Filipe de Botton: “Neste momento o baixíssimo nível de salários é dramático em Portugal. Somos um país pobre e não estamos a melhorar”
Filipe de Botton é o presidente da Logoplaste, uma empresa portuguesa que fabrica plástico, e foi ao podcast Ser ou Não Ser falar sobre a indústria e sobre o que falta fazer para que o setor não seja tão poluente. “O plástico é diabolizado pelo seu sucesso, mas é o que nos permite viver na sociedade de consumo atual”, diz. O empresário defende o pagamento de uma caução na compra de produtos de plástico e o uso de tecnologias para rastrear as embalagens que vão parar aos oceanos. Oiça aqui o episódio
O CEO da Logoplaste começa por falar do “continente” de plástico que flutua nas águas do Pacífico, entre a Califórnia e o Havai, apelidado como o sétimo continente. Esta “ilha” é o maior depósito de lixo oceânico do mundo. São 1,8 trilhões de pedaços de plástico flutuantes. Filipe de Botton põe o dedo na ferida: “o plástico não nasce no mar. Está lá porque nós, seres humanos, o atirámos fora, após o utilizar”, admitindo que a explicação possa ser porque a indústria, em conjunto com os governos e a legislação, ainda não tenha criado uma economia que permita reutilizar e dar uma valorização às embalagens pós-consumo. “Diabolizar o plástico dá votos, é fácil, mas não é a forma correta de o fazer!”, afirma.
Botton lança o seguinte desafio: seria interessante interrogarmo-nos e termos a coragem de responder, mas de forma verdadeira e não socialmente correta, se como consumidores estaremos na disposição de sobrepagar o custo de utilizarmos embalagens recicladas. “Se pusermos a mão na consciência, não sei quantos de nós querem ou podem fazê-lo!” Este é a grande calcanhar de Aquiles desta indústria. O material reciclado é mais caro do que o virgem, logo se o produtor tem mais custos tem de aumentar os preços dos produtos, repassando o valor ao consumidor. São as leis de mercado.
José Fernandes
O responsável da Logoplaste refuta a tese de que seja o produtor a assumir esse encargo, defendendo que no caso dos consumidores que não têm poder de compra, deverá ser o “Estado a normalizar as situações, entre quem pode e quem não pode pagar”, salientando que se pode estar a falar de sustentabilidade para pessoas que nem dinheiro têm para os seus medicamentos, como acontece com muitos idosos em Portugal. “É quase anedótico dizer-lhes que têm de reciclar e de pagar mais caro pelas embalagens por serem recicladas. É para isso que o Estado existe. Para ajudar os mais necessitados.”
Acredita, no entanto, que não podemos continuar numa sociedade em que não reutilizemos as embalagens e, sobretudo, que não se reutilize os materiais que utilizamos. A resposta está no modelo circular: “consumo o produto, pego na embalagem e vou colocá-la no local correto, onde esta será tratada para ser industrialmente reutilizada”.
No podcast, o gestor fala ainda do projeto Singularity com ferramenta blockchain que permite saber quem comprou e onde foi depositada determinada embalagem. Funciona assim: se uma embalagem é deixada na praia, fazendo a rastreabilidade, o autor deste descuido é apanhado, podendo ser responsabilizado. “É uma chamada de atenção. Um big brother is watching you”, compara. Estão a investir 30 milhões de euros neste projeto. Estará pronto em dois, três anos, mas a Logoplaste já o está a testar em Copenhaga. Chegará a Portugal, quando houver lei e a proteção de dados o permitir.
Do lado do consumidor, na sua opinião, há ainda outra forma de o levar a reciclar. Menos repressiva. Através do depósito que existe na maioria dos países do norte da europa e, por isso, a taxa de reciclagem é tão elevada, a rondar os 90%. O Sistema de Depósito e Reembolso (SDR) consiste na cobrança de um valor de depósito no momento da venda (a antiga "tara ou caução") que será reembolsado ao consumidor aquando da devolução das embalagens vazias, mas em Portugal a lei ainda está guardada numa gaveta. Entretanto, Portugal vai falhando as metas de reciclagem e perde cerca de 240 milhões de euros anuais de incentivo à reciclagem. Isto, se por cá, se adotar os 10 cêntimos por embalagem recolhida, o valor que o SDR tem estudado para o nosso país. É dinheiro que os consumidores recuperam por colocarem a embalagem no local de reciclagem certo.
Filipe de Botton defende o plástico em detrimento de outros materiais e explica porquê. Garante que este é diabolizado apenas pelas suas qualidades, pelo seu sucesso. Todos os anos, a Logoplaste investe em três ou quatro novas fábricas em vários pontos geográficos. Algumas dedicadas apenas a fabricar plástico reciclável. O CEO garante que segue pelo trilho da sustentabilidade, um ensinamento colhido desde sempre pelo exemplo dado pelo seu pai, Marcel de Botton. “O meu pai era uma espécie de D. Quixote”, relembra. Afinal, quem adivinharia que o fundador de um negócio de plásticos seria o impulsionador da Sociedade Ponto Verde? Oiça toda a conversa aqui.
'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.