Gostas mais de teatro do que de stand-up?
Não sei, porque também não sei bem o que é stand-up. Não sei se não vamos chegar a altura onde a definição de stand-up terá que ser mais abrangente. Não sei se os puristas depois vão para a rua com cartazes, mas não sei se aquilo que o [Jerrod] Carmichael faz às vezes é stand-up. A certa altura ele não está preocupado com o ritmo. Acho que é muito importante, não sou como ele. Preocupo-me muito com o ritmo, com ter muita graça várias vezes durante muito tempo.
O último solo dele, "Rothaniel", era muito uma história, em termos de risos tinha poucos. O que é que achaste?
Adorei, gostei muito. Não sou muito fundamentalista, aquilo para mim tem de ser complexo, no sentido em que deu trabalho e percebo a ilusão. Aquilo não é insucesso, não é não ter eficácia no riso. Ele optou por fazer aquilo. Que é o contrário de optar por fazer chorar só contando a minha vida. Porque isso é uma TED Talk.
Optou exatamente por fazer o quê?
Ele optou por experimentar, optou por baixar o ritmo. Quando se senta para contar alguma coisa, aquilo é premeditado. Ou seja, não senti que aquilo fosse moralista, nem que fosse gratuito, no sentido de explorar a emoção dele. Pareceu-me que aquilo foi tudo pensado e é uma abordagem nova. Apesar de ser incapaz de me colocar... para mim uma peça, um espetáculo, tem de ter um ritmo alucinante. Agora não sei se isto é defeito, o que será, mas gosto de consumir esses…
E a "Síndrome de Lisboa" tem esse ritmo?
Sim, isto parte de uma história pessoal dramática, mas é um espetáculo de comédia. Isso é que é estranho. Mas basicamente é alguém, que sou eu, o Carlos. Sempre que viajo vejo várias peças de teatro e há uma tendência agora - existem várias companhias que fazem isto - em que apresentam várias peças. Durante cinco anos fazem duas ou três, e os cinco, seis atores que fazem as peças têm sempre o seu nome. Muitos deles são casados e depois divorciam-se, e utilizam a sua vida pessoal para fazer peças. Fazem uma peça sobre a eutanásia, sobre um casal que perdeu um filho, e as pessoas que se sentam para ver aquela peça sabem que este gajo não é o Luís, que está a fazer de Moisés, ou de Mateus. Este gajo é o Luís, eu sigo-o no instagram, sei que ele se divorciou daquela atriz, e ele está a utilizar 40% daquilo que aconteceu na vida. E eu gosto das pessoas não saberem o que é real e o que não é. Por isso é que eu faço de Carlos. É baseado numa história real, e é a ideia de alguém que chega ao consultório, apesar de não acreditar em terapia [...]
Como nas tuas séries, na “Síndrome de Lisboa” também existe o objetivo de não percebermos exatamente o que é realidade e ficção?
Claro.
Os teus próximos projetos vão ter todos esta linha?
Gostava que não, até agora é isso que me tem puxado, mas gostava que não. Tudo o que é ficção parece-me difícil fazer em Portugal. Ficção com um cenário, um quarto, é tudo caríssimo. E aqui tanto o teatro como as séries em formato documentário permitem-me explorar essa realidade. E também porque é o que consumo. Gosto de me sentir enganado, mas não gosto de perceber logo que estou a ser enganado. Não sei explicar.
Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios:
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