Costa opta por medidas pontuais porque acredita que ainda é possível "não alimentar espiral inflacionista"
NUNO FOX
Cheque único de 125 euros a quem recebe até 2700 euros brutos mensais; outro cheque de 50 euros por filho; pagamento de meia pensão em outubro, que é na prática uma antecipação de metade do aumento legalmente previsto para 2023; e redução do IVA da luz, mas só para consumos mais baixos, são algumas das medidas aprovadas pelo Governo. Costa explica porque não vai mais longe: o défice, a dívida, o SNS e a espiral inflacionista
Já estavam os principais noticiários televisivos no ar há vários minutos quando António Costa apareceu no Palácio da Ajuda sorridente e munido de um documento intitulado “Famílias Primeiro - Plano de resposta ao aumento dos preços". Era o tão aguardado pacote de apoio ao rendimento das famílias, que desde julho estava prometido para setembro, para compensar o “brutal aumento da inflação” que se tem verificado desde a pandemia, primeiro, e da guerra na Ucrânia e consequente crise energética, depois. Na manga tinha nove medidas para ‘dar’ às famílias, e uma explicação a dar à oposição: porquê anunciar apoios tão tarde, quando a crise inflacionista já vai longa e as famílias já estão a perder poder de compra há vários meses, e quando os restantes países europeus já vão, alguns deles, na terceira tranche de ajuda?
“Responsabilida” e “segurança”, disse António Costa. “O momento é este porque é o que eu anunciei em julho. Era importante termos a certeza de que estavamos em condições de poder devolver às famílias esta quantia, que são mais de 2,4 mil milhões de euros, sem deitar por terra os objetivos de redução do défice e da dívida e de reforço do SNS", afirmou o primeiro-ministro. E repetiu várias vezes a mesma ideia: "É essencial combinarmos medidas de curto prazo sem alimentar a espiral inflacionista"; “Este era o momento certo para o fazermos com segurança”. Resumindo: “Tínhamos de ter a certeza de que podíamos dar este passo sem ser um passo maior do que a perna”.
A tónica foi sempre essa: o primeiro-ministro ainda acredita que é possível “não alimentar a espiral inflacionaista”. Ao mesmo tempo que agitava as letras garrafais em que dizia que as “famílias estão primeiro” e sublinhava que o pacote de medidas agora aprovado custaria um total de 2,4 mil milhões de euros aos cofres do Estado - ascendendo já a mais de 4 mil milhões no total se contarmos com outras medidas adicionais previamente aprovadas -, Costa não deixava de apresentar o outro lado da moeda: o da responsabilidade. Era preciso ter certezas de que este esforço extra que estava a ser pedido ao Orçamento do Estado não punha em causa “outros objetivos orçamentais”.
“As medidas ajudam a manter o poder de compra, mas não alimentam a esperial inflacionista”, acredita o primeiro-ministro, que garantiu o empenho no cumprimento dos objetivos do défice e da dívida previstos no documento. Quanto às medidas para as empresas, ficam à espera de novas reuniões em Bruxelas dos ministros responsáveis pelo sector da energia; e quanto às negociações sobre salários e rendimentos, tudo fica para negociações futuras.
Questionado sobre se mantem as expectativas de aumento do salário minimo ao longo da legislatura, o primeiro-ministro remeteu para negociações na concertação social e prometeu “acelerar” o processo de negociação do acordo sobre rendimentos. Um acordo que tinha como grande objetivo o aumento do salário médio ao longo desta legislatura, um acordo que o primeiro-ministro chegou a prever para julho deste ano, mas que ainda não começou a ser negociado. Agora, será “acelerado”.
Apoios estendem-se à “classe média” e não apenas aos mais vulneráveis, defende Costa
Segundo o primeiro-ministro, os apoios agora aprovados têm uma diferença em relação aos que estavam até aqui em vigor. Agora, disse, estendem-se “a uma parte da classe média e não apenas às famílias mais vulneráveis”. Prova disso, explicou, é a medida do cheque de 125 euros atribuído de forma direta e automática (via Finanças ou Segurança Social) a todos os contribuintes, sejam trabalhadores do público ou privado, ou sejam beneficiários de prestações sociais ou cuidadores informais, que ganhem até 2.700 euros mensais brutos.
