Márcia: “Devia haver mais atividade cultural no interior do país. Ser músico não é só ir ao 'Ídolos', ganhar e ser famoso”
Depois de 4 discos e vários prémios, acaba de sair do forno o 5º álbum de originais de Márcia, “Picos e Vales”, que surgiu após a autora superar um período pessoal particularmente difícil quando em 2021 lhe foi diagnosticado cancro da mama. Nestes últimos anos, a cantora tem percebido a importância de mostrar as suas fragilidades, as imperfeições, os lados difíceis da vida, porque é isso que nos aproxima uns dos outros. "Escondi-me durante anos a fio, desconfortava-me expor-me. Queria que a minha música fosse conhecida, mas eu não. Ando num processo de desfazer as pedras desse muro." Ouçam-na no podcast “A Beleza das Pequenas Coisas, com Bernardo Mendonça
Quem não se lembra do dueto mágico entre Márcia e JPSimões no EP “A Pele que há em mim”, lançado em 2009? Um arraso. Um hino lindo ao desamor e de como lamber as feridas e seguir em frente sem mágoas, para se fechar uma história e seguir em frente para o que aí vem. Seguiram-se os álbuns “Dá”, “Casulo”, “Quarto Crescente”, “Vai e Vem” e o seu novo “Picos e Vales”, o 5º álbum que Márcia lançou após superar um período pessoal particularmente difícil quando em 2021 lhe foi diagnosticado “cancro da mama”. Um dos momentos mais duros que viveu, mas que enfrentou com garra. "Só depois de me submeter à cirurgia e à radioterapia, para combater o cancro, e após as férias de verão, tive um momento de apatia. Foi um ir abaixo escangalhada depois do esforço de subir uma montanha. Foi pensar 'agora já posso cair.'", recorda.
Márcia escolheu partilhar publicamente este episódio duro e delicado para celebrar a vida, o amor e as batalhas de tantas e tantos.
E também neste podcast Márcia fala de como está a aprender nos últimos anos a importância de mostrar as suas fragilidades, as imperfeições, os lados difíceis da vida, porque é isso que nos humaniza, que nos torna mais interessantes e que nos aproxima mais uns dos outros. Talvez por isso lançou em 2020, o livro “As estradas são para ir”, um autorretrato feito de textos, poemas e belíssimos desenhos seus que revelam o lado A e o lado B de Márcia. Onde relembra os mergulhos no mar com o pai, as sopas da Tia Chincha - que lavava a roupa com OMO e amou toda a vida um homem com esta mesma sigla - e onde assume que odeia rotinas e que deseja que o pragmatismo nunca lhe aconteça.
Porque tantas vezes é a arte e a escrita que nos regenera, este é um livro que surgiu depois de um desafortunado pequeno incidente, como ela própria o chamou, quando lhe foi diagnosticado um calo nas cordas vocais e que a levou a perceber que além da escrita de canções, lhe era imprescindível cantar. E nós agradecemos.
Sobre o ritmo desenfreado e alucinado destes tempos modernos e digitais, para onde a maioria é empurrada, como se estivéssemos a tentar ficar de pé na carruagem de um comboio descarrilado que nos sacode noite e dia, Márcia chega a comentar: "Há cada vez mais tentações nos ecrãs, o cérebro fica agarrado aos 'scrolls' e dopaminas dos 'likes'. Também caio nessas tentações. Mas corto o mal pela raiz, quando me sinto dominada por aplicações ou por pessoas."
Quanto ao seu novo disco “Picos e Vales”, ainda acabado de sair do forno, andam por aí a tocar os singles: “Já Passou da Hora”, “Flor e a Fava” e “Meu amor bem sabes”, que consolidam Márcia como uma das mais interessantes autoras da música portuguesa da atualidade.
Nestes 13 anos a fazer música, são muitas as suas músicas que cantam de forma única as perdas, as feridas, as dores, os ‘bye byes’, a deceções, os lutos, os mil anos entre o que é e o que deve ser… e a importância de dançarmos o azar e passarmos por dentro da tempestade e aprendermos a cair. Márcia dá-nos a mão e canta-nos canções com a sua voz doce, quase sussurrada, de forma íntima ao ouvido, para nos embalar e enfrentarmos melhor o medo, a má sorte, e a vida entre picos e vales, pedras, oceanos e flores. Já fez duetos com António Zambujo, Samuel Úria, Luísa Sobral, Salvador Sobral, Camané ou Sérgio Godinho e escreveu para Ana Moura, Pedro Moutinho, Ana Bacalhau e Zambujo.
Qual o real poder de uma canção? Mesmo sem teor político, a cantiga é uma arma? E uma cura recíproca? "A cantiga é uma cura. Não aceitamos os outros enquanto não nos soubermos aceitar a nós próprios."
Sobre o facto de nos cartazes dos festivais de música ainda predominarem os homens, Márcia responde:"A música ainda é dominada pelos homens. É sistémico. Estou a fazer a minha parte. Sou cantora, escrevo canções, edito e produzo os meus discos, e quando vou atuar sou a única mulher numa carrinha com nove pessoas, empregadas por mim. Mas esse questionamento devia partir dos homens".
Recorde-se que em 2019, Márcia foi distinguida com o prémio José da Ponte da SPA, e conta com 3 nomeações para os Globos de Ouro, com os temas “Tempestade”, “Insatisfação” e “A pele que há em mim”.
Aconselhamos a que tomem nota: Dia 7 de Dezembro, Márcia atuará no palco do Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, para apresentar ao vivo o seu novo disco.
E como Márcia considera que as entrevistas têm algo de terapia e de divã, sugerimos que se deitem todas e todos no divã ao som desta conversa, e da música e da voz sussurrada de Márcia. Certamente vai ser autêntico, como Márcia escolheu ser na vida e na música.
Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha, com mistura de João Firmino (vocalista dos Cassete Pirata). Os retratos desta vez são da autoria de Nuno Fox. A sonoplastia deste podcast é do João Luís Amorim e João Martins.
Voltamos para a semana, com mais uma pessoa convidada. Até lá escrevam-nos, comentem, ativem as notificações, partilhem, classifiquem o podcast e, já sabem, pratiquem a empatia e boas conversas!
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