Como é que a raiz da árvore da Fruta Sapo pode vir a tornar-se num medicamento contra cancros mais agressivos? Ângela Carvalho explica
A startup portuense Beat Therapeutics está apostada em garantir o pioneirismo de uma nova terapia que impede que as células cancerígenas emendem erros genéticos. Ângela Carvalho, diretora da Beat Therapeutics, prevê que o novo medicamento feito a partir da raiz da árvore da Fruta Sapo seja testado em humanos em 2027. Para já há um pedido de patente e um primeiro prémio ganho em menos de seis meses de operação
Em latim, tem o nome de Taberna Montanaelegans, mas em África é conhecida como Árvore da Fruta Sapo ou Mcau-Mcau – e em Portugal arrisca a ficar conhecida por ter sido usada pela startup Beat Therapeutics no desenvolvimento de um novo medicamento que promete matar células geneticamente degeneradas que dão origem a vários tipos de cancros. A ideia de negócio arrancou em agosto e, em menos de meio ano, garantiu logo um prémio da Associação Nacional de Jovens Empresários. Ângela Carvalho, diretora de Operações da Beat Therapeutics, admite que a investigação ainda está no início, mas não deixa de acreditar que algo de transformador no tratamento do cancro possa surgir nos próximos tempos.
“Considerando toda esta fase de desenvolvimento, contamos, ou estamos à espera de poder entrar em ensaios clínicos em 2027”, responde a investigadora em entrevista ao podcast Futuro do Futuro.
Lia Fernandes é investigadora no CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, no Porto, e presidente do colégio da Competência de Geriatria da Ordem dos Médicos.
Apesar de promissora, a nova linha de investigação não só terá ainda de superar os desafios científicos e tecnológicos, como garantir o apoio junto do mercado. Ângela Carvalho estima em cinco milhões de euros os fundos de capital de risco que a jovem empresa incubada no parque empresarial UPTEC, da Universidade do Porto, pretende captar nos próximos tempos para poder desenvolver os primeiros testes clínicos em humanos com um candidato a fármaco que é conhecido internamente por BBIT20 – e que se distingue por ter sido produzido a partir de raízes da Árvores da Fruta Sapo.
“O BBIT20 insere-se numa categoria que são os inibidores da resposta a danos no ADN, e é um candidato a medicamento “first in class” (tradução: o primeiro do género) porque é o primeiro reportado a inibir uma via de reparação nas células do ADN”, explica a investigadora.
Caso consiga confirmar a expectativa, a Beat Therapeutics poderá não só desenvolver um fármaco com potencial de licenciamento junto das grandes empresas farmacêuticas, como poderá deixar o nome na história por ter desenvolvido um composto que promete travar cancros agressivos com taxas de sobrevivência reduzidas, como o do pâncreas, o triplo negativo da mama, dos ovários ou sub-tipo de cancro da próstata que é resistente à castração.
Eventualmente, haverá outros cancros menos agressivos que poderão ser tratados com o futuro BBIT20, mas é a necessidade de encontrar soluções mais eficazes para as maleitas mais graves que levou a jovem empresa nortenha a focar-se, nestes primeiros tempos, nos cancros do pâncreas. E, para isso, os investigadores da Beat Therapeutics pretendem tirar partido do próprio processo de mecanismo celular, que leva várias células humanas a reproduzirem-se com erros a cada momento que passa.
Na larga maioria dos casos, o próprio organismo encontra forma de corrigir os erros que surgem no código genético (o ADN ou Ácido DesoxirriboNucleico) produzido a partir dos núcleos das células – mas noutros casos, as células que contêm erros acabam por continuar a proliferar, dando origem a tumores.
“Existe a formação da célula cancerígena e ela depois encontra mecanismos alternativos para reparar o ADN e assim continuar a proliferar. Aquilo que nós fazemos com este candidato a fármaco é inibir uma outra via que é central na reparação do ADN e, como estas células já têm estes erros associados, não conseguem continuar a reparar o ADN e, por consequência, morrem.”
Se é um erro que leva uma célula degenerada a levar a cabo uma reparação que leva ao aparecimento de um tumor, também é um erro na capacidade de reparação que impede a proliferação de células tumorais.
“Causamos como que um erro adicional e ao ter estes dois erros ela (a célula) deixa de ter forma alternativa de se reparar e por isso morre”, refere ainda a investigadora que trouxe para este podcast a imagem de uma dupla hélice de ADN degenerada, em resposta a um dos desafios colocados pelo Futuro do Futuro.
Ângela Carvalho sublinha que o candidato a fármaco “atua especificamente nas células cancerígenas, porque elas já têm os outros erros associados e não conseguem reparar-se de outra forma”.
Em laboratório, o BBIT20 tem sido chamado a atuar através de processos de difusão, que forçam o contacto com células doentes. “Atravessa a própria célula. A própria barreira. E concentra-se maioritariamente no núcleo, que é onde temos exatamente o ADN”, detalha Ângela Carvalho.
A diretora da Beat Therapeutics recorda ainda que o conceito que aproveita os erros genéticos das células cancerígenas como porta de entrada para novos fármacos é conhecido por “letalidade sintética”.
O BBIT20 já desencadeou um pedido de registo de patente – e é essa vertente empresarial que juntamente com a possibilidade de salvar vidas humanas levou a responsável da Beat Therapeutics a escolher o tema Ain’t no Mountain High Enough do dueto Tammi Terrell e Marvin Gaye para o segundo desafio que costuma ser colocado no podcast Futuro do Futuro.
As farmacêuticas podem ter como prioridade a saúde da humanidade, mas não deixam de ter propósitos comerciais bem definidos, admite Ângela Carvalho, sem avançar com um potencial preço para quando o BBIT20 chegar ao mercado.
“É normal que, tendo um negócio, tenha que haver sempre aqui uma forma de manter lucro ou de manter viabilidade financeira porque caso contrário também não conseguimos operar”, conclui a investigadora.
Tiago Pereira Santos
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos