Esta conversa com Dulce Maria Cardoso começou com o relato de um banho. Um longo e saboroso banho que a sua mãe tomou há dias e que não queria ver acabar tão depressa. E na banheira, para sua surpresa, a progenitora cantou-lhe uma melodia da sua meninice, passada em Trás-os-Montes. Um instante matinal que comoveu a escritora, e que a levou a falar neste episódio dos pequenos nadas que são tudo se tivermos tempo e sabedoria para os escutar: um banho, uma caminhada, uma conversa, um copo de vinho.
Passaram dois anos desde o lançamento do seu quinto e mais recente romance, “Eliete”, lançado em 2018, em que Dulce Maria Cardoso conta a vida normal de uma mulher - com os seus lados obscuros, frustrados e banais, como a existência de todos nós. Seria por esta altura que a escritora previa lançar o novo volume desta história, pensada para ser uma trilogia, mas a vida, a pandemia, a doença da mãe, trocaram-lhe as voltas e viu-se forçada a fazer uma paragem na escrita do romance e a ter de adiar a publicação do próximo livro para 2021. “Não é uma estratégia de marketing. Aconteceu.”
Nesta conversa em podcast, Dulce conta-nos a admirável história de amor entre a sua mãe e o seu pai, que os levou a enfrentar a família na aldeia e a partirem para África e de como esse exemplo foi uma lição para si. Já em Angola experimentou a solidão, porque as crianças brancas não brincavam com as crianças negras. E foram os livros que a salvaram. “Os livros salvaram-me da solidão, da ignorância, do tédio e da frustração."
A escritora reflete ainda sobre a condição feminina ainda hoje condicionada pelos valores da cultura judaico-cristã. “Nós mulheres vivemos ainda num caldo cultural em que o valor fundamental é a culpa. O manual de regras do que as mulheres não podem e não devem fazer é ainda enorme e inibe-nos de nos expressarmos livremente. E há a ideia de que os homens ficam assustados com mulheres mais bem resolvidas."
Feliz com o facto do seu livro estar a ser traduzido para várias línguas, esclarece que até agora tem havido muito mais autores masculinos traduzidos para língua estrangeira, resultado da desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres que ainda persiste na sociedade a que a cultura não é alheia. “O poder na literatura tem estado na mão dos homens. Mas a realidade está a mudar.”
Mas há muito mais para escutar e descobrir neste episódio do podcast "A Beleza das Pequenas Coisas". Mais uma vez, a edição áudio é do José Cedovim Pinto. A fotografia é do Nuno Botelho e o genérico é uma criação original do músico Luís Severo. Mantemos o desafio a todos os ouvintes para que enviem as suas opiniões, sugestões, histórias e comentários para o seguinte email: abelezadaspequenascoisas@impresa.pt.
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