Opinião

Os 25’s

Os 25’s

José Matos Correia

Advogado, presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD

Fui Deputado durante muitos anos. Aí presenciei – e até intervim – em debates sobre o 25 de Novembro. E nunca percebi a razão pela qual o PS, quando confrontado com o tema, reagia com pouco à vontade. Como se o seu papel de oposição às derivas revolucionárias não fosse um facto maior da sua história, de que pode – e deve – legitimamente orgulhar-se

"A 25 de Novembro de 1975, data relevante do processo democrático iniciado com a Revolução do 25 de Abril de 1974, confirmou-se o caminho sufragado nas eleições para a Assembleia Constituinte rumo a uma sociedade aberta e pluralista, tolerante e sem discriminações, firmando um compromisso duradouro da nossa ordem constitucional para com a democracia representativa e os direitos fundamentais, no quadro de um Estado de Direito democrático".

A frase é retirada de um voto aprovado pela Assembleia da República em Novembro de 2019 e apresentado pelo Partido Socialista… E lembrei-me dela a propósito da polémica, recentemente instalada, acerca da exclusão da data do 25 de Novembro das comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril, com o extraordinário argumento, avançado por Augusto Santos Silva, de que a comissão organizadora destas decidiu só incluir no programa as datas e os eventos que tivessem uma leitura consensual.

Volto às citações, desta feita de Carlos César, num artigo publicado em Novembro de 2016: “O 25 de Novembro faz 41 anos. A seguir ao 25 de Abril, foi a data mais marcante do Portugal democrático, nascido com a Revolução dos Cravos. (…) Para o PCP, o 25 de Novembro foi a contra-revolução. De acordo com Mário Soares, aconteceu para que Portugal não fosse uma Cuba do ocidente. (…) Para mim, o 25 de Novembro de 1975 foi, acima de tudo, a reposição, uma palavra agora muito em voga, da pureza dos ideais de Abril e o grande obreiro o Dr. Soares, com o seu memorável comício na Fonte Luminosa”.

E deixo, ainda, uma transcrição da entrevista concedida a António Araújo por Miguel Galvão Telles, em Abril de 2015: “O 25 de Novembro politicamente representa, digamos assim, a vitória dos “Nove” e do Partido Socialista, representa, se quiserem, a vitória jurídico-política da concepção da legitimidade transitória”.

Porque há por aí quem, convenientemente, se esqueça dos factos históricos, vale a pena relembrar alguns dados relevantes.

Em 11 de Abril de 1975, os dirigentes do Movimento das Forças Armadas impuseram – sublinho, impuseram, porque foi disso que verdadeiramente se tratou relativamente a alguns dos partidos (não todos, como é óbvio) que a subscreveram – a primeira Plataforma de Acordo Constitucional (vulgarmente conhecida como Pacto MFA-Partidos).

Nela, podiam encontrar-se “pérolas” deste jaez: a eleição indirecta do Presidente da República, por um colégio composto pelos membros da Assembleia do MFA e pelos Deputados da Assembleia Legislativa; a dissolução da Assembleia Legislativa pelo Presidente da República, após deliberação do Conselho da Revolução; a outorga ao Conselho da Revolução do poder para definir, dentro do espírito da Constituição, as necessárias orientações programáticas da política interna e externa, bem como a pronúncia, junto do Presidente da República, sobre a escolha do Primeiro-Ministro e dos ministros que deviam ser da confiança do MFA, a saber os da Defesa, da Administração Interna e do Planeamento Económico; a obrigatoriedade de a Constituição consagrar os princípios do Movimento das Forças Armadas, as conquistas legitimamente obtidas ao longo do processo, bem como os desenvolvimentos ao Programa do MFA impostos pela dinâmica revolucionária que, aberta e irreversivelmente, empenhou o País na via original para um socialismo português.

Era esta a “democracia” a que nos queriam obrigar. E em claríssima violação, aliás, da promessa, constante do programa do MFA, de que “logo que eleitos pela Nação a Assembleia Legislativa e o novo Presidente da República, será dissolvida a Junta de Salvação Nacional e a acção das forças armadas será restringida à sua missão específica de defesa da soberania nacional”.

Foi a derrota dos extremistas, em 25 de Novembro de 1975, que impediu que tudo isso se concretizasse. E que abriu caminho para a conclusão, em Fevereiro de 1976, do II Pacto MFA-Partidos, que ab-rogou muitos dos desmandos contidos no documento anterior (embora mantendo o Conselho da Revolução como órgão de soberania, se bem que com poderes mais reduzidos).

Fui Deputado durante muitos anos. Aí presenciei – e até intervim – em debates sobre o 25 de Novembro. E nunca percebi a razão pela qual o Partido Socialista, quando confrontado com o tema, reagia com pouco à vontade (como o excerto com que abri o presente texto evidencia), sem nunca querer ir ao âmago da questão. Como se o seu papel, no plano civil, de oposição às derivas revolucionárias, não fosse um facto maior da sua história, de que pode – e deve – legitimamente orgulhar-se.

Dizem alguns dos que se opõem à comemoração dessa data, que tudo não passa de uma espécie de vingança da direita contra o 25 de Abril e contra as “conquistas” que o PREC proporcionou. E afirmam outros que, por detrás de tal proposta, se encontram objectivos de instrumentalização histórica. A todos esses, direi apenas: se o disparate pagasse imposto…

Aqui chegados, há uma pergunta que importa fazer: se o 25 de Novembro constituiu um momento fundamental na consolidação do regime democrático, que mal pode vir da sua comemoração?

Nenhum. Absolutamente nenhum. Mal pode advir, isso sim, da adopção de uma perspectiva revisionista, que tente apagar da nossa memória colectiva um momento marcante para a construção daquilo que hoje somos.

Celebrar o 25 de Novembro é, portanto, uma forma adicional de festejar o próprio 25 de Abril. Porque se, no 25 de Abril, celebramos a coragem daqueles que souberam erguer-se contra um regime caduco, que oprimia Portugal há cerca de cinquenta anos, no 25 de Novembro deveríamos homenagear aqueles que, com desassombro, derrotaram os que queriam atraiçoar o espírito e as promessas do 25 de Abril.

José Matos Correia escreve de acordo com a antiga ortografia

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