Miguel Guilherme: “Terei tido momentos de ilusão a achar-me o maior. Considerarmo-nos o pináculo é ridículo e a realidade desmascara-nos”
É um dos atores mais carismáticos, talentosos e amados deste país. O seu currículo é extenso onde se somam inúmeros sucessos no teatro, no cinema, na televisão e na rádio. Foi nos anos 80 que se tornou conhecido num anúncio de eletrodomésticos e daí passou a integrar durante anos a turma de Herman José em inúmeros programas de humor. Na televisão são inúmeras as séries que protagonizou e que ficaram no imaginário de todas as pessoas, como o “O Fura-Vidas”, “Bocage” ou o “Conta-me Como Foi” que regressa aos ecrãs em Junho. Mas Miguel está de volta também aos palcos e em cena com a atriz Luísa Cruz no espetáculo “A Peça para dois atores”, de Tennessee Williams, com encenação de Diogo Infante, no Teatro da Trindade, em Lisboa, até 25 de junho. Uma história sobre dois irmãos atores abandonados por toda a companhia num teatro decrépito. E aqui se fala de saúde mental, de confinamento forçado, e da linha ténue, por vezes perigosa, entre a ficção e realidade, entre a verdade e a mentira. Sobre o jogo da luta de egos deixa claro: “A ideia da competição para mim é abjeta, desinteressa-me. Sou mais de cooperar, vou buscar o melhor no outro e isso eleva-nos. É assim que gosto de representar e é assim que devia ser na vida." Ouçam-no no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas, com Bernardo Mendonça
Conversar com Miguel Guilherme é sempre uma renovada e vibrante surpresa, porque ele é generoso a falar de si e da sua arte e não é de tretas, de poses, de snobeiras bacocas, de máscaras ou de discursos ensaiados, postiços e balofos. E isso é sempre uma maravilha de escutar e algo raro. Além disso, Miguel Guilherme não tem medo da sombra, do erro, da falha, da dúvida, e é bom percebermos que a sua bela e farta cabeleira branca não lhe retirou curiosidade, fome de saber, e frescura e capacidade crítica sobre si e sobre o país, o mundo e os outros. O seu currículo é extenso, e muito variado e completo, onde se somam inúmeros sucessos no teatro, no cinema, na televisão, na rádio e na publicidade.
Passaram 5 anos desde que o Miguel veio a este mesmo podcast. Nessa altura chegou a afirmar “Sem cultura, nós transformamo-nos nuns animais. E nós, portugueses, estamos meio cá meio lá…” E, pelo meio, deixou uma crítica a António Costa que considerou um bom político, mas algo distraído quanto ao apoio dado à Cultura. Passado este tempo, Miguel refaz a frase e o discurso. Retira da equação os animais, que nada têm a ver com a discussão, e considera que a mudança faz-se no coletivo: "Acredito que a arte tem que existir por si, pela vontade de fazer, e quanto mais forte for o impulso artístico, mais o Estado e a sociedade reconhece esse impulso. Mas, por outro lado, a pandemia pôs a nu a precariedade na classe artística e no meio audiovisual. Defendo que as pessoas têm que se organizar em sindicatos e associações, devem fazer o balanço do que está mal e reivindicar coisas em coletivo."
Miguel considera que o passado persegue-nos a todos, invariavelmente. E neste “conta-me como foi” e conta-me como será, o ator revela as ferramentas e a narrativa que tem usado para perspetivar e avançar sem ficar agarrado aos erros do passado. E fala ainda da importância do erro na sua arte.
De volta aos palcos, Miguel Guilherme contracena com a atriz Luísa Cruz, no espetáculo “A Peça Para Dois Atores”, do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams, com encenação de Diogo Infante e que está em cena no Teatro da Trindade, em Lisboa, de quarta a sábado até 25 de junho. Visivelmente entusiasmado com este regresso, chega a afirmar: “Preciso sempre de voltar ao teatro. Senão não me sinto confortável na minha pele. Adoro a relação que se estabelece entre o público e os atores no teatro, pela proximidade e respiração em conjunto na sala. No fundo é uma assembleia. É um corpo único de pessoas num espaço. Quando sentes que está toda a gente a respirar no público da mesma maneira é uma boa noite de teatro”
Recorde-se que “A Peça Para Dois Atores” foi levada a cena pela primeira vez em 1967, em Londres, e na época foi considerada pelo próprio criador como a sua peça mais bonita desde “Um Elétrico Chamado Desejo”. Nesta trama, um homem e uma mulher, irmãos e atores estrelas em final de uma digressão demasiado longa, são abandonados pela restante companhia, que os acusa de estarem loucos, e vêem-se forçados a representar uma peça em que os dois irmãos são as próprias personagens da peça que representam. À medida que a peça dentro da peça se desenrola, a linha entre a realidade e a ilusão torna-se cada vez mais ténue e os irmãos são obrigados a lidar com os seus próprios fantasmas, num jogo trágico-cómico que os conduz ao limite. E aqui se fala de saúde mental, de confinamento forçado, e da linha ténue, por vezes perigosa entre a ficção e realidade, entre a verdade e a mentira. Representar é falar a verdade a mentir, como o título de uma das peças de Almeida Garrett? Miguel Guilherme é rápido e eficaz na resposta que podem ouvir na primeira parte deste podcast.
O ator revela ainda que detesta a competição na sua profissão:
"A ideia da competição para mim é abjeta, desinteressa-me, talvez porque sempre fui muito inseguro. A ideia de fazer melhor do que os outros ou de os ultrapassar nunca caiu bem comigo. Às vezes vejo pessoas assim, mas sou mais de cooperar, de ouvir o outro, e assim vou buscar o melhor no outro e isso eleva-nos. É assim que eu gosto de representar e é assim que acho que devia ser na vida. Mas infelizmente não é assim, porque há muitas paranoias."
E ainda surge um depoimento de Diogo Infante, junto com um desafio e outro da sua amiga e cúmplice de tantos palcos, a atriz Rita Blanco.
Nesta segunda parte da conversa, o ator Miguel Guilherme é logo questionado se se vê como um cacto, e se pica quem lhe chega perto. A dica foi-nos dada por Rita Blanco. E, nesse caminho, Miguel conta-nos como foi que surgiu essa sua paixão e hobbie por estas plantas do deserto, que o levou a abrir uma banca como florista no mercado do Príncipe Real. E depois revela o que gostaria de ter feito na vida que ainda não fez ou que ainda quer fazer, os medos que perdeu e as notícias da atualidade mais o inquietam.
E ainda há espaço para a literatura, num momento imperdível quando Miguel lê de forma sublime um poema de Ricardo Reis, e depois dá-nos música e sugere leituras para este verão. E entre portas e travessas fala-se das vantagens da maturidade, do sexo na idade madura e do horizonte que o ator deseja para a sua vida.
Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha. Os retratos são da autoria de José Fernandes. A sonoplastia deste podcast é do João Ribeiro e teve o apoio em estúdio de João Martins.
Terminamos aqui esta temporada de conversas. Voltamos em setembro com mais convidados e convidadas especiais. Até lá, já sabem: pratiquem a empatia, boas escutas e boas conversas!
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