Para se perceber que era mesmo “para todos”, Costa recorreu a um exemplo: um casal, em que cada um ganhe menos de 2700 euros mensais, terá um apoio de 250 euros (125+125); se tiver um filho será de 300 (250+50) e se tiver dois filhos será de 350 (250+50+50). “O apoio é mesmo individual, o que significa que se um elemento do casal ganhar mais do que esse valor e o outro não, o apoio será pago à pessoa do casal que ganha abaixo dos 2700 euros”, disse. O pagamento será feito de forma isolada, em outubro.
O mesmo para as pensões. Questionado várias vezes sobre o aumento de “meia pensão” a título excecional, já em outubro, quando para 2023 a lei já prevê um aumento generoso das pensões, porque estão obrigadas a aumentar em função da taxa de inflação, o primeiro-ministro desdobrou-se em explicações para concluir que “99,9% dos pensionistas vão receber bónus de meia pensão em outubro”. O seja, só os que têm pensões muito altas (acima de 12 IAS - indexante de apoios sociais) é que não terão esse aumento, que se aplica a todos os pensionistas que são abrangidos pelas atualizações automáticas à luz da lei.
Trata-se, contudo, de uma antecipação - paga de forma isolada no mês de outubro - do aumento que os pensionistas já teriam direito em 2023. “De acordo com a fórmula legal, os aumentos seriam entre 7,10% e 8%, com o suplemento extraordinário pago já em outubro e com os aumentos propostos à AR a serem aplicados a partir de 1 janeiro de 2023, isto garante que todos os pensionistas terão ao longo de 2023 o rendimento que teriam se fosse aplicada a fórmula de modo estrito, ou seja, verão o seu rendimento aumentar entre 7,1 e 8%”.
Por outras palavras, Costa garantiu que o Governo está a cumprir a lei, antecipando agora o pagamento de meia pensão para funcionar como balão de oxigénio para os pensionistas. Mas no ano seguinte o aumento terá em conta o extra que já foi antecipado.
Também sobre a descida do IVA da luz, que aparece em letras garrafais como uma descida de 13 para 6%, Costa aflorou o detalhe: não é bem assim. É preciso “olhar para as faturas da eletricidade e ver que parcelas são taxadas a 13% e que parcelas são taxadas a 23%”. Só as que são taxadas a 13 baixam para 6% - as restantes ficam na mesma. Isto, segundo Costa, tem a ver com a autorização especial concedida por Bruxelas há dois anos para baixar o IVA sobre a eletricidade em função do consumo e, de caminho, incentivar a poupança de energia. Assim, só é taxado à taxa mínima os primeiros 100 kWh de consumo mensal. Tudo o que exceda esse consumo é taxado à taxa máxima - e continua a ser.
O pacote de medidas passa ainda por um teto máximo de 2% para a atualização das rendas, com os senhorios a terem uma compensação em sede de IRS/IRC; por uma redução equivalente a 16 euros num depósito de 50 euros de gasóleo e de 14 euros num depósito de 50 euros de gasolina (medida em vigor apenas até ao final de 2022); ou ainda por uma poupança de 10% na conta do gás para um casal com dois filhos (consumidor-tipo) se transitar para o mercado regulado. Mas tudo com “cautela” e “segurança” para não pôr em causa os restantes “objetivos orçamentais”.
Satisfeito pela rápida promulgação do pacote de medidas por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, Costa ignorou todas as perguntas sobre a remodelação na Saúde e saiu sorridente da Ajuda. Não tardou, contudo, a que os vários partidos da oposição - da esquerda à direita - caíssem num coro de críticas, o que obrigou Marcelo Rebelo de Sousa a reagir, numa espécie de conferência de imprensa no meio da rua. Amanhã há mais explicações: às 9h30 no Ministério das Finanças.
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