Opinião

Um “Milagre” na prevenção da infeção por VIH e da SIDA

Um “Milagre” na prevenção da infeção por VIH e da SIDA

Francisco Antunes

coordenador do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Na 25ª Conferência Internacional sobre SIDA, realizada no passado mês de julho, em Munique, na Alemanha, foi revelado, através do estudo PURPOSE, que o acesso universal a um novo antirretrovírico injetável, duas vezes por ano, é um passo gigante para a eliminação do VIH e da SIDA como problema de Saúde Pública já em 2030

A resposta científica à SIDA, para que a infeção por VIH seja eliminada como um problema de Saúde Pública em 2030, está mais perto de ser alcançada apesar de prevalecerem, ainda, o estigma e a discriminação para as pessoas mais vulneráveis.

Em 2010 abriram-se novos horizontes na prevenção da infeção por VIH com o aparecimento e comercialização da PrEP - Profilaxia Pré-Exposição, quando ficou demonstrado que alguns dos medicamentos indicados para o tratamento das pessoas que vivem com VIH, denominados antirretrovíricos, podiam proteger as pessoas não infetadas de adquirirem a infeção por via sexual. A combinação de dois antirretrovíricos num comprimido único (emtricitabina e tenofovir), denominada Truvada, desde que tomado regular e diariamente através de um comprimido por via oral, assegura níveis elevados dos antirretrovíricos no organismo na altura da exposição, com uma eficácia de 100%.

Quando alguém adquire a infeção estando a tomar Truvada é porque não houve uma adesão consistente ao tratamento, isto é: não tomou a medicação de uma forma regular, sendo os níveis dos antirretrovíricos no organismo insuficientes para que a proteção aconteça. Tais situações de insucesso à PrEP oral/diária, por irregular toma da medicação, pode, em certas populações, reduzir a eficácia do tratamento em vinte e cinco por cento (25%). Uma das principais razões para esta fraca adesão está associada ao estigma da toma oral e diária do comprimido de Truvada.

Para ultrapassar o problema, relativamente à toma oral diária da PrEP, foi disponibilizada em 2021 a PrEP injecável, por via intramuscular, de dois em dois meses, com o antirretrovírico cabotegravir com um período longo de ação. No entanto, o seu custo elevado e a necessidade de deslocação seis vezes ao ano ao hospital, para a administração intramuscular, têm sido uma barreira no acesso ao cabotegravir.

Em julho de 2024 foram apresentados na 25ª Conferência Internacional sobre SIDA (AIDS 2024) e publicados na revista The New England Journal of Medicine os resultados do estudo PURPOSE que envolveu 5.338 mulheres seronegativas para VIH na África do Sul e no Uganda. Este estudo comparou lenacapavir injectável de ação prolongada, por via subcutânea e administrado de seis em seis meses, com emtricitabina e tenofovir, um comprimido diário, por via oral. Os resultados foram surpreendentes, dado que nenhuma mulher se infetou com VIH no braço do lenacapavir em comparação com 55 mulheres infetadas no braço do tratamento oral e diário com emtricitabina e tenofovir. Também, ficou demonstrado que o insucesso da PrEP oral foi devido, exclusivamente, à má adesão ao tratamento.

Estes antirretrovíricos injetáveis de longa ação de duração oferecem uma opção mais discreta do que a toma diária da PrEP. Por outro lado, a PrEP com lenacapavir permite uma proteção de 100% contra o risco de aquisição de VIH por via sexual, demonstrando uma excelente adesão e consistência no tratamento. Assim, e com a publicação e divulgação deste novo estudo, podemos dizer que o acesso universal ao lenacapavir, com duas tomas por ano, será um passo gigante para a eliminação da infeção por VIH e da SIDA como um problema de Saúde Pública para o ano de 2030.

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