Olga Roriz (parte 1): “Os corpos estão miseráveis, a definhar, a parar. Já nem sabemos dançar. Por isso digo que os bailarinos salvaram-se”
Olga Roriz é uma das criadoras que mais marcaram o rumo da dança e das artes performativas em Portugal. Para o ano, a sua companhia de dança completará 30 anos de existência e Olga celebrará 70 de vida e 50 de carreira. Atualmente, a coreógrafa está em fase de pesquisa para o seu próximo solo, “O Salvado”, mais de 10 anos depois do seu último “A Sagração da Primavera”, estreado em 2013. A data deste seu regresso aos palcos está marcada para julho de 2025, primeiro no Porto depois em Lisboa. Olga levanta a cortina do que está a preparar e deixa o apelo: “Dancem mais.” Ouçam-na aqui nesta primeira parte da conversa com Bernardo Mendonça
Olga Roriz começou a dançar quase ao mesmo tempo que começou a falar. E aos 5 anos decidiu logo que, além de bailarina, queria ser coreógrafa.
Os anos que se seguiram foram passados na Ópera do Teatro São Carlos, em Lisboa, onde aprendeu o rigor da dança com uma mestra russa, mas também a grandiosidade de espetáculos maiores do que a vida.
José Fernandes
Foi no extinto Ballet Gulbenkian, em Lisboa, que nos anos 80 o seu corpo no palco passou a ser revolução, subversão e liberdade. Nomeadamente com a peça “Lágrima”, em que se revelou uma ‘enfant terrible’ e rasgou com as convenções conservadoras - e algo retrógradas - da dança ao mover-se ao som de Nina Hagen para representar no palco uma relação violenta de uma mulher nas mãos de três homens. E logo no início deste episódio Olga recorda como o público e os seus pares reagiram a esse momento disruptivo.
Certo é que desde aí, Olga Roriz tornou-se uma das criadoras que mais marcaram o rumo da dança e das artes performativas em Portugal. Nos 50 anos do 25 de abril, falar de revolução é falar também do que criadoras como Olga Roriz fizeram nas últimas décadas, porque a revolução do pensamento veio também com a revolução do corpo, nomeadamente do corpo feminino, e do seu lugar no palco e na vida.
José Fernandes
E desde que lançou em 95 a “Companhia Olga Roriz”, na qual é diretora e coreógrafa, a sua estrutura passou a ser uma das instituições de maior referência da dança nacional.
Olga é uma mulher que fascina pela sua garra e força telúrica, e os seus espetáculos de dança são tantas vezes grandiosos e têm muito de cinema, de literatura, de teatro - de ópera até - onde reflete as dores, os horrores e as paixões e utopias do mundo através do corpo.
A dança é para Olga uma forma de se resolver e usa-a para nos ajudar a pensar, e a sentir, e está há uma vida em busca dessa verdade no palco. Por isso gosta de exercitar não só o corpo, mas a mente que transpira no gesto. Para o ano a sua companhia completará 30 anos de existência e Olga celebrará 70 anos de vida e 50 de carreira. E para a ocasião está a preparar um solo para estrear nessa altura. E aqui, neste episódio, abre um pouco a cortina sobre essa sua próxima criação.
José Fernandes
O que pode um corpo que dança? O que pode um corpo com muita história de vida e de dança, com tantas transformações que aconteceram no caminho? Já a ouvi dizer que é a partir das fragilidades e da consciência dos limites do corpo que a dança acontece. E que com a idade tornou-se mais absurda, com menos medo do ridículo. E isso parece-me verdadeiramente libertador. E poderoso.
José Fernandes
O que mais lhe interessa atualmente provocar na dança e refletir em palco? Esta pergunta é-lhe lançada. Isto numa época em que o ódio voltou a andar à solta por aí, e andamos cada vez mais isolados, mais desencontrados, mais virtuais, sem tempo, sem corpo, sem toque, mais presos dentro dos nossos corpos e dos nossos telemóveis, e quase já não dançamos na pista ou na cama.
O que isto diz de nós enquanto sociedade? Olga Roriz responde a isto e muito mais na primeira parte deste podcast.
José Fernandes
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte deste episódio será lançada na manhã deste sábado. Boas escutas!