrer da decisão do Presidente da Assembleia da República, acusando o PS e o Chega de um estranho “casamento” com “medo da democracia”, e falando em “jogos de secretaria” para travar a iniciativa dos sociais-democratas.
Mas também aí entraram minudências processuais: é que a decisão de Santos Silva ainda não foi formalizada junto dos serviços da AR, logo, o PSD não pode recorrer de uma decisão não formalizada. Assim sendo, o PSD só o poderá fazer mais tarde - e só nessa altura pode ser agendada nova votação, em plenário, sobre a decisão do PAR de rejeitar o projeto do PSD. Na prática, nada deverá mudar, uma vez que a maioria socialista, e não só, é contra a admissibilidade do projeto. Mesmo que o projeto fosse votado, o desfecho também seria certo: a maioria socialista, o BE, o PAN, o Livre, a IL e também o PCP são contra o referendo. Só o Chega e a maior parte da bancada do PSD são a favor.
Chega ainda tenta adiar votação final da eutanásia
Assim sendo, e depois de o projeto de lei da eutanásia ter sido aprovado esta manhã em sede de especialidade, tudo indica que vai ser mesmo votado esta sexta-feira em plenário - naquela que será a votação final global do diploma, que o fará chegar às mãos do Presidente da República para promulgação (ou veto).
Isso mesmo vincou o líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, em declarações aos jornalistas, criticando a inciativa “fora de tempo” e “inconstitucional” do PSD e defendendo que o Parlamento está em condições de votar a lei esta sexta-feira. Mas André Ventura ainda vai tentar novo adiamento.
“Estamos a estudar juridicamente um adiamento da votação em plenário - estamos a estudar, não sabemos se vai ser possível”, disse, defendendo que ainda há “audições obrigatórias” e “discussão” sobre o tema para fazer. “Claro que a decisão final ficará na mão do PAR, mas vamos tentar até ao final do dia de hoje travar a votação na AR”, disse, apelando depois a Marcelo Rebelo de Sousa, caso não seja possível travar no Parlamento, que trave na promulgação. Se nova lei for votada esta sexta-feira, como se prevê, será a terceira vez que a eutanásia é aprovada no Parlamento e será a terceira vez que vai parar às mãos de Marcelo Rebelo de Sousa para promulgação. Terá margem de manobra para a rejeitar?
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