Ana Nunes de Almeida: a Igreja está do lado das vítimas?
Bastou ouvir a conferência de imprensa de 3 de março para perceber porque foi possível tantos anos de ocultação: mesmo depois de o Papa Francisco ter declarado “tolerância zero” com os abusos sexuais, mesmo depois do relatório Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças que a Conferência Episcopal Portuguesa quis criar, o sofrimento das crianças continua a não estar no centro do discurso dos bispos portugueses. Está a defesa da imagem da Igreja. Só que não se volta a fechar a caixa de Pandora que se abriu
Seguindo o exemplo francês e respondendo ao apelo de 276 católicos, D. José Ornelas convidou Pedro Strecht a formar uma equipa independente. Ao pedopsiquiatra juntaram-se o juiz Laborinho Lúcio, o psiquiatra Daniel Sampaio, a assistente social Filipa Tavares, a cineasta Catarina Vasconcelos e a socióloga Ana Nunes de Almeida, que hoje temos connosco. É investigadora na área da sociologia da infância e da criança. Coordenou, em 1999, um estudo sobre maus-tratos a crianças na Família. É presidente do Conselho Científico do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e membro do Conselho Consultivo do Instituto de Apoio à Criança.
O que impressiona não se pode resumir em números. São as descrições de horror, sim. São os efeitos para toda a vida dos abusos e do silêncio, claro. Mas talvez o mais impressionante seja que tantos adultos tenham usado de forma tão perversa, violenta e calculista o poder espiritual e simbólico conferido pela Igreja para abusar e silenciar tantas crianças. Há, pelo menos nisto, uma excecionalidade nestes abusos: a utilização de uma autoridade espiritual incontestada para culpabilizar, amedrontar ou seduzir menores. Um abuso sexual que se baseia num abuso espiritual.
É mais que uma entrevista, é menos que um debate. É uma conversa com contraditório em que, no fim, é mesmo a opinião do convidado que interessa. Quase sempre sobre política, às vezes sobre coisas realmente interessantes. Um projeto jornalístico de Daniel Oliveira e João Martins. Imagem gráfica de Vera Tavares com Tiago Pereira Santos e música de Mário Laginha. Subscreva (no Spotify, Apple e Google) e oiça mais episódios:
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