Sandro Resende (parte 1): “Aprendi com as pessoas do Júlio de Matos a não ter medo do ridículo e a ser autêntico. O que é muito difícil”
Sandro Resende é um dos pioneiros a usar a arte como ferramenta para libertar as pessoas do rótulo da doença mental. Há 14 anos, inaugurou a associação P28 que tem dado que falar com exposições que misturam obras de nomes consagrados da arte contemporânea com as de artistas residentes do Júlio de Matos. Depois, em 2019 fundou o espaço de criação de arte bruta “Manicómio”, a primeira a representar artistas com alguma doença psicológica. Em breve, Sandro lançará a plataforma internacional “Misfit”, onde poderão encontrar criações de pessoas ‘desajustadas’ que procuram o prazer na criação, sem terem o lucro como objetivo. Ouçam-no na primeira parte da conversa com Bernardo Mendonça
Ele é uma das figuras principais do nosso país a normalizar a forma como olhamos a doença mental. E é um pioneiro em usar a arte como ferramenta para libertar as pessoas do rótulo e estigma que lhes é colado à pele pela sociedade desde o primeiro diagnóstico, feito por um psicólogo ou psiquiatra.
E, mais do que isso, celebra e glorifica essas pessoas com as qualidades humanas e artísticas que têm.
José Fonseca Fernandes
Esta conversa em podcast começa por uma viagem no tempo, quando há 25 anos Sandro começou por dar aulas de artes plásticas no Centro Hospital Psiquiátrico de Lisboa, vulgarmente conhecido como Hospital Júlio de Matos.
E aqui conta como o que o atraiu naquele lugar foi a possibilidade de desenhar corpos deformados pelos distúrbios da mente, mas acabou tomado pelo caráter genuíno das pessoas que ali se tratavam e do potencial artístico de algumas delas.
José Fonseca Fernandes
Por isso, Sandro afirma aqui que o Júlio de Matos foi a sua segunda educação, porque foi lá que os “doentes” o ensinaram a olhar, ver, falar, estar e perceber mais profundamente a condição humana e social. E a dissociar as pessoas da doença, e das caixinhas em que as colocamos.
Sandro Resende recorda também nesta primeira parte do podcast, como há 14 co-fundou com José Azevedo a associação artística P28, e a galeria de arte no Pavilhão 31 do Hospital Júlio de Matos, onde passou a ser o diretor artístico e curador de inúmeras exposições e projetos que uniram o trabalho de artistas contemporâneos consagrados - tanto portugueses como internacionais - com as obras de artistas residentes numa unidade de saúde mental.
Por outras palavras, misturou obras de Emir Kusturica, Pedro Cabrita Reis, Jeff Koons ou Jorge Molder com criações de artistas da casa como as de Anabela Soares, Cláudia R. Sampaio ou Pedro Ventura.
José Fonseca Fernandes
O resultado não podia ser melhor, para desmontar a resistência e o ‘estigma’ de desenhos e obras feitas pelos considerados ‘malucos’. E Sandro dá conta de como nessas exposições, sem se olhar para a folha de sala, ninguém conseguia dizer quais dos trabalhos eram de artistas residentes do hospital.
Mais à frente é referido outro grande projeto revolucionário que cofundou em março de 2019, com o mesmo amigo José Azevedo a que deu o nome de “Manicómio” - um projeto de insanidade e liberdade, mas também de inovação e criação, que tomou a forma de uma galeria de arte bruta que começou num espaço de coworking no Beato com o propósito de promover os trabalhos de artistas contemporâneos com doença mental, e de lhes dar dignidade e reconhecimento fora dos muros dos pavilhões hospitalares, lado a lado com outras pessoas e empresas.
José Fonseca Fernandes
Porque bem sabemos que o futuro passa pela mistura, valorização, normalização e aceitação das doenças do foro mental, sem estigmas e guetos. E, já agora, a um acesso mais democrático às consultas de psicologia para toda a gente.
E foi precisamente por isso que Sandro criou no Manicómio o projeto “Consultas sem Portas” para se dar apoio psicológico - a preços bem mais acessíveis do que os praticados habitualmente - fora dos gabinetes convencionais: mas em museus, jardins e outros lugares inspiradores. E aqui se explica em podcast como tudo foi implementado.
Sandro chega a partilhar que iniciou o projeto “manicómio” quando soube que o pai tinha cancro. O pai morreu nesse processo, e Sandro acompanhou-o até ao fim enquanto fazia nascer o Manicómio. E fê-lo com o amigo e artista José Azevedo, que também acabou por adoecer e partir. Por isso, este projeto não é só de arte, mas de muitas lutas e ligações emocionais…
Destaque para a a recente exposição coletiva “Procissão - Louvar e Santificar” que ocupou em 2024 o Maat durante 3 meses com obras de 6 artistas do Manicómio. Uma celebração da loucura, tratada ali não como um estigma, mas enquanto caminho de “iluminação” e aceitação.
Mas sobre isto Sandro Resende esclarece que deixou há pouco tempo a direcção do “Manicómio” para se lançar a um novo projeto criativo e artístico à escala mundial, a que vai chamar “Misfit” - “desajustado”. E revela o que vem aí, algures ainda este ano.
No final desta primeira parte, Sandro é surpreendido com um áudio da artista plástica e poeta, Cláudia R. Sampaio. Boas escutas!
José Fonseca Fernandes
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.