Ana Brito e Cunha: "A minha mãe também foi vítima do caso BES. Nunca me hei-de esquecer do desgosto na cara dela"
Tem Espírito Santo no nome, mas “escondeu” o apelido durante anos porque o “país é muito preconceituoso”. Foi para Espanha com dias de vida e atravessou a fronteira escondida numa alcofa “como se fosse roupa suja”. Estávamos no Verão Quente. Na família era tratada como “Ana caracoletos”, tem 47 primos e sabe o nome de todos. Faz agora 30 anos de carreira. Quem não se lembra do seu Jardim da Celeste?
Nasceu em julho de 1975, quando o país estava a ferro e fogo depois do 25 de Abril. O pai já vivia em Espanha. A mãe atravessou a fronteira com a bebé de dias embrulhada numa alcofa, “como se fosse roupa suja”, no banco de trás do carro.
Os primeiros tempos em Espanha foram “duros”, mas não esqueceu a casa onde viveu até aos sete anos com os pais e os três irmãos, do caminho para a escola e da primeira melhor amiga. “Não tínhamos móveis, dormíamos todos no mesmo colchão”.
Matilde Fieschi
Nos anos 80, voltou para Portugal. Os pais divorciaram-se, a mãe regressou a Lisboa e o pai ficou em Madrid. A mãe dividiu-se em trabalhos e vivia na capital e no Algarve. “Foram anos impactantes para uma criança que só tinha a mãe em casa aos fins de semana”.
A família é grande. É carinhosamente tratada por “Ana, a caracoletos” - por causa do cabelo encaracolado “tão característico”. Os avós tiveram 14 filhos. Tem 47 primos direitos e sabe o nome de todos. As férias de verão eram passadas na casa da avó, em Azeitão, e as “72 camas da casa estavam sempre feitas.”
Matilde Fieschi
O avô, um dos fundadores do BES, foi um “fazedor de dinheiro”, mas foi sempre educada “sem luxos, nem ostentação.”
Tem Espírito Santo no nome, mas “escondeu” o apelido durante muito tempo por causa do preconceito. Na adolescência sentia que era “olhada de maneira diferente”. “Diziam que eu não precisava de trabalhar. Perdi muitos trabalhos por causa desse preconceito”, conta.
O dia em que o BES caiu “foi muito triste”. “Nunca vou esquecer o desgosto que vi na cara da minha mãe. Foi também uma vítima e todos perdemos: os portugueses e a minha família.”
Matilde Fieschi
Começou a trabalhar na televisão aos 18 anos. Hoje com quase 30 de carreira reconhece a evolução do teatro e da televisão, mas deixa críticas aos baixos salários.
Profundamente católica ainda que no percurso quase tenha perdido a fé.
Confessa que na sua relação com a fama chegou a ter momentos de “egotrip” mas a “familia nunca me diferenciou por ser atriz”. Foi “educada a ser muito terra a terra".
Nesta conversa com Bernardo Ferrão, fala da visão que tem do país, que “não anda para a frente”, e dos políticos que governam à “pancada”. A fé, as dúvidas e os “pecados” da Igreja. Uma mulher de sorriso fácil e conhecida de todos pela participação no Jardim da Celeste, a atriz e encenadora Ana Brito e Cunha é a convidada no novo episódio do podcast Geração 70. Ouça aqui a entrevista.