Política

Costa aceitou "melhorar" e "modernizar" a Constituição mas avisa PS: não é para discutir questões institucionais

António Costa com João Torres
António Costa com João Torres
ANTÓNIO COTRIM

“Nenhum português compreenderia que, no meio de uma guerra e de um choque inflacionista, nos pusessemos a discutir questões institucionais”. António Costa explicou ao PS porque aceitou abrir a porta da revisão constitucional, e pediu aos deputados que não tenham a “ambição” de mudar questões institucionais de fundo. No final, uma garantia: “Esta não será a revisão do Chega”

O tema quente do dia tinha ficado à porta do Largo do Rato. Nem duas horas depois de ter aceitado a demissão do seu secretário de Estado Adjunto, António Costa foi à reunião da Comissão Política do PS explicar aos dirigentes e deputados socialistas o porquê de, depois do Chega ter aberto o processo e de o PSD ter anunciado que ia a jogo, ter aceitado participar no processo de revisão constitucional que arranca formalmente no Parlamento a partir de amanhã.

A mensagem foi clara: a revisão constitucional não seria um tema “prioritário” para o PS, mas, uma vez que o PSD entrou no processo, e o processo legislativo iria desenrolar-se de qualquer forma, mais valia “contribuir para melhorar a Constituição”. Isto é, para “modernizar” a lei, “aprofundar direitos” e “defender o estado social”. Até porque, com 120 deputados na Assembleia, os votos do PS são imprescindíveis para o Parlamento aprovar qualquer medida de alteração ao texto. E pouco importa, neste caso, se foi o Chega ou outro partido a abrir o processo.

“As revisões constitucionais não são de quem as inicia, são de quem as conclui”, disse, garantindo que “esta não será a revisão constitucional do Chega”. “O Chega não passará” continua a ser o mote dos socialistas, que, no entanto, entendem que não precisam de se “meter numa trincheira” para se defenderem do “ataque da extrema-direita”. “A melhor forma de defendermos a democracia é modernizar-nos com os nossos valores progressistas, aprofundar e defender o estado social e resolver alguns problemas que a experiência governativa revelou”, disse.

Mas para isso há balizas. O recado foi dado aos deputados que estavam na plateia. Costa não quer os deputados do PS a terem a “ambição” (ou a tentação) de alterar questões “institucionais” de fundo. Não disse que questões são essas, mas entre as propostas do PSD está a redução do número de deputados, o aumento da duração do mandato presidencial, a alteração ao método de nomeação dos reguladores ou a alteração da idade mínima para votar.

“Sei que os constitucionalistas têm sempre enorme ambição, mas nenhum português compreenderia que no meio de uma guerra na Europa, com um choque inflacionista, nos pusessemos a discutir questões institucionais”, disse, estabelecendo balizas claras-

A ideia, disse, é o PS concentrar-se no "aprofundamento progressista do quadro de direitos", por um lado, e resolver as “dúvidas constitucionais” que têm sido levantadas, nomeadamente em matéria de combate ao terrorismo (na utilização de metadados na investigação criminal) e em matéria de saúde pública, conforme a experiência da pandemia da Covid-19 revelou.

Sobre esse tópico, que também é sensível e sobre o qual já há deputados socialistas a levantar preocupações, Costa deixou claro que vai ser preciso haver “segurança jurídica” nas alterações que serão feitas ao nível da restrição de liberdades para efeitos de confinamento em saúde pública. Mas também procurou sensibilizar os socialistas para a importância que tiveram as medidas de confinamento e de quarentena decretadas no pico da pandemia: “É melhor não tentarmos sequer imaginar quantas vidas se tinham perdido se não tivessemos adoptado as medidas de confinamento que adoptamos”, disse.

Quanto ao resto, Costa traçou as linhas gerais do espírito “progressista” que quer imprimir ao debate da revisão constitucional. Além de alterações ao nível de novos direitos que é necessário salvaguardar, como a não discriminação em função da identidade de género ("a humanidade, sabemos hoje, não é binária"), o direito ao espaço digital, o direito às relações justas e não precárias de trabalho ou a proibição dos maus tratos a animais, o secretário-geral do PS deu ainda especial enfoque aos temas do ambiente, da saúde e da educação.

No ambiente, será preciso refletir na Constituição a importância do combate às alterações climáticas, enquanto na Saúde deve ser “alargada à dimensão da saúde mental, saúde reprodutiva e cuidados paliativos”. Na educação, deve ficar claro na Constituição que o ensino universal e gratuito não se deve cingir ao ensino básico.

Costa quer, por isso, uma revisão constitucional balizada e sem grandes aventuras. Com o Chega a participar ativamente na discussão - de resto também a IL e o PAN, além do PSD, terão projetos próprios -, o primeiro-ministro garantiu que o que vingará não será “a leitura do Chega ou a leitura liberal do PSD ou da IL”, mas sim “a leitura progressista da Constituição” que o PS vai imprimir ao participar no debate. Mesmo que não o quisesse fazer agora.

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