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Revisão Constitucional: socialistas preocupados com “gravidade” de proposta sobre novas regras de confinamentos

O Parlamento retoma trabalhos já de olho no próximo Orçamento
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MÁRIO CRUZ/LUSA

António Costa pediu novos contributos técnicos para que a revisão constitucional venha a permitir a existência de confinamentos e quarentenas em casos semelhantes aos de uma pandemia, mas deputados socialistas estão “preocupados”. Receiam que Costa e Montenegro se preparem para prescindir de qualquer intervenção judicial nessa matéria. Tema vai ser tratado na reunião de deputados do PS desta quinta-feira

A Constituição “não é uma lei qualquer” e “todo o cuidado é pouco”. Numa altura em que já é ponto assente que PS e PSD vão mesmo abrir a caixa de pandora e proceder a uma revisão da Lei Fundamental nos próximos meses, há deputados socialistas que receiam algumas mexidas que possam estar na cabeça dos líderes dos dois maiores partidos. Uma delas, sabe o Expresso, tem a ver com a necessidade, admitida por todos, de prever na Constituição a possibilidade de um Governo decretar situações de confinamento - e isolamento profilático - em caso de doença infecciosa semelhante aos contornos de uma epidemia. O problema coloca-se se o legislador decidir prescindir dos recursos para tribunal - e é isso que alguns deputados socialistas - que estão reunidos esta quinta-feira - receiam que possa vir a acontecer.

Em causa está o facto de o primeiro-ministro ter enviado, quarta-feira, à Assembleia da República, novos contributos pedidos à Comissão Técnica que elaborou o anteprojeto de Lei de Proteção em Emergência de Saúde Público. Uma vez que já está decidido que se vai abrir o processo de revisão constitucional, António Costa pediu à comissão técnica que “ponderasse novamente a necessidade de introduzir uma norma constitucional que reforce a segurança jurídica” desse projeto.

“Não dispondo o Governo de competência de iniciativa em matéria de leis constitucionais, deve, porém, facultar a quem a detém - neste caso, à Assembleia da República - toda a informação técnica adequada à sua livre consideração e apreciação para que, querendo, a possa ter em devida conta”, lia-se na nota enviada às redações pelo gabinete do primeiro-ministro. Acontece que alguns deputados socialistas não viram com bons olhos algumas das propostas elaboradas pela Comissão Técnica (presidida pelo antigo juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Henriques Gaspar) e entregues esta quarta-feira à Assembleia da República. E alertam para a “gravidade” de uma das alterações que pode estar em marcha.

Trata-se da alínea 3 do artigo 27, que diz respeito às exceções previstas na lei para a "privação de liberdades". Apesar de todos estarem de acordo que é preciso acrescentar na lei uma nova alínea para prever os casos obrigatórios de isolamento profilático, nem todos concordam com os “termos” e a forma como a comissão técnica elaborou a proposta - e receiam que António Costa se prepare para adotar como sua aquela formulação. O mesmo receio é manifestado por Miguel Prata Roque, que já foi secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, em artigo publicado no Expresso.

Assim, a par de alíneas como “detenção em flagrante delito”; “prisão” ou “detenção de suspeitos”, ou ainda de alíneas como “internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”, a Comissão Técnica prevê que se acrescente uma outra alínea de privação de direitos e liberdades. A alínea é a seguinte: “Separação de pessoa de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência em saúde pública, nos termos da lei.”

No texto onde fundamenta a sua decisão, a Comissão Técnica explica que a redação da alínea foi “inspirada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sendo que a palavra ‘detenção’ é substituída por ‘separação’, que é tecnicamente mais rigorosa e corresponde à terminologia adotada no Regulamento Sanitário Internacional”. Esse é um dos problemas detetados por alguns socialistas, que compreendem a justificação ‘técnica’ para o termo “separação”, mas juridicamente não entendem ser a definição mais adequada. “É preciso termos atenção aos termos exatos em que um confinamento pode ser decretado”, alertam ao Expresso.

O problema maior, contudo, é outro. É que a Comissão Técnica opta ainda por abdicar da “necessidade de autorização ou confirmação judicial”. E isso, no entender de alguns socialistas ouvidos pelo Expresso, é o mais “grave”. “Corremos o risco de permitir na Constituição que uma pessoa esteja a tossir num local público e seja enviada para isolamento”, alerta um deles, sublinhando que o “risco” de mexer na Constituição é que a lei fundamental vai vigorar durante vários anos - não se sabendo quem, ou que partido, vai estar no Governo, ou na Presidência da República, no futuro.

O alerta vai ser levado à reunião da bancada parlamentar do PS que decorre esta manhã, no Parlamento. Os deputados vão discutir o tema internamente, sendo que a ideia é que o projeto socialista de revisão constitucional fique fechado durante a tarde para ser anunciado por António Costa na abertura da reunião da Comissão Política desta noite - essa será a última etapa do debate interno, antes de o projeto dar formalmente entrada na Assembleia da República.

Na nota da Comissão Técnica enviada à Assembleia, os autores explicam que “da redação resulta que será constitucionalmente admissível que o legislador estabeleça que a medida seja determinada pela autoridade de saúde sem necessidade de autorização ou confirmação judicial”. E continuam: “Tal exigência deve aferir-se apenas nos termos do regime geral de direitos, liberdades e garantias, na decorrência do princípio da proporcionalidade de uma lei restritiva”. É este “facilitismo” que está a preocupar os socialistas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: rdinis@expresso.impresa.pt

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