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Le Pen em jantar-comício com Ventura, o homem que “seca as lágrimas do povo” e quer bater a esquerda toda

Le Pen em jantar-comício com Ventura, o homem que “seca as lágrimas do povo” e quer bater a esquerda toda
PEDRO NUNES

Num evento no concelho de Sintra, o líder do Chega elevou a fasquia, ridicularizou os seus adversários nas presidenciais do dia 24 e apontou o caminho da prisão aos “portugueses que não são de bem”. A fugidia líder da extrema-direita francesa ouviu cantar o fado, incluindo na sua língua, e acolheu Portugal na “nova era da modernidade política”

Le Pen em jantar-comício com Ventura, o homem que “seca as lágrimas do povo” e quer bater a esquerda toda

Hélder Gomes

Jornalista

Le Pen em jantar-comício com Ventura, o homem que “seca as lágrimas do povo” e quer bater a esquerda toda

Pedro Nunes

Fotojornalista

André Ventura já não se contenta com um segundo lugar nas presidenciais, à frente de Ana Gomes. “Quero ter mais do que a esquerda toda junta e devolver a esquerda à insignificância que sempre devia ter tido, declarou este sábado num jantar-comício no concelho de Sintra, com a presença de Marine Le Pen. A líder da extrema-direita francesa, no segundo e último dia da sua visita, disse que “Portugal está a entrar numa nova era, na modernidade política do mundo” e repetiu o epíteto que atribuíra na véspera ao líder do Chega: “Um sinal do céu”.

A presidente do Rassemblement National (RN, antiga Frente Nacional) vê em Ventura “um homem de Estado, que sabe mobilizar com talento inigualável e secar as lágrimas do seu povo”. Um homem que “fará ouvir uma voz forte na Europa”, acrescentou, deixando um apelo aos “amigos portugueses”: “Reflitam antes de deixarem que isso aconteça”, isto é, que aconteça “uma imigração planetária incontrolável que vai arruinar as nossas economias”. O combate é “difícil e exigente”, “sabemos qualquer coisa sobre isso em França”, afirmou, mas “esta paixão pela pátria conduzirá à vitória”.

“A vitória espera-nos”, enfatizou Le Pen, mas os jornalistas que a esperavam na porta indicada para a sua entrada no local de repasto foram fintados porque a líder do RN entrou por outra porta. Já antes, ao final da manhã, quando estava previsto que visitasse o Mosteiro dos Jerónimos, Le Pen encontrava-se em Cascais, a fazer compras, segundo apuraram os jornalistas em contacto com a comitiva francesa que a acompanhava. Estas fintas ao protocolo, sem quaisquer explicações, não a impediram de voltar a elogiar “o espírito de trabalho e a iniciativa dos portugueses em França” e de se regozijar com “a bandeira portuguesa a flutuar ao lado da francesa” na família europeia Identidade e Democracia.

Ao seu discurso no final do jantar seguiu-se o de Ventura, que “não queria falar disto hoje” mas acabou por falar. “Viram os debates? A Ana Gomes estava a gaguejar mais do que a Joacine”, disse, entre risos. Depois, a gritar, juntou que “não nos esqueceremos de uma das maiores vergonhas de sempre”, que, segundo o líder do Chega, foi a militante socialista ter trazido Paulo Pedroso para a campanha. Na sala alguém gritou “pedófilo”, apesar de o diretor da campanha de Ana Gomes ter sido ilibado e indemnizado pelo Estado no processo Casa Pia.

Também falou de Marcelo Rebelo de Sousa, que entrou no frente-a-frente com Ventura com “conversa de professor” e saiu a dizer que o seu tom em Belém era diferente do que usou no embate televisivo. O Presidente candidato “foi mais longe”, disse, “foi mais duro e tocou-me mais” ao separar as direitas que um e outro representam e ao sublinhar que Francisco Sá Carneiro e o Papa João Paulo II nunca iriam rever-se no seu discurso. “Eu tenho um enorme apreço pelo Papa e por Sá Carneiro, mas tenho mais apreço pelos portugueses”, atirou. (Como é sabido, Sá Carneiro era português.)

PEDRO NUNES

Não queria “falar disto hoje” mas ainda arranjou forma de atacar “aquele rapaz da Iniciativa Liberal, que não consegue dizer duas palavras e fica com um olhar penetrante”. O debate dos seus adversários é “sobre nós” e, novamente a gritar, declarou: “Eles não compreendem que só nos dão mais força e ânimo”. De resto, a discussão à volta de Ventura “é sinal” de que está “a incomodar” e a fazer “um bom trabalho contra os bonecos do sistema” que estão contra ele. Referindo-se à reportagem ‘A Grande Ilusão’, transmitida esta semana na SIC, perguntou: “Alguém viu alguma reportagem sobre as caves do PS ou do Bloco de Esquerda... do tráfico de droga?”. Em tom de homem providencial, proclamou: “Portugal, eu estou a ouvir-vos e nós vamos provocar o maior terramoto político de sempre”. E deixou um recado ao primeiro-ministro: “António Costa, reza e reza muito para que eu não vença porque tens o caminho da rua apontado”.

Ventura insistiu que não será “o Presidente de todos os portugueses”, o que, avaliou, deixou “o país em choque”. “Prisão com eles! Prisão com os portugueses que não são de bem!”, gritou. E carregou no autoelogio: “Somos feitos da massa da resistência, temos a força da verdade e da razão, somos sempre superiores naquilo que fazemos”. Isto apesar das constantes alterações em cima da hora, da falta de organização, da visita aos Jerónimos que Ventura já não podia fazer porque estaria reunido com o primeiro-ministro, a propósito do reforço das restrições por causa da pandemia. (A audição com Costa era conhecida desde quinta-feira. O cancelamento da presença de Ventura foi comunicado ao início da madrugada deste sábado.)

PEDRO NUNES

À entrada, havia militantes revoltados porque tinham de voltar para trás, já não podiam participar no jantar, queixando-se de não terem sido avisados pela organização. No palco, foram pedidas desculpas a militantes que não estavam lá para as ouvir. Quem esteve presente ouviu fado em português (e em francês), incluindo “Lisboa Menina e Moça”, eternizado por Carlos do Carmo, um homem de esquerda. E ouviram-se os hinos nacionais de Portugal e de França. Na mesa redonda junto ao palco, delimitada por baias de proteção, estavam os ‘notáveis’ da noite: oito pessoas sem máscara a trautear os fados e uma marcha popular, incluindo Ventura, Le Pen e Diogo Pacheco de Amorim, vice-presidente do Chega.

PEDRO NUNES

A meia hora do início da campanha para as eleições presidenciais, que arranca oficialmente este domingo, Ventura falou aos jornalistas sobre a campanha “minimalista” que terá de fazer, voltou a dizer que, “com quase toda a certeza”, Matteo Salvini, o secretário-geral da Liga (partido italiano de extrema-direita), virá a Portugal no dia 15, o dia de aniversário de Ventura. E quanto a Le Pen, não terá a líder do RN demonstrado falta de sentido de Estado ao não visitar os Jerónimos nem dar explicações para a sua ausência? “Não vou fazer comentários sobre isso. Não me obriguem a falar”, respondeu Ventura.

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