Que voz é esta?

Suicídio: “Nos jovens temos comportamentos autolesivos com uma taxa cada vez mais elevada, cada vez mais casos”

O número de pessoas que se suicidam todos os anos em Portugal tem-se mantido mais ou menos estável ao longo dos anos, mas isso não é necessariamente positivo. É preciso cuidar melhor dos jovens, que recorrem "cada vez mais a comportamentos auto-lesivos como forma de se integrarem em grupos", e das pessoas LGBTI+, cuja probabilidade de se tentarem suicidar é até sete vezes maior comparativamente à população em geral. José Carlos Santos, enfermeiro especialista em saúde mental e psiquiatria, e professor na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, é o convidado do mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", dedicado ao tema do suicídio

Suicídio: “Nos jovens temos comportamentos autolesivos com uma taxa cada vez mais elevada, cada vez mais casos”

Helena Bento

Jornalista

Suicídio: “Nos jovens temos comportamentos autolesivos com uma taxa cada vez mais elevada, cada vez mais casos”

Salomé Rita

Sonoplasta

Suicídio: “Nos jovens temos comportamentos autolesivos com uma taxa cada vez mais elevada, cada vez mais casos”

João Carlos Santos

Fotojornalista

José Carlos Santos foi relator do Programa Nacional de Prevenção do Suicídio e presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia.

O número de pessoas que se suicidam todos os anos em Portugal tem-se mantido mais ou menos estável ao longo dos anos. Em 2021, ano dos últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, a taxa de suicídio foi de 8,9 por 100 000 habitantes, o que corresponde a 919 pessoas. Mas a inexistência de grandes oscilações não deve ser encarada como positiva.

"Nas últimas décadas, conseguimos, por exemplo, diminuir a mortalidade associada às doenças cerebrovasculares e os acidentes de viação também diminuíram brutalmente. Mas os números do suicídio mantêm-se inalteráveis. É preciso mudar isto", sublinha José Carlos Santos, enfermeiro especialista em saúde mental e psiquiatria, e professor na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

No mais recente episódio do podcast "Que Voz é Esta?", o especialista defende que para diminuir o número de suicídios é necessário "um olhar global" e a participação de vários ministérios. “Esta área não pode ser da exclusiva responsabilidade da Saúde. O plano de prevenção do suicídio da Noruega, por exemplo, envolve oito ou nove ministérios.” Entre os grupos de risco para o suicídio estão as forças de segurança, os jovens e as pessoas com maiores dificuldades económicas. Por isso, "tanto o Ministério da Administração Interna como o do Trabalho, Educação e Ensino Superior devem ter algo a dizer".


Segundo um estudo sobre o comportamento das crianças e jovens publicado no final de 2022, um em cada quatro adolescentes portugueses já se feriu de propósito pelo menos uma vez, provocando intencionalmente cortes, queimaduras ou outro tipo de lesões. "Há cerca de 20 anos, o comportamento auto-lesivo era particularmente frequente no final da adolescência, estando associado a determinadas características da personalidade e à necessidade de transformar uma dor psicológica numa dor física, numa espécie de tentativa de alívio. Em termos gerais, digamos que eram pessoas com quadros psicopatológicos”, explica José Carlos Santos, que também é membro da Consulta de Prevenção do Suicídio no Centro Hospitalar de Coimbra e foi relator do Programa Nacional de Prevenção do Suicídio, bem como presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia.

Mas, hoje em dia, a realidade é diferente, com estes comportamentos a serem "cada vez mais frequentes em jovens entre os 12 e os 15 anos" que têm “problemas de comunicação, poucas competências sociais e só conseguem expressar a sua dor e angústia através do corpo”, diz.

Além disso, comportamentos que eram "essencialmente privados", com as pessoas a terem dificuldade em "assumir e mostrar as suas cicatrizes", são hoje em dia publicitados pelos próprios jovens nas redes sociais, em grupos em que se faz uma apologia destes atos ou, pelo menos, em que estes são totalmente aceites. "Estes grupos proporcionam uma sensação de segurança e pertença que estes jovens não encontram em lado nenhum. E a auto-lesão funciona como uma espécie de ritual iniciático. Acaba por haver uma normalização destes comportamentos e um dos perigos é precisamente esse."


Além dos adolescentes, também as pessoas LGBTI+ são consideradas um grupo de risco para o suicídio. De acordo com vários estudos, citados numa tese realizada no âmbito de um mestrado em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, a probabilidade de os jovens LGBTI+ desenvolverem ideação suicida pode ser até três vezes maior do que a probabilidade de os jovens heterossexuais o fazerem. No caso das tentativas de suicídio, essa probabilidade pode ser até sete vezes maior. Nos jovens trans, os números são ainda mais preocupantes. Alguns estudos revelam que cerca de metade terão apresentado ideação suicida em algum momento das suas vidas.

José Carlos Santos explica que "há muitas famílias que rejeitam os filhos quando estes assumem uma orientação sexual diferente da heterossexual". Além disso, as pessoas LGBTI+ "estão sujeitas a muita discriminação e preconceitos, e praticamente não tem qualquer suporte", situações que "são agravadas pela ausência de apoio familiar e alguma rejeição parental relativamente àquilo que é a sua vivência da sexualidade".

Tudo isto leva a que procurem menos os cuidados de saúde e, quando o fazem, é já numa fase avançada, quando está instalada uma crise. O tratamento é mais difícil, mas tem de ser dada uma resposta. "Até chegarem a nós, estas pessoas, por serem tão discriminadas, tiveram de ultrapassar várias barreiras. Já tiveram de se consciencializar de que precisavam de ajuda, já perceberam de que tipo de apoio necessitam e já identificaram as pessoas a quem pedir esse apoio. Quando chegam finalmente aos serviços de saúde, não podemos dizer que não temos respostas para elas."


“Esta área não pode ser da exclusiva responsabilidade da Saúde. Entre os grupos de risco para o suicídio estão as forças de segurança, os jovens e as pessoas com maiores dificuldades económicas. Por isso, tanto o Ministério da Administração Interna como o do Trabalho, Educação e Ensino Superior devem ter algo a dizer."

Neste episódio do podcast do Expresso sobre saúde mental, foram abordados ainda outros temas: a possível “subnotificação” de casos de suicídio em Portugal - que podem ser “mais 250, 300” do que os divulgados oficialmente - as dificuldades que enfrentam os familiares e amigos de pessoas que se suicidaram, e o aumento dos suicídios nos EUA e no Brasil, países que não acompanham a tendência de descida que se verifica a nível mundial. Oiça aqui a entrevista na íntegra:

“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.

Tiago Pereira Santos e João Carlos Santos

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hrbento@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate