Reforma nas Forças Armadas “olha para o presente e o futuro, não para o passado”, diz ministro
RODRIGO ANTUNES/LUSA
Na Defesa ainda subsiste um bloco central, alargado ao CDS, mas se o PSD apoia a reforma da estrutura de topo das Forças Armadas, também reclama por melhorias nas carreiras militares. Acossado pelos ex-chefes militares, o ministro disparou: “As Forças Armadas não existem para si próprias” e a reforma “olha para os desafios do presente e do futuro” e é uma “evolução na continuidade”
“As Forças Armadas não existem para si próprias. Os ramos não existem para si próprios.” O ministro da Defesa Nacional respondeu deste modo às críticas de ex-chefes militares às alterações na estrutura do comando superior das Forças Armadas. Para João Gomes Cravinho, o que esteve em debate esta terça-feira no Parlamento é “uma reforma a olhar para os desafios do presente e do futuro global” e “não para o passado”. As Forças Armadas estão “ao serviço da defesa eficaz do interesse nacional num mundo cada vez mais conflituoso, competitivo e em mudança mais acelerada”, apontou ainda.
A abrir o debate parlamentar sobre as duas propostas de lei do Governo para alterar a Lei de Defesa Nacional (LDN) e a Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas (LOBOFA), Cravinho falou de “uma mudança prudente e ponderada, sustentada e aconselhada” pela experiência das reformas de governos do PS (2009) e do PSD/CDS (2014) – em síntese, “uma evolução na continuidade”. O ministro assegurou que as mudanças propostas decorrem também das “experiências acumuladas na gestão das missões diversas das Forças Armadas”, acrescentando que visam “evitar a dispersão de meios e algumas entropias legais que ainda condicionam” o seu desempenho.
A reforma de Cravinho, que concentra poderes no Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), conta com o apoio do PSD, indispensável para a maioria de dois terços necessária para a sua aprovação, e do CDS. Mas a coordenadora do grupo parlamentar social-democrata na Comissão de Defesa Nacional, Ana Miguel dos Santos, declarou que “ao contrário do que apresenta o Governo, não estamos diante de nenhuma reforma, antes sim de clarificações ou de ajustamentos na estrutura superior”. Estes ajustes vêm, de resto, “equiparar os poderes do CEMGFA no território nacional com aqueles que já dispõe nas missões internacionais com as nossas Forças Nacionais Destacadas”, disse.
Respondendo a críticas das bancadas comunista e bloquista, que destacaram a sintonia do bloco central nesta matéria, Ana Miguel dos Santos sublinhou que “o PSD tem a sua visão da Defesa Nacional” e que esta “não é uma visão circunstanciada ou dependente do momento ou do combate político”. A deputada social-democrata afirmou ainda que há uma discussão que é necessário fazer: um debate sobre “os desafios à condição militar” e “os desafios dos nossos soldados”. E questionou o que se tem oferecido a quem se pede “a permanente disponibilidade para lutar em defesa da pátria, se necessário com o risco da própria vida”, recordando os baixos salários e a falta de atratividade na carreira militar e lamentando a existência de “mais oficiais e sargentos do que praças”.
Para o deputado Pedro Morais Soares (CDS), “primeiro devia ter-se debatido e atualizado o Conceito Estratégico de Defesa Nacional e só depois estas leis”, algo que também o PCP defendeu, ainda que os comunistas estejam contra a reforma e os centristas a favor. O CDS quer ainda assegurar, no debate na especialidade, que “os chefes do Estado-Maior dos ramos são dotados de autonomia administrativa”. Morais Soares deixou também um alerta ao Governo: “Se continuarmos com as cativações encapotadas, com a falta de planeamento ou com poucos efetivos a situação continuará, tal como referia o almirante Silva Ribeiro [atual CEMGFA] em 2019, insustentável”.
Pelo Bloco de Esquerda, João Vasconcelos criticou o que descreveu como uma “absoluta submissão à NATO” numa “lógica belicista”, e disse não perceber “esta pressa tão atabalhoada” em avançar com a reforma. O bloquista lembrou que o ex-ministro social-democrata “Aguiar-Branco queria ir mais longe, mas o PS não deixou”. “Agora, curiosamente, é o PSD” que deixa avançar uma reforma que passa pela “menorização dos chefes dos ramos” (Exército, Força Aérea e Marinha). “Sem disparar um único tiro, o PS conseguiu tudo o que queria” e “PSD e CDS atiraram-se para o colo”, ironizou Vasconcelos.
Pelo PCP, partido que apresentou dois projetos de lei de alteração da LDN e da LOBOFA, António Filipe alertou para os “passos significativos no sentido de uma governamentalização”e os “nítidos sinais de poder comprometer o princípio constitucional da isenção partidária das Forças Armadas”. Considerando não ser “desejável, e muito menos urgente, começar esta discussão pela estrutura superior das Forças Armadas”, o deputado comunista sugeriu que o Governo, “tão cioso de acompanhar modelos de outros países da NATO e da União Europeia”, também seguisse os passos de alguns desses países no sentido do “reconhecimento de direitos socioprofissionais dos militares”. Os dois projetos de lei comunistas pretendem conceder mais poderes ao Presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas, no que diz respeito a Forças Nacionais Destacadas, por exemplo, e o direito de manifestação aos militares.
O socialista Diogo Leão acusou o PCP de desejar “um regresso ao passado”, ao mesmo tempo que apresenta um projeto de lei eivado de “um impulso presidencialista”. E numa lógica de “luta de classes”, os comunistas propõem o direito à manifestação, o que colide com “a matriz das Forças Armadas”, apontou ainda o socialista. Também o bloquista João Vasconcelos se manifestou contra o reforço dos poderes do Presidente da República nesta matéria, dizendo que “não havia necessidade de mexer na LDN e na LOBOFA”. Em resposta, António Filipe esclareceu que o que o seu partido quer evitar é “a perseguição de dirigentes associativos”, descrevendo Portugal como um país “recuado” nesta matéria e “longe da Holanda”, por exemplo, onde há sindicatos de militares.
Quanto às propostas de lei do Governo, acabou por ser o PAN a propor uma chave de leitura mais holística. Inês de Sousa Real sugeriu que as propostas desçam ao debate em comissão para que “a sociedade civil e os agentes das Forças Armadas sejam incluídos efetivamente no debate de uma eventual reforma”.
André Ventura citou o ex-Presidente Cavaco Silva ao dizer que a reforma é “um equívoco a tempo de ser corrigido”. O deputado único do Chega apontou o dedo ao Governo, acusando-o de desejar “asfixiar” o topo das Forças Armadas de modo a torná-lo “subserviente à vontade política de quem manda”. Como tentou fazer, disse Ventura, “à justiça e às forças de segurança”.