Marcelo pode ir ao Catar, mas viagem presidencial dividiu o Parlamento
Deputados do PS e do PSD fugiram à disciplina de voto para manifestarem a sua oposição à deslocação do Presidente da República ao Mundial de Futebol
Deputados do PS e do PSD fugiram à disciplina de voto para manifestarem a sua oposição à deslocação do Presidente da República ao Mundial de Futebol
Editora de Política
Jornalista
Foram 10 os desalinhados, mas ainda assim significativos de como a deslocação do Presidente da República ao Catar para o primeiro jogo de Portugal no Mundial de Futebol dividiu o Parlamento e mesmo os dois maiores partidos que já tinham garantido a aprovação da viagem. A deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa foi aprovada por larga maioria, com os votos favoráveis de PS, PSD, PCP, a abstenção do Chega e os votos contra de Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, PAN e Livre. Mas quatro deputados do PS votaram contra e três optaram pela abstenção, como aconteceu também no PSD.
Os socialistas que votaram contra foram os deputados Alexandra Leitão, Isabel Moreira, Carla Miranda e Pedro Delgado Alves. No PSD houve três abstenções: Hugo Carneiro, Antonio Topa e Fátima Ramos. Já no PS as abstenções foram dos deputados Maria João Castro, Miguel Rodrigues e Eduardo Alves.
Além dos votos desalinhados com a disciplina partidária, houve ainda outras manifestações de desagrado através de declarações de voto escritas, ou seja, deputados que seguiram a orientação de voto da direção da sua bancada mas quiseram deixar escrito o que pensam sobre este assunto. Foi o caso dos socialistas Pedro Anastácio, Maria Begonha e Diogo Leão.
“A nossa posição é institucional. Não representa uma apreciação sobre as opções diplomáticas ou mediáticas do senhor Presidente da República”, justificou o líder do grupo parlamentar do PS, numa intervenção a justificar o voto favorável do partido à deslocação de Marcelo ao Catar. Eurico Brilhante Dias lembrou que a origem da necessidade de assentimento dos deputados à deslocação do chefe de Estado está na Constituição de 1822 e não representa uma apreciação dos motivos nem do local da deslocação.
As posições manifestadas pelos vários grupos parlamentares mostram como também têm visões diferentes deste preceito constitucional: uns, como o BE e a IL, entendem que deve haver uma apreciação sobre a deslocação em concreto, enquanto os maiores partidos têm a interpretação de que o Parlamento deve dar o seu assentimento aos pedidos do chefe de Estado por regra. Os líderes parlamentares do PS e do PSD, Eurico Brilhante Dias e Joaquim Miranda Sarmento, têm aliás, nos últimos dias, manifestado essa posição, lembrando que não há memória de uma recusa.
Rui Tavares, deputado único do Livre, o primeiro partido a anunciar que se opunha à deslocação do Presidente da República ao Catar, lembra a sua “coerência” neste assunto. “É a primeira vez que o fazemos porque respeitamos a autonomia do Presidente da República”, disse Rui Tavares, fazendo a distinção entre visitas de Estado ou para funerais de antigos chefes de Estado, como aconteceu com a deslocação a Luanda para o funeral de José Eduardo dos Santos. “Aquilo que é preciso condenar aqui, mais do que as condenações dos direitos humanos, é a corrupção na FIFA”, acrescentou o deputado do Livre.
As posições críticas à deslocação de Marcelo aumentaram depois das declarações polémicas do Presidente a desvalorizar as violações dos direitos humanos no Catar.
Depois dessas declarações, o Bloco de Esquerda entregou um projeto de resolução com o qual pretende manifestar a condenação das violações dos direitos humanos no Catar e recomendar que o Estado português não se faça representar no Mundial. Esse projeto será discutido mais tarde, mas o Bloco aproveitou a votação desta terça-feira para acentuar essa posição.
A não deslocação do Presidente da República, mas também do presidente da Assembleia da República e do primeiro-ministro, ao Catar seria “um sinal mínimo de que os direitos humanos não são um pormenor, um parêntesis”, defendeu o deputado José Soeiro, sublinhando que “não se descobriu hoje” que no Catar não se respeitam os direitos humanos. As denúncias deste que ficará conhecido como “o Mundial da Vergonha” tem vários anos, disse. Uma competição que está a ser “disputada sobre cadáveres” – “pelo menos 6500, se não mesmo 15.000”, apontou.
Também contra e também numa declaração oral de voto, Rodrigo Saraiva, líder parlamentar da IL, afirmou que o Catar procura “validação internacional” com este Mundial de futebol. O país-anfitrião da competição equivale a “uma falha nos valores que Portugal representa”. Para os liberais, “a comunidade internacional não pode fechar os olhos como fechou no Mundial da Rússia, já depois da anexação da Crimeia”.
Rodrigo Saraiva sublinhou que se a IL já existisse então, teria votado contra essa competição. “Somos coerentes”, acrescenta, devolvendo ao Chega as acusações de hipocrisia. A abstenção do Chega, acusou, “faz lembrar os que fumaram mas não inalaram”, declarou, dizendo que “a hipocrisia é aqui na bancada ao lado”.
O Chega, cujo líder, André Ventura, até tinha feito um vídeo na semana passada a dizer que não colocava em causa a viagem de Marcelo, acabou por abster-se na votação em plenário. Não por causa dos direitos humanos no Catar, mas para salientar que este Presidente tem viajado muito.
Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, justificou a abstenção do seu partido na deslocação do Presidente da República ao Catar a dois tempos. Por um lado, sublinhou que Marcelo Rebelo de Sousa “já triplicou as viagens” feitas por Mário Soares e Ramalho Eanes. Por outro, atirou-se ao que classifica como “hipocrisia” e “demagogia barata” de “quem descobriu hoje que o Catar não respeita os direitos humanos”, com a mira apontada ao BE e à IL.
Já o PCP manteve o voto favorável que tinha anunciado por questões institucionais. Apesar de ter votado ao lado da esmagadora maioria das bancadas do PS e do PSD, o PCP fez questão de deixar “bem claro” que “condena a inaceitável exploração dos trabalhadores”, em “condições desumanas” no Catar, bem como “a exploração dos direitos em geral”.
Mas a líder parlamentar comunista, Paula Santos, disse que não têm de existir “ações de boicote” nem à participação dos atletas, nem ao “acompanhamento institucional” da seleção portuguesa.
Visão bem contrária da comunista manifestou Inês de Sousa Real. “Portugal tem um legado que não deve ser desprezado”, defende a deputada única do PAN, acrescentando que “toda a comunidade internacional devia mostrar um cartão vermelho” a este Mundial, porque “os mais basilares direitos humanos”, incluindo os das mulheres, da comunidade LGBT e dos trabalhadores, “não têm sido respeitados” no Catar.
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