Opinião

Um orçamento às direitas

Um orçamento às direitas

Miguel Prata Roque

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Este é o governo das direitas. Que aprove, então, o orçamento das direitas. E que seja julgado, mais tarde, pela sua (in)execução. Se não o conseguir... venha outro!

A sonsice de Luís Montenegro é inigualável.

Finge não perceber que tem tantos deputadas/os quanto o PS. Simula não ter feito contas e percebido que os partidos que apoiam o governo somados à IL somam menos deputadas/os (88) do que toda a esquerda parlamentar (91 ou 92, consoante a qualificação do PAN). Assobia para o lado quando lhe explicam que só formou governo porque o Presidente da República entendeu que as/os 50 deputadas/os do Chega permitiam à direita parlamentar ter maioria no parlamento.

Pobre (ainda que com o orçamento de quem lhe deixou os cofres públicos cheios) e mal agradecido.

Como uma enguia, negoceia com o Chega a aprovação de leis fiscais (IRC e IRS Jovem) que apenas beneficiam quem já muito ganha e, nos Açores, entra na voragem populista de perseguir desempregados, retirando-lhe o acesso a creches gratuitas para as/os filhas/os.

E, depois, vem fazer um simulacro de negociação com o Partido Socialista.

Se estivesse verdadeiramente empenhado numa negociação séria já tinha divulgado o limite da despesa pública para o ano de 2025 (que já lhe foi transmitida pela Comissão Europeia) e não tinha escondido o Quadro Plurianual das Despesas Pública, que não apresentou juntamente com a proposta de Lei das Grandes Opções do Plano.

Se estivesse verdadeiramente empenhado numa negociação efetiva já tinha reunido com o principal partido de oposição antes de serem fixados os “plafonds” para cada área governativa e de os vários serviços da administração pública terem enviado à DGO (Direção-Geral do Orçamento) as suas propostas de orçamentos setoriais.

Se estivesse verdadeiramente empenhado numa negociação leal não tinha tido a desfaçatez de tentar contornar o parlamento, através de uma artimanha, retirando as normas com incidência tributária do articulado da proposta de lei de orçamento e camuflando-as em propostas de lei de autorização legislativa que negoceia, às escondidas, com o Chega e a Iniciativa Liberal.

Por fim, se houvesse um pingo de verdade no anúncio de negociação, não insistiria num discurso truculento e desafiador do principal partido da oposição, enchendo o peito e agindo como aqueles cães pequenos e irritantes que ladram e rosnam muito, justamente por saberem que não têm o porte suficiente para impor temor a quem quer que seja.

De facto, Montenegro não passa do avançado desesperado e trapalhão que, face à persistência do embate, procura forçar o embate com o pé do defesa adversário e se atira para o chão, gritando “penálti”!

Ninguém tem culpa que a sede de poder o tenha obrigado a aceitar formar governo, sem ter qualquer condições políticas e parlamentares para implementar o seu programa.

Hoje, governa com o Orçamento do PS, que apelidava de “pipi e betinho”, executa as medidas que o governo anterior deixou estudadas, preparadas e financiadas pelo PRR (Plano de Resiliência e Recuperação) e é forçado a passar pela vergonha de ter que executar todas as leis que os partidos da oposição lhe impõem, através do parlamento.

Ninguém tem culpa que esteja tão feliz por ser (por enquanto) Primeiro-Ministro. Hoje, compraz-se com sondagens que lhe afagam o ego. Talvez fosse de perguntar ao seu correligionário Marcelo Rebelo de Sousa como os afetos populares se vão, tão rápido quanto vieram.

Ninguém tem culpa que prometa tudo a todas/os e que, pior que isso, prometa aquilo que sabe que não pode cumprir.

Hoje, distribui benesses à custa do excedente orçamental que o governo anterior lhe deixou e inventa descidas de impostos que já tinham decididas por quem governou antes deles. E, levando a sonsice ao nível estratosférico, diz que já tomou muitas medidas, apenas porque colocou num “powerpoint” que ia descer o imposto X, Y ou Z. Esquece-se é que não cabe ao governo decidir a descida de impostos, mas ao parlamento. Onde os dois partidos que o apoiam têm apenas 34,7% das/os deputadas/os.

Obviamente, os eleitores que votaram no PS – e que quiseram a continuação de políticas redistributivas da riqueza, com moderação e justiça social, estímulo à inovação e à competividade da economia – não poderiam aceitar que as/os deputadas/os que elegeram cedessem à chantagem e ao receio de eleições. Não, as/os portuguesas/es não estão fartas/os de eleições. Quer em 2022, quer em 2024, quer nas recentes eleições europeias, as taxas de participação, as audiências dos debates televisivos e dos programas de análise política e o interesse no debate público subiram, a olhos vistos.

O que as pessoas estão fartas é de um país paralisado. Com um governo que não consegue alterar uma única das realidades que tanto criticava, há bem pouco tempo.

Não é ao PS que se pode pedir que assine por baixo de uma tentativa despudorada de selvajaria e “dumping” fiscal, tornando-nos num predador semelhante à Holanda ou ao Luxemburgo, em completo desrespeito pela solidariedade europeia. Não é ao PS que deve pedir-se contas por não permitir que só se protejam os rendimentos mais elevados, com prejuízo para aquelas/es que mais precisam. Não é ao PS que se pode pedir que permaneça silencioso quando se usurpam todas as medidas e reformas que estavam em curso, afirmando-se que não se tem tempo para resolver problemas em 100 dias, mas já se tem tempo para inaugurar e propagandear obras e medidas que demoraram tantos anos a preparar.

Este é um governo das direitas.

Foi isso que o país quis.

Foi assim que o Presidente da República interpretou os resultados eleitorais, dando posse a um governo que só tinha apoio parlamentar se suportado pela sua extrema direita.

Governem, então (ou governem-se) com essas direitas.

Se não estão em condições de governar, digam. E entreguem essa tarefa a quem sabe.

Não venham é pedir batatinhas para implementar tais políticas.

Fico à espera que o Senhor Presidente da República faça o que fez em 2021. Que exija aos partidos das direitas o que exigiu aos partidos das esquerdas: que se entendam. Se não se entenderem, a solução é clara e só uma: dissolução do parlamento e novas eleições.

A vida – e, em especial, a vida pública – não é feita de medo, nem de falta de coragem. Só vale a pena ser vivida se for com frontalidade e sentido do que realmente importa.

Este é o governo das direitas.

Que aprove, então, o orçamento das direitas.

E que seja julgado, mais tarde, pela sua (in)execução.

Se não o conseguir... venha outro!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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