A Beleza das Pequenas Coisas

Isabel Jonet: “Há pessoas a passar fome. A pobreza mata e vai matar”

Passaram 26 anos desde que Isabel Jonet entrou como voluntária para o Banco Alimentar contra a Fome e hoje é presidente de uma instituição que angaria alimentos para 2.600 entidades. E se antes desta pandemia os Bancos Alimentares apoiavam 380 mil pessoas, os números dispararam no último mês. Na recém criada Rede de Emergência Alimentar já chegaram 12.060 novos pedidos de ajuda, de famílias ou de grupos, que abrangem cerca de 58 mil pessoas. “Esta onda de crise criou inesperados novos pobres”. São os profissionais das artes, do turismo, dos ginásios, empresários, e demais trabalhadores precários e da economia informal que, de uma forma súbita e imprevista, ficaram sem sustento. É o outro vírus, o da pobreza, que cresce no país e, como prevê Jonet, ‘vai matar’. Uma conversa para ouvir neste episódio do podcast “A Beleza das Pequenas Coisas”

Isabel Jonet: “Há pessoas a passar fome. A pobreza mata e vai matar”

Joana Beleza

Edição áudio

Isabel Jonet: “Há pessoas a passar fome. A pobreza mata e vai matar”

Tiago Miranda

Fotografia

Isabel Jonet abre todos os dias da semana a sede do Banco Alimentar Contra a Fome de Lisboa, na Avenida de Ceuta, às 7h45, para as primeiras chegadas da mercadoria. O colaborador que o fazia habitualmente tem mais de 65 anos e passou a ficar em casa para se resguardar da pandemia.

É nessas primeiras horas da manhã que chegam as tantas carrinhas carregadas de alimentos frescos do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL). Produtos excedentes que não conseguiram colocação no mercado e que matam a fome a milhares de pessoas com carências alimentares comprovadas. Só do Banco Alimentar de Lisboa saem diariamente cerca de 40 toneladas de alimentos. E os pedidos de ajuda não páram de aumentar. Só no formulário online da Rede de Emergência Alimentar, criada provisoriamente para fazer face a esta crise - em articulação com as instituições de solidariedade, juntas de freguesia e câmaras - chegaram até agora 12.060 novos pedidos de ajuda. E os números não param de aumentar diariamente. Uma realidade que apanhou muitas famílias desprevenidas. Algumas delas julgando estar numa fase de prosperidade.

“Nós estávamos com a ideia de que tudo estava muito melhor na economia e que o país estava fluorescente e próspero e que podíamos arriscar. Dou como exemplo o caso de uma empresária que largou o seu anterior emprego, quis arriscar na área do turismo, quis dar um passo para ter uma vida melhor, foi atrás de um sonho de montar um gabinete de estética de luxo num hotel de 5 estrelas ao pé de Lisboa, mas caiu-lhe esta crise. E ficou sem dinheiro para viver, com três filhos adolescentes. Nós tínhamos esta ilusão de que o país estava bem, que o turismo era o motor da economia, que Portugal estava no top das escolhas turísticas, havia menos desemprego, não havia défice, tínhamos um Cristiano [Ronaldo] nas finanças, [o Mário Centeno]. Era tudo bom. Portanto estávamos numa onda positiva. Só que esta onda que veio, era uma onda da Nazaré e as ondas também chegam à praia e esta foi inesperada e com uma grande brutalidade. Uma onda que provocou inesperados novos pobres que não estavam a pensar ficar numa situação destas. Este inesperado é que faz com que estas famílias fiquem com a vida toda virada do avesso. E, sobretudo, o recomeçar vai ser difícil. A brusquidão com que tudo isto caiu em cima de nós, de como a economia parou, o confinamento foi num dia determinado, mas o desconfinamento não vai ser num dia determinado.”

Nesta conversa em podcast a presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares, que é formada em economia, tem uma ideia do que vem aí. E que demorará uns anos até que as famílias devastadas economicamente com esta pandemia recuperem. “No caso do turismo demorará até se conseguir reconquistar a confiança. Principalmente o turismo dos mais velhos. As pessoas ganharam uma consciência à perenidade da própria vida, à fragilidade de tudo isto, que obriga a algum resguardo, passou a ser muito vulgar ouvir-se 'depois deste vírus, virá outro'”. E acrescenta ainda que os próximos tempos vão ser especialmente duros. Não vai ficar tudo bem.

"Espero que o governo não deixe que se torne insustentável e que consiga recorrer a todos os meios incluindo aos fundos europeus que vão estar disponíveis para fazer com que as empresas preservem o emprego, que é a coisa mais importante neste momento. E voltar a dar emprego e trabalho a todas as pessoas para que possam ser donas da própria vida. Espero também que as pessoas tenham capacidade de resistir aos muitos sacrifícios que vão ter de fazer e à dureza que vai haver em cada família. Para os prestadores de serviços e empresários o recomeço vai ser mais difícil do que para as pessoas da economia informal. Porque num primeiro momento as pessoas da economia informal vão safar-se, porque vai voltar a haver biscates. E muitas empresas vão dispensar colaboradores e fazer despedimentos depois desta experiência do teletrabalho.”

Mas este é só um lamiré do tanto que pode ouvir neste episódio, no qual Jonet chega a falar das chamadas telefónicas que recebe do Presidente da República, comenta a frase polémica dos 'bifes', lê um texto do poeta e cardeal José Tolentino Mendonça e ainda nos dá música.

Mais uma vez, a edição áudio é da Joana Beleza. E, como habitual, o genérico desta temporada é uma criação original do músico Luís Severo.

Mantemos o desafio a todos os ouvintes para que enviem as suas opiniões, sugestões, histórias e comentários para o seguinte email: abelezadaspequenascoisas@impresa.pt

Voltamos para a semana. Até lá, pratiquem a empatia, protejam-se, fiquem em casa sempre que puderem, ajudem quem mais precisa, e boas conversas!

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