A Beleza das Pequenas Coisas

Isabela Figueiredo: “Sempre me vi como imprópria. Anormal. Desadequada.” 

Começou a dar que falar há doze anos com um livro de memórias coloniais porque se incomodou com a narrativa suave do pós-colonialismo. E nele assumiu a relação amor-ódio com o pai. “Aquilo que sou hoje também vem do trabalho escravo e mal pago que o meu pai roubou aos africanos que eram os seus empregados.” Mas em 2016 a escritora Isabela Figueiredo voltou a agitar as águas com o primeiro romance, “A Gorda”, uma bomba literária que nos levou a calçar os sapatos de uma mulher com excesso de peso que um dia decide reduzir o tamanho do estômago. Uma obra de autoficção que afinal tem muito de si, já que Isabela escreveu o livro logo após se submeter à mesma cirurgia, o que a levou a perder mais de 40 quilos. “Esse livro é uma declaração de dor, de perda e solidão”. O próximo romance já está escrito e tem uma abordagem da vida algo ‘punk’ ou, como chega a dizer, ‘é muito vegan’: “É sobre ter o direito a não ser nada, a não ser importante e a viver sem trabalhar”. E sobre os prémios lança a farpa: “Mas porque é que só atribuem o Prémio Camões aos 90 anos? Aos 90 anos já não se pode gastar o ‘guito’ numa viagem”

Isabela Figueiredo: “Sempre me vi como imprópria. Anormal. Desadequada.” 

José Cedovim Pinto

Jornalista Multimédia

Isabela Figueiredo: “Sempre me vi como imprópria. Anormal. Desadequada.” 

Nuno Botelho

Fotojornalista

Esta é uma conversa saborosamente despenteada que nos leva a conhecer um pouco mais a forma de ser livre, desformatada e algo ‘punk’ da escritora Isabela Figueiredo. Ou não chegasse ela a afirmar às tantas neste episódio: “Não vou ganhar prémios ao longo da vida, a minha escrita não é canônica, não digo as coisas certas, não pertenço a nenhuma pandilha e não faço contas de pertencer.”

Aqui conta o que a levou a escrever o seu primeiro romance “A Gorda”, de 2016, distinguido com o Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues 2017, onde serviu ficção e realidade num só corpo, num só livro. Antes dera que falar com o seu biográfico “Caderno de Memórias Coloniais”, de 2009, em que recorda os tempos de menina vividos em Lourenço Marques, Moçambique, atual Maputo. E ajusta contas com o pai, o progenitor que ama, mas que foi capaz de ações que ela condena. “Aquilo que sou hoje também vem do trabalho escravo e mal pago que o meu pai roubou aos africanos que eram os seus empregados. Sob a minha educação, sob aquilo que o meu pai me deu, está muito sangue e suor dos africanos que ele explorou. Eu sou um produto do colonialismo pelo privilégio a que tive acesso naquele contexto. O meu pai em Portugal era um homem pobre de uma origem muito pobre. Não sei em que medida teria podido estudar. Não teria podido mesmo... ”

Nesta conversa em podcast a escritora assume que viveu este ano e o confinamento muito zangada, com raiva e revolta. “Com vontade de processar o governo português se tivesse dinheiro. Porque estou presa em casa. Porque politicamente tudo isto deveria ter sido gerido de forma a proteger os frágeis, mas deixar a liberdade e a autonomia sob a responsabilidade daqueles que podem ser responsáveis. Ou seja, gostaria de não ser tratada de forma paternalista como tenho sido até agora. Não quero que haja um jornalista na televisão a dizer-me 'tenham noção'. Não quero ser tratada dessa forma nem por jornalistas, Presidentes da República ou primeiro-ministros.”

E ainda revela os bastidores da sua escrita, as suas curiosas fontes de inspiração, como encara a felicidade e o seu primeiro amor, as conquistas da maturidade e entreabre um pouco o que irá dentro do próximo livro que vem aí... na reentré. E, claro, dá-nos música.

Mais uma vez, a edição áudio é do José Cedovim Pinto, a fotografia é do Nuno Botelho, e o genérico é, como sabem, uma criação original do músico Luís Severo.

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